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A divisão de classes: quem divide a quem?

Matías Maiello

Esteban Mercatante

A divisão de classes: quem divide a quem?

Matías Maiello

Esteban Mercatante

“Casta” vs “anticasta”, “ordem” vs “caos”, “mal menor” vs “direita”, e até “democracia” vs “fascismo” são algumas das oposições que sobrevoam o debate político com as quais Milei, Bullrich e Massa (candidatos à presidência na Argentina, NdT) contam para estabelecer algum tipo de divisão política a seu favor. Na hora de definir essa operação básica da política, Ernesto Laclau afirmou que a articulação de demandas insatisfeitas deveriam se cristalizar em algum significante deste tipo que traçasse uma fronteira interna capaz de dividir em dois os campos políticos opostos no cenário político. No contexto de crise, essa tendência é evidente. O problema, como sempre, é o de quem divide a quem.

Acaso se tratasse apenas de operações discursivas e de marketing eleitoral, seria uma questão menor. Mas existe uma grande política por trás que consiste em dissimular a divisão social - e potencialmente política - entre os donos de tudo e as maiorias trabalhadoras, encenado na recente reunião do Council of America com o desfile de candidatos diante da nata da burguesia local e estrangeira. O que está sendo discutido é sobre quem pagará os custos da crise. Seguem algumas considerações sobre como se expressa essa divisão de classe em torno das três oposições em voga: desvalorização-dolarização, “dinamitar” ou não o Banco Central, e casta vs anticasta.

Desvalorização, dolarização ou proteção da renda da classe trabalhadora

A aceleração inflacionária que atravessa a Argentina não pode ser reduzida a um único fator. Porém, sem dúvida, um dos principais é o desastre do precário “bimonetarismo de fato” que o governo da Frente de Todos vem implementando, validando o endividamento em série de Macri e os compromissos com o FMI. Os dólares do comércio exterior foram usados para o pagamento da dívida pública, mesmo durante a renegociação, e para o pagamento da dívida dos grandes empresários (uma via fundamental de saque do Banco Central durante 2020 e 2021). A seca deixou este mecanismo de exploração contra as cordas.

Massa se consagrou como um dos poucos políticos a aplicar uma desvalorização de 22% em meio de uma campanha eleitoral, e com isso a inflação inevitavelmente passou a ter um novo piso, como se comprovará quando forem obtidos os índices de preços em agosto. Não é preciso ter muita imaginação para antecipar as desvalorizações que virão, mesmo antes das eleições se as coisas ficarem ainda mais complicadas para Massa. O mecanismo de desvalorização, assim como sua sequela inflacionária, gera transferências de rendas que se produzem de maneira indireta e impessoal, diferentemente do que ocorre quando as patronais ou o Estado cortam nominalmente os salários. Embora a perda do poder de compra dos salários seja perceptível, nos momentos de inflação galopante, de maneira quase imediata para todos e todas, aparece quase como um fenômeno da natureza, um produto das “forças do mercado”, cujos responsáveis últimos ficam ocultos.

Mas os beneficiados são bem concretos. Em primeiro lugar, os grandes exportadores que têm seus rendimentos em dólares, o agropower e, em particular, as empresas que detêm o monopólio do comércio de grãos, assim como os exportadores industriais e os capitalistas que compram dólares nos paraísos fiscais. Os banqueiros obtiveram seu quinhão com um aumento de 21% das taxas de juros. Os grandes monopólios alimentícios receberam sua parte do saque com remarcações “preventivas”, muitas vezes superiores à desvalorização. O prejuízo recaiu, obviamente, em quem vive do trabalho. A cumplicidade da CGT, CTA (Centrais Sindicais argentinas, NdT) e dos movimentos sociais oficialistas foi um elemento indispensável para a concretização da operação. Em troca, aqueles que ainda têm a possibilidade de estar sob um acordo receberão miseráveis 60 mil pesos por conta dos consórcios. Para 42% dos assalariados que estão na informalidade, nem sequer isso.

Diante dessa perspectiva de espiral de desvalorização-inflação-desvalorização, no qual ganham os de sempre, é que a proposta de dolarização de Milei ganhou força. A potência do discurso sobre a dolarização - para além de suas intenções concretas de implementação - se baseia no caráter cada vez mais fantasmagórico do peso argentino como moeda. Dessa forma, Milei conseguiu ressignificar um velho clichê que Alberto Bonnet chamou de hegemonia menemista, na época ligada à convertibilidade (1 peso = 1 dólar) que pode se impor depois da hiperinflação de 1989-90. O saldo foi uma década de grandes negócios para as multinacionais e seus sócios da burguesia local, uma hiperdesocupação de 21,5% e um índice de pobreza que superou os 50%.

