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Brevíssima História da Antiguidade

Afonso Machado

Brevíssima História da Antiguidade

Afonso Machado

Se você for um desses intelectuais pequeno burgueses que faz uso do nada transparente traje acadêmico da moda ou desfila alegremente pelas passarelas da mídia capitalista (e portanto tem medo de olhar para as lutas sociais ao longo da história) este texto não vai te interessar. Se você for um daqueles leitores que acreditam que a terra é plana, que o Exército deve assumir o poder e que o Apocalipse será na semana que vem, também procure ficar longe do solo destas letras demoníacas. Mas se você for um trabalhador que sente na pele a devastação do trabalho, a precarização dos seus direitos e a tentativa dos patrões em naturalizar a exploração, talvez se tenha algo a ganhar com esta leitura. O objetivo aqui é pensar a origem da luta de classes na aurora das civilizações, as raízes de um gigantesco drama que chega até nós.

Para ir fundo na representação de uma determinada época são imprescindíveis documentos históricos, leituras prévias sobre o que se escreveu a respeito e o ato de abrir estradas verbais para atingir uma prosa fluida. Menos importantes no entanto são as ocas citações eruditas que servem para reverenciar os especialistas. Não se deve pedir licença para escrever história: a veracidade e a contundência de uma exposição histórica se confirmam através do debate, do respaldo das fontes utilizadas, do exame crítico dos acontecimentos/realidades históricas e não pela filisteia hierarquia entre aqueles que se julgam proprietários do conhecimento histórico. Fundamental é o Método, ou seja “caminho“ para os gregos antigos, que implica na condução do fio narrativo: doa a quem doer, deve-se revelar na narrativa as contradições da realidade social expressas como as feridas coletivas de um processo histórico objetivo.

Acrescente-se que a elaboração crítica dos quadros de acontecimentos históricos vira coisa bonita, ainda que trágica, quando o historiador é um revolucionário e não um garoto de recados da classe endinheirada. De Heródoto pra cá nenhum historiador conseguiu ocultar a sua posição política (a despeito, é claro, da necessária exposição realista que mostra aquilo que realmente aconteceu e não aquilo que o narrador gostaria que tivesse acontecido). Não se trata de mera apologia no plano da narrativa histórica mas da inevitável tendência interna que todo texto possui: a maneira de narrar coloca determinadas cores e enfoques em certos personagens e acontecimentos. O historiador que se quer “imparcial“ ou que está num confortável telhado olhando de cima para o passado, já assumiu uma posição perante os dramas das lutas de classes de ontem e de hoje. Isso não quer dizer obviamente que gente conservadora não produza importantes estudos históricos. Não é preciso ter certificado ideológico marxista para contribuir com dados e reflexões sobre inúmeros temas e problemas da história.

Considerando que para o proletariado em particular a prosa histórica não pode ser perfumaria ou uma coletânea de contos da carochinha, aquela possui a evidente finalidade política de expressar a identificação com todas as classes oprimidas do passado; o que por sua vez requer a produção de uma narrativa histórica em que ciência e literatura, ética e estética, sejam articuladas para expor o que aconteceu e como aconteceu. Nesse mundo em que a cultura só existe para ser apologia do mercado, não é difícil encontrar um jovem trabalhador que se pergunta qual seria a sua relação com pessoas de outras terras e que morreram há milhares de anos. A curiosidade, o desejo de aprender sobre aquilo que diz respeito a outros tempos e culturas, são fundamentais mas não bastam. São necessários pressupostos políticos para saber espiar o passado. Se o trabalhador entende a si mesmo como sujeito que pertence a uma classe explorada, não fica difícil descobrir que outras classes foram oprimidas em épocas distantes. Na sua apropriação cultural do conhecimento histórico os trabalhadores encontram seus ancestrais políticos.

