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Peru: um debate de estratégia com a esquerda brasileira e a consigna de “eleições gerais”

Noah Brandsch

Peru: um debate de estratégia com a esquerda brasileira e a consigna de “eleições gerais”

Noah Brandsch

O Peru é palco de intensas mobilizações nos últimos meses contra o governo golpista e assassino de Dina Boluarte. Nesse contexto, setores da esquerda brasileira tem levantado a consigna de "eleições gerais" e "assembleia constituinte" para o Peru, como o PSTU, MES e PCB. No seguinte artigo fazemos um debate com essa consigna retomando o papel das consignas transitórias e democrático radicais de Trotski.

Há mais de dois meses a população peruana, em especial os camponeses e indígenas (e nesta última greve geral do dia 9/2 entrou mais em cena a classe operária), vêm se manifestando contra o regime golpista de Dina Boluarte, cuja repressão já deixou mais de 60 mortos (até onde se sabe) e milhares de feridos. As demandas imediatas da população são a renúncia de Dina e a dissolução do Congresso golpista, entretanto, são muito mais profundas, e contestam as décadas de neoliberalismo e as bases do regime fujimorista de 1993, que destruiu os serviços públicos, precarizou a vida da população e colocou as riquezas nacionais ainda mais nos bolsos dos capitalistas e multinacionais estrangeiras. Os protestos se dirigem contra as bases do capitalismo dependente peruano, pautado na exportação de minério, e contra o Estado com uma casta de corruptos e parasitas que são expressão da burguesia peruana subserviente ao imperialismo.

Entretanto, apesar da força dos protestos, porque Dina Boluarte ainda não caiu? Aqui elencamos alguns elementos para pensar sobre.

Essa mobilização no Peru se insere em um contexto de crise internacional, iniciada em 2008 com a crise dos Lehman Brothers que abalou o mundo inteiro. A partir deste momento, se abriram diversos processos da luta de classes: um primeiro ciclo que abarcou a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha até Junho de 2013 no Brasil; outro que passou pelos Coletes Amarelos na França, a Rebelião Chilena e uma série de protestos principalmente na América Latina. E agora, nos últimos anos agravados pela crise da pandemia e também pela Guerra na Ucrânia, vimos uma série de protestos, desde o Black Lives Matter até mobilizações no Sudão, Sri Lanka, Colômbia, Irã e agora no Peru.

Entretanto, um elemento comum a todas essas mobilizações é que foram processos muito intensos, alguns questionando as bases dos regimes vigentes, mas que não passaram de mobilizações, ou seja, não se transformaram em revoluções. A partir daí, se depreende uma série de debates estratégicos sobre o porquê desses processos terem estremecido os regimes e as bases capitalistas, mas no final acabaram por rearticular uma forma da dominação burguesa. Como diz Trotski, a vitória é uma tarefa estratégica, e para isso depende de uma direção política, ou seja, um partido que leve à frente um programa e uma estratégia que influa nas mobilizações e dê a possibilidade de uma ruptura com o capitalismo e a formação de uma sociedade em novas bases. Nesse caso, a tática e as consignas levantadas durante os processos de luta de classes devem estar ligadas à estratégia pela tomada do poder. No marxismo revolucionário, ou seja, no trotskismo, as consignas transitórias (condensadas por Trotski no Programa de Transição) são a expressão programática da estratégia da Revolução Permanente, com o proletariado tomando o poder e cumprindo todas as demandas dos camponeses e setores oprimidos. Tais consignas são a ponte das reivindicações atuais das massas orientando à tomada do poder sob direção da classe operária, ou seja: a realização das tarefas e demandas democráticas da revolução só podem ser concluídas a partir da ditadura do proletariado. Nessa teoria-programa, as consignas são as táticas pela qual os revolucionários intervêm na realidade, com a perspectiva da tomada do poder.