No caso de ser aplicado uma dolarização na Argentina atual, se nos basearmos nas reservas e no conjunto do patrimônio líquido total do Banco Central, as estimativas da taxa de câmbio pela qual seria dolarizada variam de 1 dólar = 2000 pesos até 1 dólar = 10.000 pesos. Desta forma, um salário de 200.000 pesos que hoje, no “azul”, representa 270 dólares poderia despencar para 100 dólares ou, inclusive, cair para 20 dólares. Por sua vez, provavelmente implicaria algum tipo de confisco das poupanças, parecido com o que aconteceu no Equador quando se dolarizou em 1999 ou a que precedeu a Convertibilidade na Argentina com o plano Bonex. As grandes ganhadoras seriam as empresas, em particular, as multinacionais que obteriam seus lucros diretamente em dólares para remeter ao exterior e ofereceriam fabulosos negócios para o capital financeiro internacional.

O governo promete mais do mesmo com a ideia de que se vencer poderá “estabilizar” o peso (não se sabe como); as “alternativas” existentes oferecem a dolarização (Milei) ou a “semidolarização” (Bullrich), mas todos essas propostas têm um pressuposto comum: buscar a “estabilização” prometida depois de um choque e uma liquefação dos salários, no qual diferem apenas nas vias para alcançá-la. Apresentadas como “soluções” monetárias, são diferentes dispositivos de transferência massiva de riqueza dentro da economia nacional, partindo da classe trabalhadora e setores das classes médias para os capitalistas, inclusive entre eles próprios, pelos quais tradicionalmente têm se dividido em uma ou outra alternativa. A dolarização e desvalorização são duas formas de descarregar a crise sobre as grandes maiorias.

Por isso, do ponto de vista de classe, a primeira coisa contra ambos é defender a renda (poder de compra) dos trabalhadores e setores populares. Há um nível imediato, que tem a ver com medidas como o aumento emergencial de salários, pensões e planos sociais, assim como o estabelecimento de alguma espécie de IFE que alcance todos os trabalhadores que estão na informalidade. Mas a questão de fundo é como a classe trabalhadora pode se “blindar” contra essas políticas.

Uma medida importante é o reajuste automático dos salários de acordo com a inflação, ou seja, que os acordos coletivos de trabalho assegurem a correção dos salários com o aumento dos preços. No entanto, a fragmentação da classe trabalhadora faz com que hoje mais da metade de seus membros, incluindo trabalhadores informais e desocupados, estejam fora de qualquer acordo. Uma medida como essa teria de ser acompanhada de uma reorganização integral do trabalho, começando pela redução da jornada de trabalho para 6 horas por 5 dias na semana, como vem defendendo a Frente de Izquierda, para criar postos de trabalho com plenos direitos, tanto para desempregados como para trabalhadores informais. Essa redução da jornada poderia gerar um milhão de postos de trabalho novos apenas focando nas 12 mil maiores empresas do país, do total de 600 mil grandes, médias e pequenas empresas que empregam trabalho registrado na Argentina. Com isso, o potencial de criação de postos de trabalho supera largamente esse milhão (mais ainda através do desenvolvimento de um amplo plano de obras públicas que encare as necessidades urgentes das maiorias, começando pela moradia). Isso é possível às custas dos lucros das empresas. É mais que pertinente se considerarmos que, em 2021, no setor privado, os números macroeconômicos indicam que o “trabalho não pago” - o que excede o valor do salário e fica com o empresário - representou 61% do total da jornada de trabalho, enquanto que o “trabalho pago” representou apenas 39% restante. Uma classe que reinveste proporcionalmente pouco de seus lucros, fica com uma fatia cada vez maior do rendimento gerado às custas da classe trabalhadora.

