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Argentina | Posição do PTS frente à situação política nacional argentina e o 2º turno

Publicamos aqui a declaração política do PTS frente à situação política nacional da Argentina e o 2º turno. O PTS é a organização que encabeçou as candidaturas da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina com Myriam Bregman e Nicolás Del Caño, é parte da Fração Trotskista pela IV Internacional, assim como MRT no Brasil e impulsiona a Rede Internacional de Diários La Izquierda Diário.

terça-feira 31 de outubro de 2023 | Edição do dia

Esta primeira declaração da direção nacional do PTS, Partido de los Trabajadores Socialistas, busca colocar nossa posição para consideração dos partidos que compõem a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade na Argentina, com o objetivo de tentar acordar uma posição comum das organizações e da sua militância.

Os três milhões de votos que a coligação Unión por la Patria [União pela Pátria] neste 22 de outubro se explicam majoritariamente pelo enorme repúdio e medo que a campanha da direita despertaram, encarnada centralmente por Javier Milei, mas também, em outro nível, por Patrícia Bullrich, que junto com Mauricio Macri hoje se transformaram no principal aval do ultradireitista Milei. Mais uma demonstração da falsidade de seu discurso “anti-casta” e uma orientação da extrema-direita se ajustar ao establishment político e aos alinhamentos da direita mais tradicional expressa no PRO [Proposta Republicana, de Macri].

Nas semanas anteriores à eleição geral, o candidato da Libertad Avanza [Liberdade Avança], Milei, deixou em evidência para onde leva o seu programa econômico, estimulando com declarações a corrida cambiária e até mesmo a saída de depósitos em pesos dos bancos.

Este projeto reacionário propõe uma dolarização que, caso seja levada adiante, implicaria um enorme salto na pulverização dos já baixos salários e uma maior dependência do país. Milei defende privatizações das ferrovias, companhias aéreas e de outras empresas estatais. Ou seja, milhares de demissões, que se somariam ao fechamento de diferentes entidades estatais, da cultura, da ciência e da tecnologia. Implica, além disso, misoginia alastrada e uma reversão dos direitos das mulheres e da diversidade sexual. A eliminação da Educação Sexual Integral obrigatória, para que imponham ideias reacionárias. Defende também justificar o genocídio sob o mando do poder econômico. Fez acordos com o que existe de mais podre na burocracia sindical, como Luis Barrionuevo, para varrer as conquistas que ainda são mantidas por um setor importante da classe trabalhadora, que frente ao revés eleitoral do dia 22 de outubro agora o abandona.

Isso fez com que Milei suprimisse todo o perfil “anti casta”, com o qual capitalizou a raiva contra os que vêm governando há décadas e se alinhar com um setor da política tradicional da direita como são Macri e Bullrich.

A partir da esquerda denunciamos sempre a direita encarnada por Milei. Enfrentamos ela desde que surgiu, sem naturalizá-la, denunciando seu programa de ajuste neoliberal e sua agenda político-ideológica completamente reacionária e repressiva, enquanto o oficialismo [governismo, NdT] a promovia e dava espaço a Milei na imprensa “para dividir a oposição”. Quando Myriam Bregman o descreveu como um “gatinho mimoso do poder econômico”, revelou o verdadeiro caráter de Milei frente a milhões de pessoas nos debates presidenciais. Neste, Myriam denunciou seu negacionismo do genocídio, levantando bem alto a bandeira dos nossos 30.000 companheiros e companheiras [assassinados e desaparecidos na Ditadura argentina, Ndt], enquanto o restante dos candidatos se calava. Também defendeu o direito das mulheres e dissidências; e denunciou o consenso extrativista, demonstrando que todas as forças políticas capitalistas, de uma forma ou de outra, se subordinam ao mandato do FMI e se alinham incondicionalmente com a política criminal de Israel contra o povo palestino, que hoje está causando um verdadeiro massacre em Gaza e na Cisjordânia.

Sabemos que milhões escolheram votar em Massa para impedir que o desastroso projeto político, econômico e cultural de Milei avançasse. Fizeram-no, em muitos casos, apesar de conhecerem a carreira política de Massa, as suas ligações ao poder econômico ou as suas posições de direita sobre diversas questões, como a chamada questões de insegurança. Só o enorme medo da vitória de Milei explica porque muitos decidiram votar no candidato governista, que passou de 21% para 36,6% dos votos, deixando-o com uma margem confortável sobre o chamado “libertário”.

