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PT e bolsonarismo de mãos dadas nas chacinas na Bahia, RJ e SP: a repressão como um pilar do Estado capitalista

Mateus Castor

Samyr Rangel

PT e bolsonarismo de mãos dadas nas chacinas na Bahia, RJ e SP: a repressão como um pilar do Estado capitalista

Mateus Castor

Samyr Rangel

De São Paulo sob a extrema direita de Tarcísio à Bahia do petista Jerônimo Rodrigues, a repressão estatal racista se mostra mais uma vez como um mecanismo indispensável da “democracia brasileira”, para garantir os interesses das classes dominantes, impulsionado por todos os problemas estruturais deste capitalismo que significam miséria e exploração na cidade e no campo.

Na última semana, enquanto no topo da pirâmide se comemorava o avanço do pacote de reformas neoliberais do governo Lula-Alckmin - tão elogiadas pelo mercado financeiro e grande mídia - e seguiam as negociações para que o Centrão esteja ainda melhor representado nos ministérios do governo federal, na base, dos mais explorados e oprimidos da classe trabalhadora brasileira, o clima foi de terror diante da carnificina policial em três estados distintos: São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. De São Paulo sob a extrema direita de Tarcísio à Bahia do petista Jerônimo Rodrigues, a repressão estatal racista se mostra mais uma vez como um mecanismo indispensável da “democracia brasileira”, para garantir os interesses das classes dominantes, impulsionado por todos os problemas estruturais deste capitalismo que significam miséria e exploração na cidade e no campo.

Poucos dias depois de encontrar-se com Haddad para mais negociatas em torno da gestão capitalista, o privatista de extrema direita, Tarcísio, mostrou novamente suas credenciais reacionárias, seguindo a tradição tucana, de Serra e Alckmin, no Estado de São Paulo. Após a morte de um policial, a polícia paulista cometeu uma chacina histórica, ao executar 16 pessoas no Guarujá, litoral paulista. Tarcísio, a quem a frente ampla tem feito distintas sinalizações, fez questão de elogiar a ação, dizendo que não havia excessos e que a matança seria um “efeito colateral”, já que seria uma ação que teve como alvo “criminosos”. Claro, o chefe das polícias de São Paulo, indicado ao cargo por Eduardo Bolsonaro, o secretário Guilherme Derrite, que acompanhava pessoalmente a operação policial no Guarujá, tem como credencial o feito de ter sido retirado da Rota (conhecida como a PM “de elite” paulista) em razão do número de pessoas mortas em serviço. Ele mesmo se orgulha em vídeo que o fato é que “matou muito ladrão”. Enquanto isso, moradores do Guarujá recolhiam munições das ruas, relatando que a Ronda Ostensiva Municipal (Romu) passava atirando em seus bairros, e os familiares das vítimas denunciavam execuções sumárias e métodos de tortura policial. Os Boletins de Ocorrência, seguindo a lógica dos supostos “autos de resistência”, alegam legítima defesa, provocada a partir de “injusta agressão” e curiosamente contam somente com depoimentos dos policiais. Evandro Belém, uma das vítimas da chacina, foi morto trabalhando com entulho e teve socorro negado, segundo seus familiares, mas consta como ter atirado nos policiais na ocorrência.

Já no Rio de Janeiro, Cláudio Castro também seguiu o mesmo impulso assassino, com sua polícia ceifando a vida de outros 10, no Complexo da Penha. Este complexo, que reúne 13 favelas onde vivem mais de 79 mil moradores, registra sete das dez maiores chacinas do Rio de Janeiro dos últimos anos, segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado. Na Bahia, Jerônimo Rodrigues, como parte da tradição petista que governa o Estado desde 2007, seguiu também a cartilha herdada dos tempos de Brasil escravagista, sua polícia assassinou 29 pessoas e outras dezenas de feridos. Apenas entre os dias 3 e 4 de Agosto, 5 pessoas foram mortas durante operação policial no bairro do IAPI e 5 pessoas no bairro de Águas Claras. Assim, são ao menos 56 pessoas mortas nos últimos dias pelas mãos da violência policial em apenas três estados brasileiros.

