O Napoleão de Ridley Scott é um homem contemplativo que, afeito ao campo militar e perturbado pelas relações amorosas, enxerga a política como um falatório de homens presunçosos que, não obstante, são úteis enquanto lhe fornecerão meios de ascensão social.
terça-feira 5 de dezembro de 2023 | Edição do dia
Publicado originalmente no site Café História.
As representações cinematográficas sobre Napoleão Bonaparte são tão antigas quanto o próprio cinema. Em 1897, dois anos após a invenção do cinematógrafo, os irmãos Lumière, em Lyon, exibiram uma série de filmes históricos, o que incluía uma produção sobre o encontro entre Napoleão e o Papa. A projeção durou 49 segundos e foi realizada por Georges Hatot e Gaston Breteau. A cena fundamenta-se no relato de Alfred de Vigny, Servitude et grandeur Militaires, de 1835, e reaparecerá nos filmes clássicos de Abel Gance (1926) e Sacha Guitry (1955).
De início a fim, o Napoleão de 1897 é um indivíduo radicalmente político: sua entrada em cena invoca sua autoridade e liderança nas negociações com o papado; sua fúria é despertada pela falta de atenção do papa em relação às manobras napoleônicas; sua saída é motivada pela recusa insistente do papa em atender sua solicitação. Enraivecido, o Imperador Corso descarta o papel que desejava que ele assinasse e sai de cena. As duas figuras contrastam o poder político e o poder religioso de forma tão bela que nos remetem a uma célebre passagem de Victor Hugo em Hernani (1830), na qual o papa e o imperador são descritos como “as duas metades de Deus.”
Na outra ponta, contra os 49 segundos dos irmãos Lumière, o filme de Ridley Socott, Napoleão, conta com 2 horas e 38 minutos – quase a mesma duração da coroação de Bonaparte em Notre-Dame, 1804, que se estendeu por três horas. A diferença entre os dois filmes, contudo, não se limita a duração ou ao ano de lançamento.
Sobre o autor:
Daniel Gomes de Carvalho
Professor de História Moderna no Departamento de História da Universidade de Sao Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Podcaster no História Pirata. Autor de "Revolução Francesa" (Contexto, 2022).