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Análise | Um grande show montado para encobrir a aprovação do arcabouço fiscal de Lula

Figuras bizarras da extrema direita depõem na CPMI dos atos golpistas enquanto a imprensa burguesa segue calada sobre o arcabouço fiscal por não querer gerar um debate público sobre o tema.

sexta-feira 25 de agosto de 2023 | Edição do dia

O arcabouço fiscal, proposta ultraliberal do governo Lula-Alckmin e de seu ministro da Fazenda Fernando Haddad, foi aprovado há um dia e já virou nota de rodapé na imprensa. Isto se deve ao destaque dado às escabrosas revelações da CPMI dos atos golpistas, em especial a possibilidade da apresentação de provas da interferência nas eleições realizadas por Bolsonaro por Walter Delgatti, o “hacker de Araraquara” que afirma ter sido contratado diretamente por Bolsonaro para dar instruções aos militares sobre as urnas eletrônicas.

Foto: Poder 360

O caso deve ser investigado, e envolve o alto escalão das forças armadas, afinal, o hacker afirmou na semana passada ter ido não só uma, mas cinco vezes ao ministério da Defesa reunir-se com os militares membros da Comissão de Auditoria das Urnas. Mas, enquanto todo esse espetáculo acontece, nos bastidores o Congresso aproveitou para passar um grande ataque neoliberal a mando do próprio governo Lula, o Arcabouço Fiscal.

A imprensa segue calada sobre o arcabouço porque o tema é “delicado” e pode gerar insatisfação. Afinal de contas, a regra fiscal aprovada proíbe que o governo crie novas despesas em investimentos ou com o financiamento de políticas públicas quando a arrecadação for reduzida por algum acaso da economia. Para dar uma ideia, caso Lula governasse durante a pandemia com o arcabouço fiscal aprovado, não poderia dar sequer o auxílio emergencial de R$ 600 para a população, quanto menos financiar as empresas pagando o salário dos funcionários que ficaram parcialmente ou totalmente em casa durante esse período. Esse é o nível de neoliberalismo que o governo Lula-Alckmin está se colocando, fazendo inveja ao Paulo Guedes e envergonhando todos os economistas de orientação mais progressista, keynesianos, desenvolvimentistas e companhia, em sua maioria, apoiadores do PT e críticos da política econômica ultra-liberal.

O arcabouço fiscal foi aprovado retirando dele o Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica) e o Fundo Constitucional do DF(utilizado para financiar a segurança, saúde e educação no DF), a contragosto de Haddad e do governo Lula, que queriam os dois fundos dentro das novas regras. Membros da base do governo como a federação PSOL-REDE comemoraram essa como uma “grande conquista”, mas o fato é que o Fundeb vem sendo utilizado já há alguns anos para complementar o salário dos professores em diversos Estados através de gratificações, pois as despesas ordinárias com a educação (ou seja, as despesas básicas, que não são investimentos) já não dão conta de pagar os baixíssimos salários recebidos pelos docentes país afora.

Os investimentos só poderão aumentar com o aumento da arrecadação, mas esse aumento é limitado a uma margem entre 0,6% e 2,5%, limitado a 70% do valor arrecadado a mais. Por exemplo, se de um ano se arrecada R$ 100 milhões a mais que o ano anterior, somente R$ 70 milhões poderão ser destinados aos investimentos e a novas políticas públicas. Se, pelo contrário, em um ano o governo não cumpre a meta de arrecadação, ficará proibido de criar cargos, alterar a estrutura de carreira de funcionários, criar auxílios e criar despesas obrigatórias e concessões de benefícios tributários. No segundo ano seguido em que o governo não cumpre a meta, ficará proibido de reajustar despesa com servidores, realizar novos concursos (exceto em caso de vacância de cargos) e admissão ou contratação e pessoal.