Não há coincidência em tal sequência de eventos. Se ocorreram no mesmo período, também atingem o mesmo setor da sociedade brasileira: negros, jovens e trabalhadores precários. De um lado, diante deles avançam cortes na saúde e educação e um novo teto de gastos (arcabouço fiscal) que busca manter intocados os lucros dos especuladores e banqueiros, da mesma forma que a reforma tributária. Por outro lado, o terrorismo estatal busca reproduzir a ordem e disciplina social necessárias para a manutenção da paz social no capitalismo brasileiro. Na fração mais ultra explorada da classe operária brasileira, composta majoritarimamente pelo povo negro, a deterioração das condições de vida e trabalho, além da falta de perspectiva com algum futuro, é gerida também em base à coerção violenta, sendo a chacina um dos métodos para realizar tal objetivo. Esse traço do regime político se aprofundou nos anos de governo Bolsonaro, tendo como uma das bases sociais da extrema direita as forças repressivas do Estado. De Genivaldo, sufocado no porta-malas da Polícia Rodoviária, e Evaldo Rosa com seu carro alvejado por 82 tiros, às chacina de Jacarezinho e massacre de Paraisópolis, são alguns dos símbolos do Brasil sob a extrema direita.

Ainda assim, em 2015, Alexandre de Moraes era secretário de segurança pública do então governador Geraldo Alckmin - que foi parte da gestão que promoveu o maior massacre da história do estado de São Paulo. Naquele ano ocorreram chacinas em Osasco e Barueri, com 18 executados, após a morte de um PM e um guarda civil. Tal fato histórico diz muito sobre a frente ampla que se conformou no Brasil durante as eleições de 2022. Diz, também, sobre o discurso demagógico em “defesa da democracia” contra o bolsonarismo. “Democracia” na boca de neoliberais significa estabilidade na competição capitalista entre as frações dominantes burguesas, contra a classe trabalhadoras, e faz parte dessa “defesa das instituições” - do Estado burguês e todos os seus poderes - a repressão sistemática ao povo negro, incluindo chacinas. Pelo uso diário e intenso da violência em defesa da ordem social de exploração e opressão estão em acordo prático e de princípio com a extrema-direita. Eis a faceta do regime democrático brasileiro.

Hoje, Alckmin é vice de Lula, enquanto Alexandre de Moraes é aclamado pelo petismo e por setores da frente ampla não apenas mais como o grande patrono da democracia brasileira, mas agora como um suposto defensor da juventude negra pelo voto na liberação de mais gramas no porte legal de maconha. Enquanto o regime político relocalizou suas peças de poder nos últimos anos, fazendo de antigos adversários grandes aliados, a juventude negra e trabalhadora segue localizada no mesmo ponto nevrálgico de tensão social entre a exploradores e explorados, onde o racismo se expressa da forma mais crua de violência. Reprimir para colocar os oprimidos em seu devido lugar, assegurar a estabilidade social e econômica: eis um dos traços fundamentais do Estado burguês que a política de conciliação de classes sempre continuará a reproduzir.

A Bahia governada pelo PT, campeã em violência policial: a conciliação de classes fortalece as bases da repressão estatal e da extrema direita