Neste artigo, nos deteremos a debater com a consigna por “eleições gerais”, levantada em alguns momentos por correntes morenistas como o MES (Movimento Esquerda Socialista, parte do PSOL) e o PSTU (pertencente à LIT, Liga Internacional de Trabalhadores), e a razão pela qual ela não cumpre o papel de avançar na consciência e na organização dos trabalhadores rumo à uma ruptura com o capitalismo; pelo contrário, reforça ilusões na democracia burguesa e no Estado burguês.

Sobre a consigna de “eleições livres” e a contestação ao Estado

O Estado é a instituição de dominação de uma classe sobre a outra. Como retoma Lenin em “O Estado e a Revolução”: “O Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da “ordem” que legaliza e consolida essa opressão, moderando o conflito das classes”. [1] Portanto, todas as leis, normas etc. são a expressão disso, e também expressam, em certa medida, a correlação de forças constituída pela burguesia sobre o proletariado e sobre outras frações da mesma. Nesse sentido, a velha, podre e até hoje vigente Constituição peruana de 1993, do regime ditatorial de Fujimori, que avançou com o neoliberalismo, privatizações e a venda das riquezas do Peru para o capital estrangeiro, é a forma pela qual a burguesia peruana impôs sua dominação à classe trabalhadora nas últimas décadas.

As massas no Peru clamam por uma nova Assembléia Constituinte. Isso é expressão do rechaço às décadas de neoliberalismo e da Constituinte legada da ditadura militar. Todavia, expressa uma contestação mais de fundo: contesta o conjunto do regime peruano, podendo se desenvolver para uma contestação à forma de dominação da burguesia, e cada vez mais as suas bases econômicas e a dominação do imperialismo. É uma crise em que frações da burguesia disputam, com a dominação burguesa extremamente contestada, em que a classe trabalhadora pode surgir como um sujeito independente capaz de dirigir um processo de ruptura com o capitalismo. Para isso, é necessário quebrar todas as ilusões da classe trabalhadora, dos camponeses e de todos os setores oprimidos na já em crise dominação burguesa, ou seja, no Estado e em todas as suas instituições.

Evidentemente, as eleições para legislativo e executivo são parte das liberdades democráticas da democracia burguesa e devem ser defendidas contra as medidas de bonapartismo e autoritarismo por parte da própria burguesia. Se defende essas liberdades através dos métodos próprios da classe trabalhadora. Trotski e Gramsci fazem um debate sobre a posição defensiva dos trabalhadores contra um ataque da burguesia, com a formação de uma Frente Única Operária (FUO) unificando a classe para enfrentar o avanço do bonapartismo da burguesia; da mesma forma, com a FUO sendo um embrião para passar à ofensiva, com o avanço dos trabalhadores sobre a burguesia, rumo à greve geral insurrecional e tomada do poder. [2] Ou seja, a defesa das liberdades democráticas está ligada a uma estratégia geral de avançar para a tomada do poder.

O que significa, portanto, a consigna de “eleições gerais”? Ela significa exigir com que o regime e a burguesia reajuste sua dominação enquanto classe, com mudanças institucionais, assimilando essa demanda e elegendo um novo representante para gerir o Estado burguês. Seria, diretamente um desvio de toda a mobilização e a contestação ao regime (que tem a possibilidade de se converter em uma contestação aberta aos pilares econômicos da dominação burguesa/do capitalismo), a fim de relegitimar a forma de dominação da burguesia.

É como se, em uma empresa, os trabalhadores (explorados pelo patrão, como em qualquer empresa no capitalismo, pois essa é a lógica de seu funcionamento) tivessem se auto-organizado contra um chefe que humilha os funcionários e é rechaçado por todos, pois muitas vezes essa é uma via necessária para combater a contestação à própria exploração. E ao invés de tomarem o controle da produção a fim de mudar as relações e as hierarquias, sem ter que se submeter mais a nenhum chefe e libertando também as amarras da exploração, apenas mudassem o chefe, ainda que um pouco mais “democrático”, não só mantendo o patrão e a exploração, mas postergando para um futuro indeterminado a possibilidade de dar um real combate à opressão e à exploração. Nesse caso ainda, como a humilhação do chefe é consequência direta da necessidade de manter a exploração, a frustração dos trabalhadores em mudar o chefe, mas não a exploração que sentem sobre si, poderia acarretar em uma facilidade para o patrão em determinado momento colocar outro chefe que passe a diretamente humilhar os trabalhadores.