A seguir serão realizados alguns comentários históricos sobre povos do mundo antigo. Deve-se levar em conta que nos limites destas modestas linhas não foi possível mencionar todas as civilizações da Antiguidade e nem mesmo chegar perto dos principais fatos e desdobramentos que dizem respeito aos povos citados. Espera-se no entanto atingir o objetivo de expor que as lutas entre as classes sociais são indissociáveis do conceito de civilização.

A aurora da luta de classes

Como surgiram as classes sociais? É impossível historiar sem imaginar. Façamos este esforço e vamos, num primeiro momento, lá para o longo e nebuloso período das sociedades de caçadores e coletores nômades. Foi nestas circunstâncias coletivistas da infância da humanidade que a mulher torna-se seminal ao observar os ciclos da natureza, as fontes de alimento, colaborando para a domesticação de plantas e animais. As pinturas rupestres produzidas a partir de pigmentos de plantas e de restos de insetos, contém cenas de caçadas, imagens de animais. Economia e mistério estão misturados: é o imaginário daquelas pessoas que portavam pedras lascadas. Por volta de 15 000 a.C temos a Revolução neolítica. Durante as festas da abundância observadas em sociedades que atravessaram este processo de desenvolvimento da agricultura e da pecuária, todos eram chamados para consumir o excedente das colheitas e as crias dos animais.

As ferramentas polidas, o desenvolvimento técnico. Desconhecia-se as desigualdades de classe. Com o aprimoramento das forças produtivas, em que o arado por exemplo realizou maravilhas, e logo com a capacidade de produzir mais, o excedente foi crescendo, crescendo, crescendo... Sacerdotes e líderes militares passam a concentrar em grandes espaços o Sobre produto social. É uma questão estratégica controlar este produto: quem o faz tem poder de mando sobre outros indivíduos. Agora leitor, sinta-se como que diante de um trágico espetáculo teatral: descortina-se aos poucos a história das civilizações, ou se preferir, a história da luta de classes.

Dominação, escrita e religião

Sacerdote sumério: - Eu falo em nome dos deuses... Levem suas colheitas para os Zigurates! Os tributos do Estado atendem ao apetite divino.

Os filhos de sacerdotes e chefes militares, os funcionários e os reis, controlam a um só tempo a vida econômica, política e espiritual. Estes personagens do patriarcado fazem do corpo da mulher posse para o controle e perpetuação da herança. No mundo civilizado a mulher é mãe, esposa e escravizada. Se tomarmos como exemplo o povo hebreu, cujas raízes e desenvolvimento social estão documentados nos livros que integram o chamado Antigo testamento da Bíblia, a dominação sobre a mulher( entendida enquanto propriedade do homem) é evidente como atesta este trecho do Êxodo:

“Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertence ao teu próximo“

Encontramos novos personagens na Mesopotâmia, no Egito, no Irã, na Índia, na China, na Grécia, em Roma: são as classes dominantes que promovem a divisão social do trabalho. O Estado surge como o bando armado a serviço da manutenção da sociedade de classes. Nascem as cidades, “a morada dos deuses“. Determinados povos dominam a escrita em suas transações comerciais do excedente. Ocorre a utilização dominadora do alfabeto sobre os analfabetos: os fenícios, um povo de grandes marinheiros e hábeis comerciantes, foram pioneiros na criação do alfabeto que tinha como base social aqueles que comercializavam produtos e não a massa de trabalhadores que botavam a mão na massa na construção das embarcações. Na Mesopotâmia, a escrita cuneiforme registra as leis que atendem os interesses da realeza. Estas leis não representavam os direitos do povo. Um provérbio sumério diz:

“O pobre está melhor morto do que vivo
Se tem pão, não tem sal,
Se tem sal, não tem pão,
Se tem carne, não tem cordeiro,
Se tem cordeiro, não tem carne“

No Egito, os hieroglifos contam a história de que os Faraós descendem do deus Hórus. Isto por si só intimidava as formas de oposição aos mandos e desmandos de um sujeito que se considerava um deus vivo. Eis o início da história das civilizações: a escrita, a religião e o Estado a serviço das classes proprietárias. Camponeses plantam, colhem, constroem obras hidráulicas, canais, embarcações, cidades, templos e palácios. Nas sociedades antigas do oriente a servidão coletiva define a forma produtiva predominante.