No dia 19 de novembro terá lugar o segundo turno entre estes dois candidatos. O segundo turno é uma instituição reacionária criada pelo pacto de Olivos entre Menem e Alfonsín em 1994 para legitimar o futuro Presidente com uma maioria artificial, tentando forçar aqueles que escolheram outros opções a votar em um ou outro, e assim ter um Executivo mais fortalecido para implementar os desígnios do capital.

Perante esse segundo turno, milhões de pessoas certamente usarão novamente o seu voto para evitar um eventual triunfo do ultra-reacionário Milei. Compreendemos esta atitude, mas não compartilhamos dela, pois contribuiria para fortalecer uma opção contrária aos interesses dos trabalhadores e para a continuidade da submissão ao FMI. É claro que chamamos a não votar em Milei, mas da esquerda não podemos dar qualquer tipo de apoio político ou eleitoral a Massa.

Sergio Massa é hoje o principal responsável por um ajuste que afunda as condições de vida da grande maioria dos trabalhadores. Sob sua gestão como Ministro da Economia, a inflação atingiu valores que não eram vistos há mais de três décadas, aprofundando a queda dos salários reais, dos benefícios de aposentadoria e dos planos sociais. Foi o próprio Massa quem implementou em 14 de agosto, durante as PASO [prévias eleitorais], uma desvalorização do peso oficial a pedido do FMI e depois anunciou uma série de medidas como parte da campanha eleitoral (valores fixos, reembolso do IVA [imposto ao valor agregado, semelhante ao ICMS], a quase eliminação do imposto sobre os salários, etc.), que ainda não reverteu a perda geral de todos estes anos, enquanto a inflação continua na sua espiral ascendente, liquefazendo salários e aposentadorias. Segundo o próprio INDEC [Instituto Nacional de Estatística e Censo], após quatro anos de governo peronista, mais da metade das crianças e adolescentes vivem abaixo da linha da pobreza.

Não é por acaso que o candidato do partido no poder conta hoje com o aval e o apoio da maioria dos grupos e setores da classe exploradora (Associação Empresarial Argentina, os banqueiros, o grupo Clarín, etc.) que acreditam que com ele e o peronismo podem garantir a “governabilidade” para continuar avançando nos planos de ajuste, na flexibilização trabalhista, no extrativismo, e poder continuar fazendo seus negócios diante do que consideram uma “aventura”. Este apoio estende-se inclusive ao próprio imperialismo ianque, dados os laços que Massa mantém com a Embaixada dos EUA, bem como com setores importantes do Judiciário e do sistema midiático. Este apoio não é gratuito, implica políticas para o futuro.

Sergio Massa foi o responsável pela legalização do infame pacto colonial com o Fundo Monetário Internacional no Congresso com os votos de quase todos os deputados e senadores do Juntos por el Cambio. Um pacto que - como denunciaram os deputados da FIT-U - trouxe mais inflação e dificuldades às maiorias populares.

O problema não é só a gestão do ministro/candidato. É também o projeto político que ele propõe para o futuro. Tomando como seu o discurso e o perfil de Horacio Rodríguez Larreta, reiterou que aposta num “governo de unidade nacional”…com aqueles que reprimiram os professores e os povos originários - como o governador de Jujuy, Gerardo Morales - e “setores do PRO, radicais e liberais”, deixando assim a porta aberta, inclusive, para setores do próprio partido Milei-Villarruel. Se Massa vencer, tentará formar um governo forte com setores de direita para poder levar a cabo o programa do FMI e do poder econômico, “um consenso de 70%”, como também propôs o embaixador ianque Marc Stanley.

A burocracia sindical que dirige a CGT [Confederação Geral do Trabalho] e a CTA [Central dos Trabalhadores da Argentina] que é responsável pelas múltiplas divisões que a classe trabalhadora tem hoje, permitiu que os salários afundassem sem levantar um dedo e hoje constitui um importante apoio ao projeto reacionário, extrativista e pró-imperialista de Sérgio Massa.