No caso do Peru, o Congresso já votou contra o adiantamento das eleições gerais. Ou seja, ainda assim, o “patrão” mantém seu chefe repressor para garantir seus interesses de classe. Levantar a consigna de “eleições gerais” não passa de uma política de seguir a sombra da burguesia, pois ela mesma já mostrou, por ora, que sua política é diretamente reprimir os protestos através da polícia e caluniá-los através da grande mídia (como ficou nítido quando chamam os manifestantes de “terroristas” ou a população indígena e da região sul como “não peruanos” ou “não civilizados”). Do mesmo modo, a própria burguesia faz uma demagogia constante através da imprensa em relação ao adiantamento ou não das eleições, buscando desgastar os protestos por um lado, e buscando testar a construção uma alternativa que desvie o processo e garanta a sua dominação e todas as reformas neoliberais do último período. Ou seja, ainda assim, não é descartada a possibilidade de que a burguesia, em determinado momento, opte por tentar desviar a mobilização para alguma forma que a relegitime perante os olhos das massas.

Pode interessar: A greve do dia 9 contra o governo golpista no Peru e os limites da CGTP

No Chile vimos um exemplo parecido disso, quando em 2019 houve uma gigantesca rebelião clamando por uma nova Constituinte, contra a antiga herdada da ditadura de Pinochet. A política da burguesia, além de reprimir as alas mais radicalizadas, estava combinada (obviamente pela pressão das massas e da classe trabalhadora) à convocação de uma Nova Assembleia Constituinte, pactuada ao máximo pelas instituições do Estado. Essa política foi levada à frente, com praticamente todas as alas da esquerda apoiando, e com o refluxo da rebelião, sendo Gabriel Boric (atual presidente chileno), junto à burocraia sindical da CUT dirigida pelo Partido Comunista, parte central para o desvio da rebelião, inclusive assinando o “acordo de paz”, e canalizando todo o descontestamento popular para dentro das instituições. A força da extrema direita nas eleições presidenciais logo em seguida (com quase 45% dos votos no 2° turno), em 2021, já indicava o refluxo da mobilização e de seu desvio. Ainda assim, a vitória eleitoral de Boric contra o candidato da extrema direita Kast foi expressão dessa correlação de forças que a rebelião impôs, e se mostrou de forma distorcida nas eleições.

Apesar da expectativa de resolver as demandas de 2019 pelo novo governo “herdeiro” da rebelião, ele não as resolveu, pelo contrário, se ajustou mais ainda à burguesia e ao FMI. Por exemplo, militarizou as regiões das comunidades indígenas Mapuche, garantiu a não liberdade dos presos políticos da rebelião, não expropriou as minas de cobre (e quando os mineiros fizeram greve no início de seu governo, os reprimiu). Além de tudo, a nova Constituinte, pactuada e tutelada pelas Forças Armadas e pelo Estado, foi rechaçada quando colocada em votação por um plebiscito.

Naquele contexto, nós do PTR (Partido de Trabajadores Revolucionarios, partido irmão do MRT no Chile), levantamos a consigna de Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que será explicada mais adiante, justamente nos opondo ao desvio do “Acordo de Paz” e da “Convenção Constituinte” que levou à sobrevivência da ordem burguesa.

O PSTU (e sua sessão chilena, o MIT), com o qual debatemos nesse artigo, por outro lado, teve uma política oportunista de apoiar cegamente o desvio da rebelião. Aqui debatemos com sua posição no Chile.