Faraó: - As colheitas crescem por mim, sou um deus vivo!

Guerra e escravidão

É claro que quando a barra pesa, quando as lutas sociais se intensificam, não tem aura divina e nem lábia de sacerdote que sustentem o poder político das classes dominantes. Por isso, como dito, o Estado conta necessariamente com uma estrutura militar para assegurar através da coerção física a ordem econômica e política. Um bom exemplo disso é o Estado persa: Dario I governou a partir de um poderoso exército. No Palácio de Susa encontramos figuras de soldados, imagens das guardas militares, que zelavam pela manutenção política do Império persa. No contingente das tropas de cada satrapia notamos arqueiros e cavaleiros que garantiam “a normalidade dominadora“ dos persas sobre outros povos. Chama a atenção que sociedades divididas em classes, inclusive aquelas que constituíram impérios, promovem guerras de conquista entre dois ou mais Estados. Neste quesito os gregos e romanos antigos foram talentosíssimos.

Através do mediterrâneo surgem as embarcações conduzidas pelos conquistadores. Sucedem-se invasões militares de povos que se apropriam de terras, ferramentas, animais e...de seres humanos: a escravidão passaria a definir a base econômica. A partir de um longo processo histórico cuja origem está nas conquistas territoriais dos aqueus, eólios, jônios, dórios e italiotas, o trabalho escravo iria configurar-se na sustentação da produção . Grécia e Roma antigas foram erguidas a partir do modo de produção escravista. De um lado homens livres ricos e, do outro, homens livres pobres. Paralelamente uma crescente massa de escravizados.

General espartano: - Sejamos fortes, superiores! A educação militar de nossa classe deve impedir com que os hilotas falem alto.

Eupátrida: - Sou senhor de escravizados. Preciso dizer mais alguma coisa?

Rico comerciante ateniense: - Sou um aristocrata do mar e tenho muito a dizer. Mas não tenho nada a dizer contra a escravidão!

Patrício: - Sou senador e portanto senhor de escravizados. Alguma dúvida?

Esparciata, eupátrida e comerciante ateniense são personagens que deram as cartas na Grécia antiga. O mesmo podemos dizer em relação aos patrícios durante a República romana e posteriormente aos membros que compunham a elite nos tempos do Império romano. Como todas as civilizações da história, gregos e romanos antigos eram belicosos. Ésquilo, um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, registrou as célebres guerras entre gregos e persas (490-448 a.C). A peça intitulada Os Persas é o olhar de um talentoso escritor grego sobre as Guerras Médicas. O autor deu vida, movimento, aos conflitos navais:

(...) “ Todos se misturam em seguida. Nossa frota empreende a primeira ação; mas nossas embarcações, muito numerosas, comprimidas no Estreito, não podem se ajudar; seus remos quebraram-se; os gregos, hábeis navegadores, atacam-nas de todos os lados, destruindo-as; o mar ficou coberto pelos destroços e cadáveres ; as margens e os penhascos ficaram coalhados de corpos. Toda a frota fugiu em desordem “(...)

Diga-se de passagem, estes conflitos bem como grande parte das batalhas e guerras do mundo antigo, encontram suas motivações nos interesses particulares das classes proprietárias que controlam a vida política dos Estados. Sem dúvida que nestas condições a cultura destas sociedades expressa diretamente ou indiretamente as formas de dominação econômica, social e política.