O candidato da Unión por la Patria confirmou que vai pagar cada centavo da dívida pública ilegítima e fraudulenta, o que inevitavelmente resultará em novos saltos de desvalorização, taxas elevadas e mais inflação. A forma de pagar é aprofundar uma orientação extrativista, promovendo a megamineração, o agronegócio e projetos fósseis poluentes como o fracking no mar, entre outras atividades que destroem a água, territórios e populações a serviço de um punhado de grandes empresas e multinacionais. Isto implicará novos ataques contra as maiorias populares. Não por acaso, já saiu para confrontar as medidas de luta dos professores em defesa dos seus salários. Justamente por todos esses motivos, nossa organização, que participa de toda luta contra o ajuste que vem impondo, assim como enfrenta com todas as suas forças e chama a não votar em Milei, não pode defender Massa nem dar-lhe qualquer apoio no segundo turno, e prepara-se para lutar ao lado da força dos trabalhadores, das mulheres e dos jovens contra cada nova medida de ajuste que queiram impor, pela recuperação dos salários e das aposentadorias, contra a insegurança laboral e para acabar com o domínio do FMI.

Apesar da importante vitória de Massa, o peronismo unido realizou a pior eleição presidencial da sua história. Não é por acaso que, no decurso deste governo desastroso, surgiram fenômenos aberrantes, como o do próprio Milei, com quem o próprio partido no poder colaborou na preparação das suas listas eleitorais. Um fenômeno demagógico que se apresentou como alternativa de suposta mudança para milhões de pessoas, que só viram o seu nível de vida piorar nestes anos de governo Kirchnerista e Macrista. Uma falsa alternativa para aqueles milhões que estavam totalmente desamparados pela direção burocrática sindical e pelas organizações sociais governistas.

Por sua vez, no novo cenário político o Juntos por el Cambio explodiu, dividido entre uma extrema direita que foi derrotada e que agora apoia Milei e setores mais próximos de Massa. Este tipo de abordagem tem precedentes. Já vimos como, durante o governo Macri, grande parte dos grupos peronistas de deputados e senadores votaram pelas leis de ajuste e entrega promovidas por Juntos por el Cambio.

O espetáculo que apresentam diante de milhares de pessoas que não conseguem sobreviver e lutam todos os dias é simplesmente lamentável. A casta política negocia e passa de um lado para o outro de forma completamente obscena, enquanto naturaliza escândalos como de Martín Insaurralde e de Julio ’Chocolate’ Rigau.

Ninguém pode negar os valores e princípios defendidos pela esquerda revolucionária, que confronta todos os políticos carreiristas que respondem à classe capitalista e à decadência sem limites do seu regime social e político.

Como propôs Myriam Bregman - do Partido Socialista dos Trabalhadores (PTS), parte da Frente Unitária de Esquerda (FIT-U) - no último debate presidencial, propomos construir uma nova força política independente de esquerda, da classe trabalhadora, anticapitalista e socialista.

Para essa luta, a votação que conseguimos neste domingo, dia 22, é um ponto de apoio, onde atingimos 850 mil votos em diferentes categorias, a nível nacional. Onde, além disso, conseguimos fortalecer a nossa bancada nacional de deputados, com a entrada pela província de Buenos Aires do nosso colega Christian Castillo, dirigente do nosso partido. Desta forma, a FIT-U terá cinco deputados nacionais, sendo uma voz fundamental frente às batalhas e lutas que surgirão face à crise e às tentativas de ajustes.

A nossa luta é pela criação de uma nova força política, uma alternativa aos velhos partidos e aos que se apresentam como novos, mas representam a direita mais rançosa, uma nova força que será o instrumento político das maiorias operárias e populares que só poderão evitar a catástrofe que nos ameaça com uma luta coletiva que conduza a uma greve geral.

Sabemos que muito em breve nos encontraremos nas ruas com os milhões que rejeitarão os planos de ajuste. Para nos prepararmos para essas lutas, propomos nos organizar junto a eles e elas nos locais de trabalho, de estudo e nos bairros. Independente de quem vencer, serão tempos difíceis e teremos que sair à luta, levantando um programa que proponha uma saída da crise a favor das grandes maiorias populares, atacando os interesses do grande capital e do poder econômico.

Precisamos construir uma nova força política que sirva para unir os de baixo, para lutar por uma nova sociedade sem opressão ou exploração, por uma nova ordem socialista construída a partir de baixo. Onde governem aqueles que nunca governaram: os trabalhadores.

Direção nacional do PTS, 29/10/23




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