Partindo de um ponto de vista mais geral que inclua a conservação da renda das classes médias que trabalham (autônomos propriamente ditos, comerciantes, profissionais, etc), entre outras medidas para o controle dos preços, a nacionalização do comércio exterior é chave em um país como a Argentina em que grande parte dos bens de consumo básico são exportáveis. Significaria acabar com monopólios privados virtuais, como é o caso dos grãos, em que implicaria destituir apenas 7 empresas que controlam o comércio exterior. Trata-se dos exportadores entregarem o que vai ser exportado a uma instituição criada pelo Estado e que seja ela quem comercialize e administre a relação com outros países para poder definir os preços internos, ao mesmo tempo que se apropria dos rendimentos, como os rendimentos agrários.

“Dinamitar” ou não o Banco Central? A defesa de um banco único a serviço do povo trabalhador

O Banco Central demonstrou ser parte de uma “associação ilícita” com o capital financeiro. Suas “regulações” do sistema bancário, como podem ser os requisitos das reservas, as condições do seguro de garantia de depósitos, o estabelecimento de limites para a taxa de juros que os bancos aplicam ou a regulamentação das operações com moeda estrangeira, entre outras, não impedem a contínua fuga de capitais. Sob a sombra desse “controle”, se desenvolvem amplamente métodos ilegais como a triangulação através de paraísos fiscais, como no caso emblemático da banca paralela que, na crise de 2001, o HSBC, J.P Morgan, BBVA, Citibank, Banco Galicia e outros bancos fizeram para conseguirem os dólares dos principais empresários e multinacionais durante o “corralito”. Mas existem, sobretudo, os métodos legais, como transferências de lucros das multinacionais às matrizes ou o pagamento da dívida de empresas no exterior que, em muitos casos, envolvem mecanismos de crédito dentro de um mesmo grupo corporativo, ou seja, uma fraude para obter fundos no exterior. Todo esse sistema conta com o guarda-chuva legal da Lei das Entidades Financeiras e da Lei de Investimentos Estrangeiros, sancionadas durante a última ditadura. Deve ser acrescentado, junto à sangria da dívida externa, a montanha de 17 bilhões de dólares em “Leliqs” com que o Banco Central se endivida para tirar pesos de circulação, e que não fez mais do que alimentar o crescimento da renda dos banqueiros.

A “solução” de Milei, popularizada como “dinamitar o Banco Central”, propõe fazer um presente sob medida para os grandes responsáveis de todos estes desfalques: os grandes bancos e administradores de fundos locais e internacionais que souberam lucrar em todos os episódios da falência nacional. “Dinamitar o Banco Central” é o corolário da proposta de dolarização. Obviamente, em um país que deixa de ter moeda própria, torna-se supérfluo sustentar uma instituição que tem entre seus papéis principais a emissão de moeda e intervir para sustentar a solvência do sistema financeiro. Isso já aconteceu durante a Convertibilidade, quando as ferramentas do Banco Central ficaram limitadas às de um “Conselho de Conversão”, que emitia pesos na medida em que entravam dólares, e tinha pouca margem para atuar como credor em última instância (ou seja, intervir algum banco específico ou no conjunto do sistema quando este se torna vulnerável), na maioria dos casos, claro, dando prioridade aos bancos e não aos poupadores. Mas a ideia de suprimir essas funções, longe de limitar os benefícios que os banqueiros do Banco Central obtiveram diante da crise, tem por objetivo deixar sua resolução para a ação direta do capital financeiro, desfazendo qualquer obstáculo para o saque. De fato, a própria Convertibilidade terminou com a expropriação massiva dos pequenos poupadores com o “corralito”. A dolarização é uma versão extrema, e mais difícil de reverter, da mesma receita de se ancorar em uma moeda internacional com o objetivo básico de frear a espiral inflacionária depois de uma profunda liquidação do poder de compra no momento de estabelecer a paridade de dolarização. Assim, a estabilidade do sistema financeiro local fica sujeita ao influxo de capitais puramente especulativos e dólares através do comércio, investimentos e créditos. Quando estes entram tudo vai bem, quando são cortados a economia fica à beira da recessão.