A cultura

A nobreza possui tempo livre para pensar na vida, para administrar e perpetuar a apropriação do trabalho dos produtores. Eis a origem da astronomia, da arquitetura, da filosofia, da literatura, da geometria, da hidrografia, da história etc. Na China, os progressos técnicos e econômicos que culminam em conquistas do conhecimento coexistem com a fome do camponês chinês. Na Índia, a invasão dos Arianos por volta de 2000 a.C trouxe a imposição de um complexo sistema filosófico baseado nos Veda: trata-se da sociedade de castas que submeteu os Dravidas, povo que habitava anteriormente a Índia. A cultura dominante dos brâmanes apresenta fantásticas narrativas religiosas/literárias para dizer que a organização social é imutável (os membros do corpo do deus Brahma existem para dizer quem é quem: religiosos, guerreiros, comerciantes e os que vivem em condição servil).

Nas sociedades do oriente o aprimoramento da cultura não se separa da servidão coletiva. O povo egípcio arrastava os gigantescos blocos de pedra para a construção das pirâmides; no interior destas obras funerárias cujas ruínas encantam turistas até hoje, iriam apodrecer os corpos dos faraós e seus familiares mas nunca daqueles que ergueram as pirâmides. Quem produz/ projeta conhecimento e se beneficia dele não são aqueles que possuem calos nas mãos. Na Antiguidade ocidental, baseada na escravidão, não foi diferente. Os filósofos de Atenas desvendam os enigmas da existência enquanto caminham pelas cabeças dos escravizados. A produção do conhecimento exige que o escravizado trabalhe pelo filósofo. Foi Platão quem endossou a divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal/artesanal, afirmando que se um oleiro decide ser filósofo, este será um péssimo oleiro. Para os filósofos gregos antigos somente meia dúzia de seres humanos teria o direito de atingir as alturas da beleza proporcionada pelo conhecimento. Trocando em miúdos: Belo seria o filósofo e os escravizados que se lasquem. A esplendorosa cidade de Atenas, cujo brilho cultural fez dela uma referência do mundo antigo, abriga nos séculos IV e V a.C cerca de 60 a 80 mil escravizados. Pasmem: é o berço da democracia! Democracia esta que era para uma minoria de cidadãos.

Durante muito tempo historiadores apresentaram a palavra “cultura" como sendo o oposto da palavra “barbárie". Na realidade cultura e barbárie não se dissociam na história das civilizações. É impossível separar as sangrentas conquistas militares de Alexandre, o Grande, brilhante general e imperador macedônio, do seu projeto universal de uma cultura helenística: a cidade de Alexandria, no Egito, possuía imponentes realizações arquitetônicas: palácios, templos e o célebre Museu com sua vertiginosa biblioteca. O chamado Farol de Alexandria localizado na ilha de Paros está entre as Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Mas em matéria de expansão imperial e realizações culturais monumentais inseparáveis da barbárie, os romanos antigos ganham de qualquer um.

O Estado romano lança-se na dominação da Península itálica. Primeiramente ocorre a conquista da região do lácio e regiões vizinhas durante o século IV a.C. O rei Pirro é derrotado em 275 a.C e, dai, segue-se a conquista da magna Grécia. Observamos uma saga de conquistas cujo ápice são as épicas Guerras Púnicas entre Roma e a cidade africana de Cartago (264 a 146 a.C.) pelo domínio do mar mediterrâneo ocidental. Diversos povos e culturas são dominados pela águia romana. Roma: o melhor exército da Antiguidade para os piores crimes do mundo antigo. E olha que não faltaram artistas e intelectuais que babaram ovo para os imperadores de Roma. Reprimindo expressões livres do pensamento e críticas ao império, e ao mesmo tempo financiando aqueles que produziam imagens que glorificavam Roma, o Estado romano desejava exibir uma versão pomposa de sua própria história. É segundo este intuito da ideologia do Império que compreendemos o trabalho do historiador romano Tito Lívio e a poesia de Horácio. Até o poeta Virgílio, o “Homero romano“, fez arte de propaganda ao considerar Augusto divindade e cantar um glorioso passado romano que nunca existiu. Mas por mais que os artistas e intelectuais reconhecidos pelos Estados da Antiguidade produzissem odes aos seus senhores (o que não retira o mérito estético ou a qualidade artística de muitas destas realizações), a luta de classes nunca deixou de estar presente na trajetória destes povos.

