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Ceica: “Quando a pixação surge, ela vai meio que inverter a forma que a periferia e a classe trabalhadora ocupava a cidade”

Renato Shakur

Dossiê

Ceica: “Quando a pixação surge, ela vai meio que inverter a forma que a periferia e a classe trabalhadora ocupava a cidade”

Renato Shakur

Nesses 50 anos de hip-hop queremos mostrar um pouco da cena do pixo e grafite do Nordeste. O Carcará entrevistou Ceica, grafiteira, pixadora e militante da Faísca Revolucionária de Lajedo, Pernambuco. A entrevista foi concedida a Renato Shakur.

Carcará: Como foi o início da sua caminhada? O que te inspirou para pixar e grafitar?

Ceica: Eu não tive inspiração de pessoas, nem de ninguém, porque eu morava em Lajedo e lá não tem essa cultura do pixo. Então, os pixos que eu via na cidade eram um ou dois e eram sempre os mesmo. Acho que só tinham uns dois pixadores quando eu comecei.

Mas eu nem comecei por causa disso, eu comecei, porque eu sempre tive muito interesse nas letras, na caligrafia. Daí quando eu dei início nos estudos, o pixo foi minha primeira forma de expressão. Aliás, quando eu comecei eu não tinha um vulgo, eu pixava umas frases políticas, tipo, em referência aos álbuns de rap que eu escutava. Por exemplo, o meu primeiro pixo foi em referência a álbum do RZO que era “Revolução é uma coisa”. Aí eu pixava frases de música que eu gostava, sempre de rap, porque eu escutava muito rap nessa época. Depois eu me desenvolvi no grafite.

Quando eu vim pra cá pra Recife que tem um movimento de grafite e pixo muito forte que em Lajedo não tem. Eu conheci uma galera. Aí sim, posso dizer que eu vi muitas mulheres no movimento. Isso também foi o que me inspirou, porque tem muito cara machista na cena, então isso é algo que me inspirou.

Carcará: Você de outras frases que te inspiraram, ou de outras músicas e álbuns que te inspiraram no começo?

Ceica: Era sempre Realidade Cruel, RZO, Racionais, sabe? “Somos o que somos”…eu já pixei isso também.

Carcará: Como você vê a importância das minas na cena?

Ceica: O movimento hip hop é bastante machista, até com as mulheres do rap, porque o rap sempre foi um elemento que teve mais influência, vamos dizer…tirando o break em certa época né. Tipo, no começo era comum ouvi que alguém tinha começado por causa do namorado, e certas situações que acontecem até hoje de você tá pixando daí vem um cara te ensinar o que você já sabe fazer. Ou porque acha que você tá ali pra chamar a atenção de alguém ou ficar com alguém da cena. A importância das minas está em ir contra o machismo e sexismo que ainda é presente no movimento do pixo/graffiti, mostrar que mulher também gosta de pixo, gastar tinta e tem disposição para isso. Mas principalmente que também é sujeita das contradições da sociedade capitalista, e é sobretudo um dos setores mais que sofre e por isso pixa.

Carcará: Nesses 50 anos do hip hop como você vê a importância da arte urbana?

Ceica: Eu acho que uma coisa que não muda é essa essência do hip hop de resistência negra que nasce na periferia e por isso que é tão criticada e tem tanta repressão sobre a pixação, porque foi criada na periferia, além de ser uma forma de resistência, é um modo de ocupar a cidade. De você se sentir sujeito mesmo, sujeito de uma sociedade, de se sentir integrado naquela sociedade. Quando a pixação surge, ela vai meio que inverter a forma que a periferia e a classe trabalhadora ocupava a cidade, porque os trabalhadores saíam da prefireira, para lugares onde não tinha acesso se não fosse para ocuparem o posto de trabalho como os bairros nobres e os centros da cidade. Quando a pixação surge vai reverter isso, de dia a pessoa trabalha, mas de noite você ocupa a cidade pixando, reivindicando a cidade, trazendo arte.

A pixação e o grafite tem bastante disso, de impor uma reviravolta nas produções que são feitas pela classe dominante. E com isso faz uma construção de identidade da periferia e também constrói uma consciência crítica, porque você não vai ver um pixador pixando ali só por pixar.

Carcará: Como que você a repressão policial e a marginalização contra o pixo?

Ceica: Eu acho que a pixação incomoda tanto e tem tanta repressão contra ela, porque ela contrapõe o principal elemento estruturante do capitalismo que é a propriedade privada. O cara diz “o muro é meu, aqui ninguém faz nada”, daí você vai lá e pixa, então isso é um dos maiores motivos, porque tem tanta crítica, até pela população mesmo, manipulada pela ideologia dominante da burguesia. Também tem a questão da polícia ser bastante racista que reprime tudo que vem do negro, o pixo foi criado na periferia, então tudo que o negro criou vai ser criminalizado e marginizado. Tem bastante isso de ser chamado de vagabundo por estar pixando.


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Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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