A “dinamitação” do Banco Central é uma medida para aprofundar a concentração das operações bancárias (como ocorreu desde a desregulação financeira da ditadura e que se acelerou nos anos 1990, mas ainda “mais rápido”, para citar um entusiasta de Milei como Mauricio Macri), e para facilitar a saída de capitais, libertando-a das modestas restrições que encontra nas regulamentações cambiais (“cepo”), que, como vimos, não impediram o saque nacional. O canto da sereia é que este combo de estabilização de preços ancorado no dólar e a desregulação faria florescer o crédito hoje inexistente para todos e todas. Mas o certo é que esta eventual recuperação dos empréstimos só terá como objetivo o florescimento dos negócios dos setores mais concentrados, os únicos que ficarão de pé depois da liquefação dos rendimentos requerida para a dolarização. Dolarização e “inclusão financeira” não caminham juntas. A moeda “forte” e estável, que para a maioria dos operários e populares é uma legítima aspiração diante do crescente descalabro inflacionário, será um bem escasso para estes mesmos setores, já que a dolarização apenas pode aprofundar o país dual e fragmentado, com quase a metade da população na pobreza, que assim se configurou nas últimas décadas ao calor de crises sucessivas.

Não há dúvidas de que são necessárias medidas radicais, começando pela ruptura com o FMI e o repúdio à dívida odiosa, mas vão na direção oposta da dinamitação do Banco Central para premiar os bancos como propõe Milei. Para quebrar a lógica do sistema financeiro como reserva de lucros para um setor da classe capitalista, é necessário nacionalizar o sistema financeiro criando um banco estatal único. Isso significa integrar todos os ativos e passivos das entidades privadas em um sistema estatal único (sem nenhum tipo de compensação aos banqueiros privados, tendo em conta como os acionistas têm lucrado às custas da economia durante décadas) com participação direta da classe trabalhadora nas entidades de administração. Isso tornaria completamente supérfluo o Banco Central como regulador de um sistema que se transformaria em completamente público, mas o faria para dar-lhe uma orientação que visasse favorecer as maiorias populares.

Um banco público único deveria ter três objetivos diretamente vinculados: 1) visar a estabilidade dos preços, de maneira entrelaçada com as iniciativas de proteção dos rendimentos da classe trabalhadora que apontamos acima; 2) salvaguardar os depósitos para os pequenos e médios poupadores que, por tudo que apontamos, não estão de nenhum modo seguros hoje; 3) canalizar a poupança nacional ao crédito que permita desenvolver as atividades mais urgentes para responder às mais agudas necessidades sociais, ou seja, para investimento em moradia, infraestrutura urbana e rural, geração de energia sustentável, mas também para financiar com crédito barato os pequenos comerciantes, proprietários de pequenas oficinas, etc.

Casta e Anti-casta

Se ainda não havia uma boa imagem da “casta” totalmente separada dos interesses da população, a câmara dos deputados a forneceu esta semana. Em meio à disparada da inflação, realizou uma sessão para prejudicar 10 milhões de inquilinos e inquilinas reduzindo os contratos para 2 anos, aumentando a frequência das atualizações em 4 meses e flexibilizando o índice de atualização. A reforma foi empurrada pelo Junto por el Cambio com a ajuda do bloco de Schiaretti. Milei deu o quórum para que a reforma fosse discutida e faltaram 13 deputados da Frente de Todos/Unión por la Patria para que pudesse ser aprovada. O lobby imobiliário deteve os deputados até que seus interesses fossem ratificados. Para completar o quadro, a polícia de Berni e Kicillof reprimiu neste sábado famílias sem teto em La Matanza.

Como afirmou Myriam Bregman naquela sessão, não se podia esperar outra coisa de um congresso que está cheio de proprietários que nem vão aos supermercados. Subsídios de luxo - que em novembro ascenderam a 1.500.000 pesos em média -, privilégios de todo tipo, negócios à mão (“legais” ou não). O mesmo se pode dizer da câmara dos senadores que, sem votação proporcional, é área de caça das oligarquias provinciais. E nem falar da casta judicial, situada longe do voto popular, vitalícia, que nem sequer alcança o imposto de renda. Se somarmos gabinetes do poder executivo, temos um quadro que permite aos capitalistas “votar todos os dias”, diferentemente do resto dos mortais que apenas podem fazer isso a cada 2 anos.

Milei vem realizando uma operação discursiva que, desde o ponto de vista dos donos do país, é uma estratégica para limitar o alvo da indignação de amplos setores da população às lideranças políticas. Ou, o que dá no mesmo, retirando os banqueiros, os latifundiários, os grandes empresários do foco dessa indignação, ou seja, os que usufruem da existência daquela casta política para se converter nos grandes ganhadores da crise, aumentando sua participação de 40,2% para 45,3% entre 2016 e 2022 . Milei Apresenta-os, inclusive, como financiadores do Estado pelo pagamento de impostos, quando na verdade, segundo dados oficiais, 48% das receitas fiscais vieram, em 2021, de impostos ao consumo que recaem, sobretudo, nos setores populares. Além disso, no orçamento de 2023, sob os auspícios de Massa, “grupos empresariais e grandes empresas” ficaram com o grosso das isenções fiscais equivalentes a 2,5% do PIB.