Para saber mais sobre o processo da Constituinte chilena: Revolta e revolução no Chile. Um balanço sobre o triunfo do Rechaço à nova Constituição

A experiência no Chile nos mostra, ou pelo deveria mostrar para a esquerda, como a própria burguesia cria mecanismos de se relegitimar perante as massas, reafirmando sua dominação, mesmo em uma correlação de forças em que a classe trabalhadora esteja contestando o conjunto do regime. Não ser a “ala esquerda” dessas armadilhas da burguesia é fundamental para uma perspectiva estratégica de revolução, ruptura com o capitalismo, e sobretudo, fazer com que se cumpram as demandas mais sentidas da classe trabalhadora e dos setores oprimidos que se rebelam contra as consequência direta do capitalismo e do imperialismo.

A consigna de Assembleia Constituinte Livre e Soberana

Como já colocado, as táticas de intervenções na luta de classes devem estar ligadas à uma estratégia de quebrar as ilusões da classe trabalhadora no Estado burguês e chegar à conclusão da tomada do poder e de um governo operário em ruptura com o capitalismo. Esse é o papel das consignas transitórias, que Trotski desenvolve no Programa de Transição. E também, como já colocado, a consigna de “eleições gerais” vai na contramão disso.

Um debate que já vem de tempos com setores da esquerda e a nossa corrente internacional (Fração Trotskista pela Quarta Internacional, FT-QI) é em relação à consigna da Assembleia Constituinte Livre e Soberana (ACLS). Ela faz parte dessas consignas transitórias e democrático radicais. Ela é uma arma tática na batalha do proletariado contra a burguesia, ligada à estratégia; portanto, não é um fim em si mesmo.

Uma ACLS seria uma assembleia constituinte, livre porque qualquer um poderia se candidatar como deputado constituinte, em uma proporção X (por exemplo, 1 delegado para cada 50.000), e soberana por não estar submetida a nenhuma restrição dos poderes constituídos, ou seja, no Peru, ela nasceria sob a destruição de todas as instituições herdeira do fujimorismo e do regime de 1993. Essa Constituinte seria imposta mediante à luta, por meio das organizações operárias e camponesas (que até esse momento, serão provavelmente dirigidas por reformistas, como atualmente é no Peru). Em uma assembleia assim seriam pautadas as demandas mais sentidas da classe trabalhadora e da população; no caso do Peru, por exemplo, uma reforma agrária ampla e radical e a nacionalização das minas sob controle operário. Essa assembleia tem o objetivo de pressionar a democracia burguesa até sua máxima radicalidade, mas ainda nos marcos do Estado burguês, fazendo com que as massas tenham sua experiência mais desenvolvida tanto com o Estado burguês quanto com suas próprias direções reformistas.

Certamente, isso seria uma imposição da classe trabalhadora com seus próprios métodos de luta, e que geraria uma reação burguesa, inclusive militar, o que obrigaria os trabalhadores a darem cada vez mais saltos na sua auto organização, quebrando as ilusões e expectativas com o Estado burguês, possibilitando que chegassem unicamente à conclusão: para resolvermos as demandas que precisamos, a única saída é a tomada do poder.

Objetivamente: a ACLS tem como objetivo impulsionar a auto organização da classe trabalhadora, por meio de uma Frente Única Defensiva que unifique a base dos trabalhadores, e leve a quebra das ilusões da classe em suas direções reformistas e no Estado burguês para chegar a conclusão da necessidade da tomada do poder.

Na Revolução Russa, os bolcheviques se utilizaram dessa tática, quebrando as ilusões das massas no Governo Provisório de Kerensky, ganhando a direção dos sovietes e tomando o poder em outubro de 1917, dando início à ditadura do proletariado, planificação da economia e resolução das principais demandas de pão, paz e terra.

Para saber mais: Como a defesa de uma Assembleia Constituinte foi parte da preparação da Revolução Russa pelos bolcheviques?