O PT governa o estado da Bahia desde 2007 e é atualmente governado por Jerônimo Rodrigues. Vemos que na prática os governos sob a bandeira petista tem o mesmo modus operandi de governadores bolsonaristas. Se na barbárie da chacina de Salvador e Camaçari desta semana o número de mortos chega a 30 (enquanto fechamos este texto os números iam aumentando), é a Bahia que hoje é o estado líder nacional em números absolutos de mortos pela polícia, chegando a 1464 mortos pela polícia em 2022. É lá também que a Secretaria de Segurança Pública do estado faz questão de se assemelhar ainda mais à casta bolsonarista, com uma nota que dizia que os mortos contabilizados pelo Fórum de Segurança Pública eram "homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos", um discurso abertamente reacionário e racista. Ou seja, a Bahia então governada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, passou a ser o estado recordista em mortes por violência policial, concentrando 23% ou cerca de 1 a cada 4 mortes “decorrentes da intervenção policial” no país - enquanto o Rio de Janeiro de Cláudio Castro ficou em segundo lugar, com 1330 mortes. Vale lembrar que, em 2015, diante da chacina no bairro Cabula, que resultou em 12 mortos na Bahia, Rui Costa havia comparado os policiais a “artilheiros” prestes a fazer gol e dito que nenhum PM envolvido na ação seria afastado, já que não havia “indícios” de atuação fora da lei nesse caso. Em suas palavras, "nós defendemos, assim como um bom artilheiro, acertar mais do que errar. E vocês terão sempre um governador disposto a não medir esforços, a defender desde o praça ao oficial, a todos que agirem com a energia necessária, mas dentro da lei", aplaudido por dezenas de policiais.

Ao mesmo tempo em que a Bahia incrementa sua letalidade policial, em um estudo do Intercept, Paulo Nascimento descreve como o dinheiro gasto por ano com tecnologia de reconhecimento facial para repressão no estado com maior composição negra do país, poderia custear um hospital de referência por 32 anos e 1,5 mil ambulâncias. O aprofundamento da vigilância tem sido a principal medida de “segurança pública” (repressão) do estado, na qual cada prisão feita a partir dessa tecnologia na Bahia custou, em média, R$ 875 mil. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, 760 pessoas foram presas a partir disso, enquanto há uma evidente relação entre esse tipo de medida e o racismo. Em 2019, mais de 97% das pessoas presas em flagrante na Bahia eram negras. Esse investimento atual se soma ao aprofundamento do controle contra a população negra. Essa é a “inteligência policial” defendida por Jerônimo Rodrigues, diante das chacinas policiais.

Se hoje observamos mandatários petistas que em muito se assemelham ao bolsonarismo em suas práticas e ações, é importante observar o histórico que a conciliação petista imprimiu pelo país que desembocou em diversas facetas de aumento de violência para as populações negras e pobres. O pacto de transição “lenta, gradual e pacífica” do regime militar para o regime de 88, na medida em que permitiu a impunidade dos assassinos e torturadores da ditadura, contribuiu para preservar as instituições repressivas que se forjaram durante os “anos de chumbo”, dentre as quais se destacam a própria Polícia Militar e os “grupos de extermínio” montados para reprimir o movimento operário, os pobres e os negros nas favelas. Grupos esses que perduraram através das milícias e bandos armados para-estatais e do ocultamento da violência policial por trás dos supostos “autos de resistência”; ou que se transformaram em “heróis” através dos “batalhões especiais” como o BOPE no Rio de Janeiro. Nos governo do PT, as UPPs (Unidades da Polícia Pacificadora) do RJ (mas também testadas em Salvador) e o salto no encarceramento em massa da juventude negra, além do fortalecimento de figuras reacionárias das Forças Armadas, como Augusto Heleno, responsável pela racista ocupação brasileira do Haiti, são uma expressão de como a conciliação de classes petista fortaleceu as bases das forças repressivas do Estado e nesse sentido a base social da extrema direita.