Com o sorteio de seu subsídio, Milei construiu um símbolo que tem um subtexto. Protegido de Eurnekian, dono da holding Corporación América e um dos burgueses mais ricos do país, ganhava a vida dando conferências cobrando entre 10 e 25 mil dólares por cada uma, segundo ele mesmo declara. Não é difícil adivinhar quem pagava essas “conferências”. Efetivamente, houve um tempo em que os deputados não recebiam rendimentos por assumirem o cargo. Era o Estado liberal clássico, cujo sistema eleitoral era censitário, apenas podiam eleger e ser eleitos quem tivesse um determinado nível de renda ou propriedade. O salário para os deputados foi uma das demandas da classe operária britânica durante o movimento cartista em 1838 (junto ao sufrágio universal masculino, o voto secreto, etc). Ao contrário do que ditava “a casta” de representantes da burguesia naquela época, o movimento buscava que um trabalhador que dependesse da venda de sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver tivesse condições para exercer efetivamente o cargo no caso de ser eleito.

Anos depois, os trabalhadores e as trabalhadoras que puseram a Comuna de Paris de pé em 1871 foram muito além e formularam pela primeira vez toda uma série de diretivas para eliminar “a casta”. Entre elas, que todo político ganhasse o equivalente ao salário de um trabalhador e que não tivesse nenhum privilégio associado ao seu cargo. Esse programa é o que foi retomado, desde sua fundação, pela Frente de Izquierda, aplicando-o em seu próprios deputados e destinando o resto dos subsídios ao apoio às lutas e causas populares, assim como apresentando em várias oportunidades o projeto de lei - a nível nacional e provinciais - para que todos os legisladores e funcionários políticos ganhem o mesmo que uma professora. Como era de se esperar, se chocou contra a defesa corporativa do resto dos partidos. A FITU propõe também que os próprios eleitores possam revogar os mandatos, a eleição direta dos juízes, a instauração de jurados populares, entre outras medidas que são parte de um programa de conjunto, não apenas contra a “casta política”, mas contra seus eleitores de classe.

A divisão de fundo

Desvalorização e dolarização, “dinamitar” o Banco Central ou defendê-lo, a favor ou contra a casta política deixando os seus eleitores à margem, são os tipos de oposições que buscam limitar as opções políticas dentro dos limites dos grandes consensos como o ajuste e a depreciação dos rendimentos das grandes maiorias, o pagamento ao FMI e o saque extrativista dos bens comuns naturais. Nestes consensos está a verdadeira divisão de fundo entre os interesses do povo trabalhador e o dos banqueiros, do agropower, das mineradoras, dos grandes empresários e do FMI. Questões como as que fomos mencionando ao longo do artigo como o reajuste automático dos salários e a redução da jornada de trabalho para repartir o trabalho, o monopólio estatal do comércio exterior, a nacionalização dos bancos, o repúdio soberano da dívida, o ataque aos privilégios de uma casta política à serviço dos interesses patronais, são parte de uma saída oposta, que é a que defende a Frente de Izquierda.

Essa saída também aponta para outro projeto de sociedade que deixe de ser regida pela necessidade dos lucros dos capitalistas. A redução da jornada de trabalho para 6 horas sem afetar os salários, assegurando um piso salarial que cubra as despesas básicas, é um primeiro passo de um objetivo maior: reduzir ao mínimo o tempo que cada indivíduo deve se dedicar ao trabalho como imposição utilizando os recursos da ciência, da tecnologia e da cooperação social, arrancados das mãos do capital. A criação de um banco público único que concentre todos os recursos financeiros é parte das medidas para uma planificação democrática da economia em função, não dos lucros, mas das necessidades das grandes maiorias. Que os políticos eleitos ganhem como uma professora e que sejam revogáveis também é parte de um projeto de outro tipo de democracia, sem casta, e outro tipo de Estado, um Estado dos trabalhadores, onde tanto a direção política como a disposição dos recursos econômicos sejam decididos desde abaixo. Ou seja, aspectos que compõem a luta para acabar com o capitalismo e pôr de pé uma sociedade socialista.


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