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Análise | Na festa do Arcabouço só não foram convidados os trabalhadores e os pobres

O dólar baixou, a Bolsa subiu e o chamado mercado está comemorando. O novo teto de gastos, agora com a chancela de Lula, foi definitivamente aprovado pelo legislativo. A quem favorece essa medida?

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

quarta-feira 23 de agosto de 2023 | Edição do dia

Assim que Dilma foi deposta pelo golpe institucional, Temer se apressou em mostrar suas credenciais. Do seu legado de ataques, um muito importante foi o teto de gastos. Ficava impedido qualquer aumento nos investimentos em saúde e educação nos próximos 20 anos, ajustada somente à inflação do período. Por isso foi chamado de PEC do fim do mundo.

Abstraindo as atuais condições da saúde e educação pública - que já exigiram um aumento expressivo de investimentos para alcançar padrões minimamente dignos - o teto do Temer era draconiano tal como a fuça de seu progenitor. Basta pensar que considerando apenas o aumento populacional a qualidade desses serviços cairia ainda mais.

E não é só isso. A pandemia mostrou que um teto tão engessado pode atrapalhar até mesmo os mecanismos de administração estatal capitalista. Frente a contextos específicos são necessários ajustes no investimento público. A realidade mostrou que o velho teto tinha que ser substituído, e até mesmo o ultraneoliberal Paulo Guedes deixou o teto de Temer furado mais do que peneira.

É aqui que entra o novo teto de Lula e Haddad, o agora chamado Arcabouço Fiscal. O nome pomposo é só para disfarçar, mas seu objetivo é muito próximo ao seu antecessor: limitar os investimentos públicos. E para que? Para pagar os juros da chamada dívida pública, a bolsa banqueiro que drena trilhões do orçamento público.

Agora, não interessa quanto o país cresça ele nunca poderá aumentar seus investimentos em mais de 2,5%. Para vender que o novo teto é melhor que o velho, incluíram um patamar mínimo de investimentos de 0,6%. No contexto econômico concreto, cujo crescimento do PIB não é alto e tende a baixar nos próximos anos, a possibilidade de que ocorra um aumento minimamente significativo nos investimentos públicos é praticamente nula. E nem falar dos dispositivos mais sanguinolentos, como os gatilhos que proíbem concursos e aumentos no salários do funcionalismo caso as metas de ajustes não sejam alcançadas.

E o que isso significa? Que os 5,8 milhões de brasileiros que não tem moradia, que os 35 milhões de pessoas que vivem sem água tratada e os 100 milhões que não têm acesso à coleta de esgoto vão ficar a ver navios. E há quem comemore que o Fundeb ficou de fora do Arcabouço, com o argumento de que a educação foi preservada. Como se moradia e saneamento básico não tivessem nada a ver com educação. Como se uma criança sem uma casa e convivendo com esgoto a céu aberto, pudesse ter boas condições de aprendizado.

Enquanto isso, os grandes setores do capital financeiro celebram. O dólar caiu, e as agências de investimentos aumentaram as "notas de investimento" do Brasil - que seria melhor se fossem chamadas de notas de submissão.

E o Centrão comemora junto, afinal recebeu recursos inéditos do governo, e até ministérios, como é o caso do Republicanos de Tarcísio e o PP de Lira que serão agraciados por Lula. É a festa que todos queriam!

Pequenos percalços ocorreram. Haddad buscava um cálculo inflacionário que lhe daria 30 ou 40 bilhões a mais para gastar esse ano. Não conseguiu, mas em compensação o BC está baixando a taxa de juros em uma velocidade mais acelerada do que se previa, o que também acaba por compensar essas cifras.

O tal Fundo Constitucional do DF também está fora do Arcabouço, um valor não muito relevante, quase dez vezes inferior ao Fundeb, mas que serviu de prêmio para a extrema-direita que comemorou sua exclusão - por ser um orçamento que envolve também as forças policiais, além de saúde e educação.

A aprovação do Arcabouço é um retrato do significado da conciliação de classes. Ele foi o resultado da santa união da Febraban (Federação dos Bancos), passando por reacionários como Tarcísio de Freitas, até chegar ao próprio PT. Os sócios menores da Frente Ampla como o PSOL buscam esconder esse enorme ataque neoliberal que seu governo aprovou, celebrando a retirada do Fundeb do novo teto. É como comemorar que uma pessoa tirou o chapéu antes de cometer um assassinato.

E isso não é sem motivos. Boulos e o PSOL não querem atrapalhar os acordos com o PT para as eleições municipais, em especial o acordo em São Paulo. Por isso não chamaram nenhuma mobilização contra esse ataque neoliberal.

E as Centrais Sindicais onde estavam? Ansiosas com o retorno do imposto sindical que “coincidentemente” Luiz Marinho, ministro do Trabalho, ofereceu recentemente e que pode triplicar os valores que eram recebidos até 2017. Nada é por acaso, e a promessa não só de retorno, mas da ampliação de cifras astronômicas para a burocracia sindical era a senha final para que o Arcabouço fosse aprovado sem resistência alguma.

Por último, mas não menos importante. Não por acaso, tudo isso ocorre simultaneamente às movimentações do regime pela cabeça de Bolsonaro. O objetivo é transmitir a sensação de que tudo parece estar voltando para o lugar. Mas não está. Os direitos perdidos, todos esses, não vão voltar.

A menos que entre em cena o fator imprevisível, a luta de classes. Aquilo que a Frente Ampla mais teme e tenta evitar.

Editorial do MRT: Arcabouço fiscal é símbolo de como a conciliação é o que abre espaço para a extrema direita, o que falta é um plano de luta




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