A falsa “guerra às drogas” neste cenário

É sob a bandeira da “guerra às drogas” que estas milhares de prisões ocorrem, com um Judiciário que mantém cerca de 35% dos presos sem julgamento no país. Esta política burguesa foi pensada cientificamente como estratégia de perseguição, cerceamento, aprisionamento das populações negras e pobres. Alimentando o poder das polícias, também fortalecendo o narcotráfico, o poder paralelo das milícias e grupos de extermínio. Não à toa que a cada dia vemos diariamente o crescimento destes grupos, que se espraiam pelas periferias e favelas do país, se aproveitando da lacuna de aparato público proposital do estado burguês para estabelecer seu poder. Estes grupos, numa visão a partir do conceito de Gramsci, são o Estado Ampliado. Um poder estabelecido que junto dos braços armados do estado são úteis para manutenção do estado burguês, pelo seu poder de cercear, oprimir e perseguir tanto quanto os policiais e servem bem a este papel.

O Brasil foi um dos países pioneiros no mundo na criminalização da maconha, um histórico que está intrinsecamente ligado ao processo de escravização e racismo que são as bases para a construção do capitalismo brasileiro. Caminhou junto da proibição de elementos da cultura negra, como a capoeira, o samba e o jongo. Esta perseguição ao consumo de drogas institucionalizado e usado de forma racista e de controle social foi se aprimorando ao longo das décadas.

No primeiro mandato do Governo Lula se aprovou e implementou a Lei 11.343, de 2006, a chamada Lei de Drogas. Essa lei na prática deixou a carga de policiais e juizes racistas a distinção de usuários e “traficantes”, onde qualquer argumento policial era aceito para a condenação de jovens negros. O número de presos no Brasil dobrou após a promulgação desta lei. A população incriminada por tráfico saltou de pouco mais de 20 mil para mais de 140 mil presos após 2006. Esse número também é um legado da conciliação de classes petista para a classe trabalhadora brasileira.

Um programa contra o Estado capitalista e suas instituições de repressão: justiça por todas vítimas da chacinas policiais

Nesse cenário, a luta pela legalização de todas as drogas, com a produção, fiscalização, controle de qualidade e distribuição estatizadas sob gestão operária e controle popular, para enfrentar a repressão e o tráfico, é uma medida elementar, que só pode ser arrancada sem nenhuma confiança nas instituições do Estado capitalista, como o STF. Teria de vir acompanhada de medidas socioeducativas com acesso a saúde plena, para sanar parte deste problema que tem grande centralidade para os pretos e pobres do país e na luta pelo direito ao próprio corpo. Isto posto seria capaz de realizar um desencarceramento em massa de milhares de pessoas incriminadas sob os mais absurdos argumentos.

Além disso, é preciso organizar uma luta decidida e direta por justiça para todas as vítimas da violência estatal racista e das chacinas policiaia, sem nenhuma confiança no Judiciário, com júris populares, junto aos sindicatos e organizações do movimento de massas. É preciso impor pela luta que se investiguem os responsáveis pelas chacinas, com uma comissão independente composta por movimentos que lutam por justiça às vítimas policiais e sindicatos, e com responsabilização do alto mando das polícias. É preciso lutar pelo fim dos autos de resistência e de toda licença para matar das polícias, assim como pelo fim da Justiça Militar das operações policiais, como é a Operação Escudo em São Paulo.

A conciliação de classes petista está a serviço de abrir espaço e fortalecer a extrema direita e repressão, enquanto segue administrando o Estado capitalista com ataques como o Arcabouço Fiscal. Por isso, é preciso lutar por um caminho independente dos governos e instituições, unindo as demandas do povo negro a toda classe trabalhadora.

A luta para acabar com a violência policial é também parte da luta para acabar com o capitalismo. A polícia enquanto instituição é inimiga irreconciliável da classe trabalhadora. Se quisermos destruir as forças de repressão que matam crianças, prendem pessoas nas celas, espalham miséria e sufocam os esforços para melhorar as condições materiais da sociedade como um todo, nossa luta precisa ser direcionada ao sistema que se baseia nessa repressão e a mantém.


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Mateus Castor

Cientista Social (USP), professor e estudante de História

Samyr Rangel

Professor de Geografia no Rio de Janeiro
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