Por este motivo, nossos camaradas da Corriente Socialista de las y los Trabajadores (CST) no Peru, em suas intervenções nesse processo de mobilização contra Dina, agitam essa consigna, defendendo a necessidade de impor por um governo provisório de organizações operárias e camponesas.

Um debate com a esquerda, em especial o morenismo

Como já falado, seja em declarações partidárias, análises ou intervenções públicas, tanto o PSTU/LIT quanto o MES chegaram a levantar a consigna de eleições livres, ainda que ora sim ora não esteja atrelada de Assembleia Constituinte, e mais recentemente, à de Assembleia Constituinte Livre e Soberana (aqui PSTU e aqui MES).

Partimos de ter acordo com a consigna de Assembleia Constituinte Livre e Soberana, a qual nossos camaradas da CST no Peru também levantam, como já colocado. Entretanto, ela deve estar a serviço de quebrar as ilusões das massas e da classe trabalhadora no Estado, e não como um fim em si mesmo. Nesse sentido, ela é antagônica à consigna de “eleições gerais”: a primeira busca minar as ilusões da classe na burguesia e no Estado, a segunda as reforça.

Por qual razão, então, os companheiros ora levantavam “eleições gerais” (como levantou o PSTU em 2016, junto ao “fora todos”, se alinhando à direita golpista) e depois “assembleia constituinte” ou até “assembleia constituinte livre e soberana”, e ora mesclam as duas consignas? A não ser que tenham feito um balanço de que a primeira consigna representa um reforço nas ilusões com o Estado, o que acho difícil, pois não declararam nada nesse sentido, isso apenas leva à conclusão de que não compreendem o papel das consignas transitórias e democrático radicais, e tomam a assembleia constituinte como um fim em si mesmo.

Esse problema está diretamente ligado à tradição morenista destas organizações (da qual nós somos ruptura), de revisar diretamente a estratégia da revolução permanente e, consequentemente, o Programa de Transição, levando à teoria da “revolução democrática” de Moreno. Talvez dois trechos que sejam mais elucidativos para entendermos a questão sejam o seguinte:

“...Hoje temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário quem dirija o processo da revolução democrática em direção à revolução socialista” [3]

e ao definir as revoluções democráticas:

uma revolução no regime político: destruir o fascismo para reconquistar as liberdades democráticas da democracia burguesa, mesmo que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, ou seja, do Estado burguês.” [4]

Essas revisões de Moreno levam à conclusão de que não é necessário um partido revolucionário, com uma estratégia revolucionária, para a tomada do poder, já que essas mobilizações seriam parte das “revoluções democráticas” em conjunto com setores da burguesia e dentro do regime burguês, seriam "ante salas" da revolução socialista. Dessa forma, se adaptam às direções do momento, ora “eleições gerais”, ora “assembleia constituinte”, em nome da “revolução democrática”.

Para um debate mais profundo com o morenismo: Polémica con la LIT y el legado de Nahuel Moreno

Também foi divulgado em diversas mídias de esquerda (e algumas da burguesia) não só o apoio do governo Lula-Alckmin ao golpe de Dina, mas diretamente a venda de armas “não letais” para a repressão no Peru através da empresa Condor. Pelo próprio peso que o Brasil e o novo governo vem tendo no cenário internacional, o apoio de Lula é fundamental para a sustentação do golpe (não à toa a burguesia peruana segue tão intransigente em relação às demandas, respondendo apenas com pura repressão, pois sabem que tanto o imperialismo ianque quanto Lula estão bancando o golpe). Dessa forma, é mais que fundamental exigir que o governo brasileiro rompa suas relações com o golpista governo peruano; neste ponto, nos somamos à todas as organizações que fazem tal exigência, incluindo o MES e PSTU, que estiveram nos atos chamado pela comunidade peruana em apoio aos protestos e contra essa política externa do governo brasileiro.

