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Análise política | O “desabafo” inesperado de Cid embaralha as cartas sobre a prisão de Bolsonaro

Os áudios vazados do delator Coronel Cid abrem novas interrogantes sobre os rumos do destino de Bolsonaro e criam grande embaraço, para se dizer o mínimo, a Alexandre de Moraes.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

sábado 23 de março | Edição do dia

Já se tornou um lugar comum dizer que a política brasileira se assemelha a uma série com desdobramentos inesperados, e por vezes, que beiram o absurdo. Sendo concessivo com o clichê, mais um capítulo da emaranhada trama que não para de nos surpreender vieram a público.

Nos último dias, a revista Veja veiculou áudios com declarações do Coronel Cid, gravados supostamente por um “amigo” no qual o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em síntese, declara que foi coagido em sua delação, em narrativa montada pela PF e Alexandre de Moraes. Digno de série ruim, mas não menos inesperado.

Rapidamente, Moraes revogou a liberdade provisória de Cid e até um possível desmaio no momento da prisão foi veiculado na imprensa.

Cid poderia ser um cavalo de troia para tentar implodir a operação contra Bolsonaro? O suposto “amigo”, que curiosamente está tendo seu nome ocultado pela defesa de Cid, é um sabotador a mando de Bolsonaro? Cid, pressionado pelos generais bolsonaristas que estão com a corda no pescoço, teria entrado em um acordo de oferecer uma “narrativa” para Bolsonaro, diante de uma ameaça típica dos meios militares?

Após a repercussão do vazamento Cid foi convocado pelo STF e reafirmou toda a delação, e diz que não foi coagido por ninguém. No entanto, por ora nada é certo, e a única certeza é que tudo isso servirá de matéria prima para muita especulação e novas discussões sobre os “plot twists” da política nacional.

Contudo, factualmente, os áudios já tem uma consequência. Não há dúvida que esse episódio favorece a política bolsonarista de afirmar que seu capitão é vítima de um grande complô. Além disso, renova um figurino “outsider”, desbotado após um mandato completo, já que ele seria uma “vítima do sistema”.

Isso significa que toda a ofensiva jurídico-política, perpetrada pelo judiciário, se desvanece como o delator no momento de sua prisão? Não necessariamente. Ainda que Cid seja uma peça muito importante dessa arquitetura, ela não é a única.

Existem provas factuais de inúmeras ilegalidades, encontradas no próprio celular do ex-ajudante de ordens. A fraude da vacina, por exemplo, está documentada até mesmo no sistema de saúde. Ademais, testemunhas importantes, como Freire Gomes e Batista Jr., compõem os autos incriminatórios contra Bolsonaro.

No entanto, uma brecha foi aberta. Mesmo que Cid tenha agora dito que reafirma toda sua delação e que os áudios não passavam de um “desabafo”, está aberta uma brecha jurídica, e mais ainda, uma munição política, que diante de uma nova situação política pode virar uma grande fratura.

Há poucos dias, analistas políticos do mainstream como Merval Pereira e William Waack, declaravam que a prisão de Bolsonaro era uma questão de tempo. Ambos, com relações em diversos meios políticos, dificilmente repetiriam um prognóstico tão categórico.

Como mínimo, Bolsonaro ganhou - e ainda no dia do seu aniversário para turbinar as teorias da conspiração - munição para que, mesmo sob alguma forma de pena, mantenha uma localização de “vítima”.

O cálculo dos “vazadores”, seja lá quem eles sejam, pode ter sido o seguinte: implantar a bomba agora para que ela seja detonada mais à frente. A esperança para uma reviravolta na política estaria na eleição de Trump nos EUA, o que modificaria o tabuleiro político no mundo.

Acalentados por um novo chefe do imperialismo, e talvez aproveitando alguma dose de desgaste maior do governo Lula, alas mais próximas ao bolsonarismo no Congresso poderiam revigorar forças para anistiar os participantes e responsáveis dos reacionários atos do 8 de janeiro, favorecendo aqueles que parecem ser os mentores de tudo isso - o que inclui importantes generais como Braga Netto, Paulo Sérgio e Augusto Heleno.

Enquanto isso, a extrema-direita que poderia ser fiadora dessas movimentações está sendo não só preservada, mas também fortalecida pelo governo Lula. Tarcísio que tem um representante de seu partido figurando na esplanada dos ministérios e até palco com Lula dividiu, está se sentindo tão fortalecido que foi a Israel cumprimentar pessoalmente o genocida e assassino Netanyahu. E isso ocorre em em um momento no qual os EUA foram obrigados a pedir um cessar fogo diante da reação internacional contra os absurdos crimes de guerra.

Ao mesmo tempo, como em toda série, a existência de um personagem cômico é fundamental para contrastar com os momentos de tensão. A esse papel se propõe aquelas organizações de esquerda que apostaram que a ofensiva jurídica iria “desbolsonarizar” o Brasil. Parecem ter se esquecido da primeira temporada, quando judiciário e bolsonaristas estavam do mesmo lado da contenda.

O petismo comemora as “trapalhadas” de Cid disputando uma narrativa “linear” como se fosse a sucessão de prisões. Isso nada mais é que uma tentativa de emplacar uma versão própria, onde supostamente os bolsonaristas continuam se dando mal.

Enquanto isso, greves em toda a educação ocorrem no país inteiro, apesar das centrais sindicais dirigidas pelo PT. São processos de luta, que embora incipientes podem apontar o surgimento de um novo protagonista para enfrentar a extrema-direita e a conciliação de classes que abre caminho a ela. É nessa força que devemos apostar.




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