A revolta

As classes laboriosas da Antiguidade curvaram-se sempre diante dos sacerdotes? Sempre disseram “ sim “ aos deuses e nobres? Sempre estremeceram diante dos césares? Não. A formação das sociedades de classes é o resultado de lutas sociais. Tais sociedades mantiveram-se a partir das lutas entre opressores e oprimidos. Os papiros não mentem quando registram levantes de camponeses durante o Médio Império egípcio (2000- 1750 a.C). A história do Egito é salpicada de rebeliões populares. Um papiro descreve uma destas rebeliões ocorrida há 4000 anos, durante a décima oitava dinastia dos faraós. Dá pra imaginar o ímpeto dos revoltosos...

Camponês egípcio: - Peguem todos: escribas, sacerdotes e generais. Arranquem o Faraó do trono com as próprias mãos!

Aqueles que plantam e colhem, que realizam o trabalho braçal e artesanal, são os mesmos que , em determinados momentos da história, se rebelam contra a classe dominante; estes homens e mulheres do povo sabem lutar; e como sabem... Tomemos brevemente o exemplo da China. A história da China é a história das revoltas camponesas. É um conjunto de rebeliões do povo contra a opressão dos senhores de terras e dos funcionários do Estado imperial, isto é, os mandarins. Dinastias como a Han (século III) foram destruídas por guerras camponesas. Ecos destas revoltas, que também se faziam presentes no contexto das cidades, estão presentes na própria trajetória da cultura marcial chinesa. As artes marciais chinesas estavam originalmente ligadas ao treinamento de tropas do Exército e também ao processo de educação física e intelectual das elites. Entretanto, diversos episódios da história da China mostram que estes conhecimentos marciais não foram exclusividades dos poderosos. Em 841 a.C ocorreu uma revolta liderada por militares, artesãos e comerciantes. O Palácio imperial recebeu um ataque que contava com um diversificado arsenal de armas cujo manuseio pressupõe preparo/educação marcial: isto comprova que as artes marciais estavam presentes nos segmentos populares.

Camponês chinês: - Apropriem-se dos carros de combate! Precisamos de um condutor, de um arqueiro e de alguém que saiba manejar a lança. Peguem bastões, martelos de guerra, lanças de mão, adagas, machadinhas e os sabres longos. Não é hora de plantar: é hora de lutar!

Apropriar-se de armas e levantar exércitos populares de revoltosos contra o Estado não era algo raro, seja no oriente ou no ocidente. Em Esparta, os Hilotas, em constante estado de rebelião, não reconheciam as determinações da Ápela, da Gerusia. Em Roma, plebeus desafiaram a República dos Patrícios em inúmeras greves a partir do século V a.C. Foi esta mesma república romana que se deparou com as lutas sociais em torno da Reforma agrária. Neste processo social e político os tribunos da plebe Tibério e Caio Graco foram representantes da população sem direitos: ambos os tribunos (Tibério foi eleito em 133 a.C e Caio em 123 a.C) pagaram com a vida por ameaçar a propriedade.

Tibério Graco: - Proponho o projeto de Reforma Agrária. Nenhum cidadão pode ocupar mais de 500 jeiras de terras públicas. As terras liberadas devem ser repartidas em lotes e distribuídas aos cidadãos pobres.

