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Arcabouço Fiscal | Os debates sobre a meta fiscal tentam esconder que o verdadeiro problema é o Arcabouço e a dívida pública

A meta de resultado primário voltou a gerar debates desde que o presidente Lula criticou o déficit zero definido pelo próprio governo. Por trás desse debate, o que se coloca é que o Novo Arcabouço Fiscal, independente da meta, irá impedir o crescimento necessário dos investimentos federais nas áreas sociais e nos serviços públicos

quinta-feira 9 de novembro de 2023 | Edição do dia
Lula e Haddad entregando o projeto do Novo Arcabouço Fiscal para Lira. (Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)

A meta fiscal do governo voltou a ser assunto de intenso debates nas últimas semanas, desde que Lula deu uma declaração a jornalistas se opondo à meta definida pelo próprio governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado ao Congresso, de zerar o déficit fiscal. O presidente disse que não seria um problema um déficit primário de 0,25% ou 0,5% do PIB.

Frente a declaração, surgiram inúmeras colunas e declarações de economistas na grande mídia afirmando sobre o quão irresponsável seria alterar a meta fiscal, que isso iria minar a “credibilidade” do governo ou mesmo forçar o Banco Central a interromper a queda da taxa Selic. Arthur Lira disse que, caso a meta não fosse batida, o governo iria sofrer as consequências previstas no Novo Arcabouço Fiscal, enquanto Rodrigo Pacheco afirmou que o déficit zero deve ser perseguido.

O mercado financeiro, que reagiu mal à declaração de Lula, com queda da bolsa e subida do dólar, estima que o déficit primário de 2024 ficará entre 0,6% e 1,2% do PIB.

Essa discussão se coloca no marco de uma situação econômica ainda difícil e que traz “dificuldades orçamentárias”,e onde a política burguesa da Frente Ampla, que o levou Lula ao poder, exige que seus direitos sejam atendidos com prioridade, o que vem sendo feito, com a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal ou da Reforma Tributária.

A situação econômica melhor que as expectativas em 2023 não impediu que persista um pessimismo em relação à economia entre a população, como mostrou a última pesquisa do Datafolha. Da mesma maneira, as perspectivas econômicas para 2024 são de uma queda do crescimento, e a meta fiscal zero iria exigir um ajuste fiscal de peso para ser atingida.

Antes de tudo, porém, é preciso entender para que serve a meta de resultado primário. O resultado primário é a arrecadação do governo menos os gastos, excluídos os gastos com juros da dívida pública. Para melhorar o resultado primário, então, pode-se aumentar a arrecadação ou, o que é mais comum, cortar os gastos. Quando há superávit primário, como nos anos do primeiro governo Lula, este dinheiro que “sobra” é utilizado para o pagamento de juros. A discussão sobre déficit ou superávit gira, então, primordialmente em torno de quanto dinheiro irá sobrar para o pagamento da dívida pública, que enriquece banqueiros e controla o orçamento do governo federal.

O projeto do Novo Arcabouço Fiscal prevê avaliações bimestrais da situação orçamentária e, caso as previsões indiquem que o resultado primário ficará abaixo da meta (levando em conta a banda de 0,25% do PIB para cima ou para baixo) prevê bloqueios obrigatórios de gastos e, caso a meta não seja batida ao fim do ano, um teto menor de crescimento dos gastos públicos para o ano seguinte. Alterar a meta fiscal, para um déficit de 0,5% do PIB, significa abrir um espaço de cerca de R$ 50 bilhões no orçamento primário para o ano que vem.

O mais fundamental, porém, é ver quais são os impactos concretos do déficit zero para 2024, mas também do próprio Novo Arcabouço Fiscal. O primeiro deles é a possibilidade, já aventada pelo secretário do Tesouro, de acabar com os pisos constitucionais da Saúde e Educação, que são incompatíveis com a nova regra fiscal. Além disso, a meta fiscal para o ano que vem se baseia um cenário bastante otimista de aumento de um aumento de R$ 281,9 bilhões na arrecadação, que depende inclusive de medidas ainda não aprovadas no Congresso, e que, caso seja frustrado, significaria a necessidade de ainda mais cortes, que se soma aos gatilhos que são acionados caso a meta fiscal não seja cumprida: limite ainda menor para o crescimento dos gastos no ano seguinte e, caso a meta não seja atingida por dois anos, medidas draconianas de congelamento salarial dos servidores públicos e proibição de novos concursos.

Em uma nota técnica, os economistas Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor da Unicamp, David Deccacche, assessor da bancada do PSOL na Câmara, e Antônio José Alves Jr, professor da UFRRJ, traçam cenários para o próximo ano.

No cenário mais otimista projetado, onde não há frustração de despesas e a taxa de inflação utilizada para reajustar as despesas seja de 4,85%, apenas educação, saúde e seguridade social teriam espaço para um crescimento real. Todas as outras áreas teriam aumentos insuficientes para sequer repor a perda da inflação. Uma mera mudança do período utilizado para calcular a correção monetária poderia tornar impossível manter os pisos constitucionais da saúde e educação e ter um reajuste real no salário mínimo.

Além disso, caso as projeções de arrecadação sejam frustradas em mais de 1,43%, seriam necessários cortes de gastos adicionais para se atingir a banda inferior da meta de resultado primário, de -0,25% do PIB. Some-se a isso as avaliações bimestrais do orçamento que podem determinar bloqueios de gastos para perseguir a meta fiscal que, mesmo que possam ser revertidos com aumentos posteriores da arrecadação, podem causar graves danos aos serviços públicos enquanto estão em vigor.

O que fica claro, no entanto, é que independente da meta fiscal escolhida, o Novo Arcabouço Fiscal se configura na realidade como um novo teto de gastos, por meio do qual os grandes detentores da dívida pública podem controlar o orçamento, obrigando a que sejam feitos cortes e bloqueios de gastos nas áreas sociais e nos serviços públicos.

As disputas por um pouco mais de espaço no orçamento não devem esconder que, para que realmente se possa avançar no sentido de resolver os problemas dos trabalhadores e do povo pobre no Brasil, é preciso repudiar o Novo Arcabouço Fiscal e o pagamento da dívida pública, que é a raiz dessas medidas.




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