A magnitude do ataque do arcabouço fiscal ainda não é visualizada devido ao lento aquecimento da economia, e é nisso que o governo Lula-Alckmin aposta. Sua base eleitoral, que votou majoritariamente esperando alguma mudança em relação ao governo de Bolsonaro pode começar a perceber que o ministério da Fazenda de Lula nada mais é do que uma continuidade dos ataques iniciados desde o golpe institucional de 2016, como um ajuste que mantém na essência o Teto de Gastos de Temer, dando alguma margem de manobra para alguns investimentos agora que a economia dá alguns sinais positivos, com uma nova edição de grandes obras como o PAC (dessa vez através de Parcerias Público Privadas) injetando dinheiro novamente em empreiteiras e grandes empresas enquanto a maioria da população segue vivendo sob a reforma trabalhista e a reforma da previdência, sem perspectiva real me de ter suas reivindicações atendidas.

Que a imprensa tradicional não queira transformar a aprovação do arcabouço fiscal em um grande debate público, noticiando-o através de notas de rodapé em alguns portais, isso não é novidade. A Globo, Folha, Estadão e outras empresas midiáticas vieram desde o golpe institucional patrocinando o programa ultraliberal constituído pela reforma da previdência e trabalhista e o teto de gastos, sendo o arcabouço fiscal apenas continuidade deste último. Mais ainda, a imprensa atua para prevenir que não exista debate, e, com isso, não se expresse oposição à aprovação deste ataque, e por isso também, notícia interessadamente a hipótese de uma delação de Mauro Cid contra Bolsonaro, agitando as ações do judiciário e de Alexandre de Moraes para tentar oferecer a paz à base eleitoral que votou em Lula.

Agora, além disso, os capitalistas por trás dessa manobra contam também com amplo apoio das direções políticas e sindicais do movimento dos trabalhadores e dos movimentos sociais. A Central Única dos Trabalhadores (dirigida pelo PT) e a CTB (dirigida pelo PCdoB), além da UNE, se calam completamente sobre o ataque, fazem isso disciplinadamente esperando serem recompensadas com a volta do imposto sindical. Podem até impulsionar essa ou aquela luta isolada, mas sem levantar nenhuma pauta que vá contra os acordos do governo Lula com a burguesia. É assim que, após o golpe institucional, sindicatos e movimento estudantil se pronunciaram contra o Teto de Gastos de Temer em 2016, e hoje nada falam sobre o arcabouço fiscal de Lula… isso quando não elogiam a medida, o que é pior ainda.

Veja mais Arcabouço fiscal é símbolo de como a conciliação é o que abre espaço para a extrema direita, o que falta é um plano de luta

O PSOL, em uma federação com a REDE e mais governista do que nunca, hoje “disputa” o governo Lula para que este seja “mais de esquerda”, e por isso comemora como grande vitória a retirada do Fundeb do arcabouço fiscal. Alguns parlamentares ainda tentam manter no discurso alguma personalidade “independente”, apesar de terem membros de seu partido que já fazem parte direta com cargos no governo e alianças com o PT país afora. O PCB e a Unidade Popular declaram-se contra o arcabouço fiscal e em alguns locais onde estão convocaram algumas poucas manifestações contra a medida, mas em todos os casos, alertam a sua própria base de que não é momento de declarar-se oposição ao governo Lula, sob uma suposta ameaça da “volta de Bolsonaro” ou de alguma figura da oposição de direita. Acabam com isso atuando como a “oposição” comportada, assumindo um discurso dúbio que fica entre a disputa para que o governo seja mais de esquerda e a recusa de romper com o petismo até o final denunciando abertamente a sua conciliação de classes. E o PSTU, que fala mais abertamente como partido que não tem nenhum compromisso com este governo apesar de ter chamado voto em Lula, em alguns sindicatos parece ‘esquecer’ de sua independência, construindo chapas e coligações sindicais com o próprio PT.

A operação feita para cooptar ou silenciar a esquerda e impor um consenso artificial em torno de ataques como o arcabouço coloca novamente na mesa a discussão sobre a necessidade da formação de um novo partido com independência de classes, que para a gente deve ter um programa revolucionário de ruptura com o capitalismo, princípio que se materializa no cotidiano como ação independente, que luta pela frente única das organizações da classe trabalhadora, e desta junto com os movimentos populares, para que esta classe tenha uma intervenção independente. Isso significa fazer trabalho de base nos sindicatos e associações levando abertamente uma política de oposição ao arcabouço fiscal, exigindo medidas de ação das centrais sindicais que chamem o conjunto da classe à luta, e construindo assim uma oposição às medidas ultra liberais tomadas pelo governo Lula.




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