Durante a expansão imperial romana as rebeliões de escravizados foram uma constante. Os escravizados se revoltaram contra os romanos na região de Apulha em 187 a.C. (segundo a tradição, 7 mil escravizados perderam a vida). Na revolta da Sicília, em 134 a.C, escravizados liderados por Enus e Cleon resistiram durante anos contra as legiões romanas. Um exército de gladiadores rebeldes levantado por Spartacus em 71 a.C, trouxe pesadelos para Crasso e todo o senado romano: Spartacus, este líder rebelde nascido na região da Trácia, entrou para a história como símbolo de resistência popular. A imagem de Spartacus e seus companheiros (como o memorável Crixus), a despeito do seu trágico desfecho (aquele ousado exército de gladiadores foi derrotado pelos romanos e seus integrantes foram crucificados ao longo das vias que pertenciam aos domínios de Roma), tornaram-se uma referência histórica para o proletariado moderno.

Spartacus:- Pelo fim da escravidão! Vamos lutar até o último gladiador contra as tropas de Crasso!

Muitos outros levantaram a voz contra Roma. Profetas rebeldes da cultura judaica, como João Batista e Jesus, desafiavam o rei Herodes, cumplice do invasor romano na Palestina. Os primeiros seguidores de Jesus que participam do chamado cristianismo primitivo, foram caçados como ratos pelas autoridades romanas. O pensamento cristão era subversivo naquele momento na medida em que tratava-se de uma prática religiosa que dava voz política a uma comunidade de dissidentes composta por pescadores, artesãos, escravizados e marginais em geral. Não foi por acaso que o líder desse movimento, ou seja Jesus, acabou em cana, sendo em seguida julgado, torturado e condenado a crucificação como inimigo do Estado. Se de acordo com o papo cristão primitivo todos seriam irmãos, não teria o menor cabimento a instituição da escravidão, leia-se, a base econômica do Império romano. O monoteísmo inerente ao ideário cristão não reconhecia os imperadores romanos como seres divinos. É por estas e por outras que se compreende a fúria de imperadores como Nero e Calígula: os cristãos viravam comida de leão nas arenas durante os sádicos espetáculos promovidos pelo Império.

Cristão primitivo: - A partilha do pão é a coletivização das riquezas produzidas. Abaixo o invasor romano!

Claro, após a aliança do Estado romano com a Igreja por volta do ano de 313 d.C e com a progressiva adesão dos grã-finos ao culto cristão, as características populares e contestadoras do cristianismo ficaram para trás. A revolução cultural cristã que se intensifica durante a época do colapso do modo de produção escravista, fornecia novas formas para um novo conteúdo histórico. Desenhava-se os contornos da nova ideologia dominante que ficaria encravada na história do ocidente. Sustentáculo ideológico das novas classes proprietárias após a Queda do Império romano, o cristianismo iria despejar nos recôncavos da mente dos povos ocidentais quilos de culpa, extensas camadas de repressão sexual , além de provocar o constante gesto de roer as unhas quando se pensa no quinto dos infernos; por fim, a promoção da atitude de resignação que acarreta em conformismo político e social.
Pergunta básica: por que as classes oprimidas da Antiguidade não fizeram revoluções? Apesar das constantes revoltas, por que não tomaram o poder? Hipótese: ou os oprimidos da Antiguidade destruíam todo o Sobre produto social e mergulhavam no caos econômico, ou derrubavam a classe dominante para substitui-la por outra classe dominante. Resumindo: os revoltosos não tinham um projeto político de classe. Não basta ser oprimido: sem consciência de classe não há horizonte político para a superação das formas de dominação. Mas de nada servem as experiências de revoltas desses derrotados do mundo antigo? ATENÇÃO PROLETÁRIO: uma extraordinária quantidade de energia revolucionária pode ser aproveitada se soubermos contar a história dos povos antigos a partir daqueles que ergueram estas civilizações e, em determinados momentos, as desafiaram. São episódios que participam dos primeiros momentos da tradição dos oprimidos. Trabalhador: esta tradição é sua!

Nota do autor : As falas dos personagens históricos que aparecem ao longo do texto, são ficcionais e criadas pelo autor. Trata-se de um recurso literário para tentar ilustrar as referidas situações históricas. Já no que diz respeito as citações e transcrições também presentes no texto, estas envolvem documentos históricos que foram previamente selecionados.


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