Pelo caráter internacional do capitalismo e da classe trabalhadora, a luta do povo peruano, caso saia vitoriosa, impacta na correlação de forças da classe trabalhadores em toda a América Latina, inclusive no Brasil. Também por esse aspecto internacional, a estratégia de um partido revolucionário deve ser pensada internacionalmente. Fortalecer a luta da classe trabalhadora aqui fortalece a da peruana, e vice-versa. Nesse sentido, é contraditório que o MES, apesar de se colocar pela ruptura das relações do governo brasileiro com o de Dina, siga construindo um partido que não só é base do governo, mas que está diretamente o compondo.

Outro setor da considerada “esquerda radical” são os stalinistas (por suas origens históricas e bases estratégicas e teóricas, que se expressam em sua política cotidiana), a UP (Unidade Popular pelo Socialismo) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro). O primeiro, de legado hoxhaista, não comentou absolutamente nada sobre as manifestações peruanas, sobre o golpe que deixou mais de 60 mortos, e muito menos sobre a posição criminosa que está tendo o governo brasileiro; bem como não foram em nenhuma manifestação chamada pela comunidade peruana, e recentemente foi diretamente contra uma moção de apoio e solidariedade à luta do povo peruano em uma reunião do 8M em Campinas.

Já o segundo soltou uma nota de solidariedade através de sua corrente sindical Unidade Classista, também realizando a confusão (talvez uma confusão consciente) de chamar “nova constituinte” e “eleições gerais”; não colocando nada sobre o papel de desmobilização que vem cumprindo a CGTP, que inicialmente se colocava contra as manifestações camponesas e indígenas, e conforme foi sendo pressionada, buscava greves separadas e fragmentadas, não unificando as categorias de operários com os camponeses e indígenas, além de buscar um acordo do tipo “constituinte chilena”, pactuando com os militares e o Congresso golpista. Talvez não denunciem por conta do próprio Partido Comunista Peruano ser direção da CGTP e levar essa política a frente. Além disso, também não foram nos atos chamados pela comunidade peruana.

Essa política não internacionalista vinda do stalinismo, entretanto, não surpreende, visto a sua trajetória de traições à revoluções no mundo inteiro para preservar o “socialismo em um só país”. Ainda assim, fazemos um chamado a que os companheiros tomem uma posição frente aos acontecimentos e se somem às mobilizações em apoio à luta do povo peruano.

A intervenção dos revolucionários na luta de classes para não deixar que todas as revoltas contra o capitalismo e seus governos sejam apenas revoltas, depende de uma tarefa estratégica de um partido que acumule as lições do passado a fim de vencer e tomar o poder. Para isso, o marxismo revolucionário, ou seja, o trotskismo principista, é a melhor ferramenta. Nessa intervenção, as consignas transitórias e democrático radicais têm um papel fundamental. Isso é parte do que buscamos construir por nossa organização internacional, a FT-QI, e para isso que estamos intervindo com a CST no Peru e com delegações internacionais vindas do MRT (Brasil), PTS (Argentina), PTR (Chile) e LOR-QI (Bolívia), para que seja um embrião de um partido revolucionário mundial capaz de intervir em todos os processos pela tomada do poder, e rumo a uma sociedade sem classes, opressão e exploração. Chamamos todos a fazerem esses debates fundamentais nesse momento e a construir essa alternativa.


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FOOTNOTES

[1LENIN, V. Ilitch. O Estado e a Revolução. BOITEMPO. p. 29

[2Para saber mais, veja “ALBAMONTE, Emílio; MAIELLO, Matías. Estratégia socialista e arte militar. Capítulo 4 - Sobre a defesa. Edições Iskra, janeiro de 2020.

[3Nahuel Moreno, “Escuela de quadros” - Argentina, 1984. Crítica a las tesis de la Revolución Permanente, pág. 39

[4Nahuel Moreno, “As revoluções do Século XX” - Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann.
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Noah Brandsch

Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
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