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Unicamp | Conclusões das primeiras semanas de greve na Unicamp: confiar nas nossas forças para arrancar nossas demandas

Há quase duas semanas, mais de 30 cursos da Unicamp dos campi de Campinas e Limeira entraram em greve, como resposta ao professor bolsonarista que tentou esfaquear um estudante em paralisação e lutando contra a precarização da universidade, por cotas trans e PCDs, acessibilidade, permanência estudantil e ambientes adequados de estudo para estudantes do IA. Esses cursos se apoiaram na decisão de uma assembleia geral de mais de 1300 favoráveis à greve na Unicamp. Passadas quase duas semanas, com o Instituto de Matemática ocupado, já podemos tirar algumas conclusões para fortalecer nossa luta.

domingo 15 de outubro de 2023 | Edição do dia

No calor da greve des estudantes da USP por contratação de professores, da luta contra as privatizações de Tarcísio no serviço público do estado de São Paulo e também da greve de quase dois meses des trabalhadores da Unicamp contra o ponto eletrônico, essa forte luta estudantil na Unicamp revela aspirações por mudanças que transbordam em nossa universidade, após anos de pandemia e da extrema direita no poder.

Primeira conclusão: nossa luta incomoda mais a Reitoria do que uma tentativa de assassinato

O caso Rafael Leão, professor que portava faca e spray de pimenta na sala de aula e se voltou contra estudantes em luta, traz de volta à cena não somente a presença da extrema direita na universidade, mas a repressão da burocracia universitária. Ou seja, ações como a de Rafael Leão se ancoram na ideologia da extrema direita, em decisões da própria justiça burguesa, mas também em um histórico da universidade que persegue e pune estudantes lutadores. Como exemplo, recentemente, a justiça determinou que estudantes que lutavam na greve de 2016 tenham que pagar 30 mil reais por danos morais a um professor que teve sua lousa apagada, quando tentava dar aula contra a greve. Na história do movimento estudantil, esses estudantes são parte de uma heróica luta que arrancou de um dos bastiões do racismo do Brasil, na última cidade a abolir a escravidão, a ampliação do acesso do povo negro e indígena à universidade. Mas essa decisão na justiça, na esteira de mais de 50 sindicâncias abertas pela burocracia universitária na última greve, demonstra como a força des estudantes incomoda o Estado e essa estrutura de poder da universidade muito mais do que uma tentativa de assassinato.

A primeira resposta de Tom Zé, reitor que se elegeu como "do diálogo", frente ao caso Rafael Leão, foi sair a público traçando uma simetria entre a tentativa de assassinato a um estudante negro e a luta des estudantes na universidade. Assim, não tenhamos dúvida, foi a força do movimento estudantil que impôs, com sua greve, que Rafael Leão fosse afastado. Ao mesmo tempo, a resposta à Ocupação do Instituto de Matemática pela reitoria, solidarizando-se com a direção do Imecc e condenando a ocupação, que segundo Ricardo Miranda, diretor do IMECC, "não é mais pacífica", mostra como a reitoria é muito mais agressiva e contundente contra aqueles que lutam do que contra aqueles que atacam o movimento estudantil. Foi bastante mais ofensiva contra a Ocupação do que seu tímido pronunciamento quando uma terceirizada morreu no restaurante universitário de Limeira, com Tom Zé se recusando a declarar um dia de luto sequer, ou quando as colegas de Cleide entraram em greve denunciando que trabalhavam com as mãos queimadas e foram demitidas em massa, ou quando estudantes do Instituto de Artes se lesionam tendo aula em espaços impróprios. Incomodou mais a resposta do movimento estudantil e palestino à Feira Israelense, quando a reitoria incitou inquérito policial contra lutadores, do que a colaboração da Unicamp ao propagandear uma visão positiva do Estado de Israel que massacra o povo palestino e agora está bombardeando Gaza.

Por isso, agora, quando lutamos por cotas trans e PCDs no país recordista em transfeminicídio, ou por acessibilidade, por bandejão aos finais de semana com contratação, pela nossa permanência e para que ela não signifique mais trabalho precário, ou pelo direito de os cursos de Artes terem um espaço adequado, como o Paviartes, devemos fazer isso sem nenhuma confiança na reitoria.

Segunda conclusão: a única argumentação que a reitoria "entende" é a luta, massificar nossa greve para vencer

Nós da Faísca Revolucionária, como parte do Comitê em defesa das Terceirizadas, participarmos da reunião de negociação com a reitoria, junto a outres 13 estudantes, votades e subordinades ao Comando de Greve, cuja composição representa dezenas de assembleias de curso que elegeram seus delegades ao Comando. Na reunião, à qual o reitor fez questão de não comparecer, em meio à muita demagogia, a reitoria não se comprometeu com nenhuma demanda do movimento estudantil, inclusive se recusou a assinar uma carta de não punições, alegando que a obrigatoriedade da reposição das aulas fere a liberdade de cátedra. O resultado dessa reunião foi somente uma nova data de negociações, sobre a qual inclusive a reitoria posteriormente demarcou que "está disposta a discutir os itens de reivindicações, (...) mediante a desocupação do Imecc", em uma tentativa de chantagem contra o movimento estudantil.

Frente a isso, desde a última quarta-feira, nós da Faísca Revolucionária tivemos uma leitura distinta da reunião, em relação à visão propagada pelas organizações que compõem o DCE (Correnteza, Juntos e UJC), e em particular pelo Afronte - que pintaram seus resultados como uma primeira vitória. Nosso intuito, pelo contrário, desde que saímos da reunião, foi alertar o movimento estudantil sobre os riscos que corremos: a negociação é um momento importante da greve, mas não podemos nos subordinar à espera passiva pela próxima negociação. Temos que pensar nossa greve em função de como vamos impor nossas pautas com nossa luta, como um verdadeiro cabo de guerra contra a reitoria. O fato de a resposta da reitoria ter sido, em seguida, fazer uma chantagem quanto ao único encaminhamento com o qual se comprometeu na semana passada (a próxima negociação) coloca a necessidade de desenvolvermos a única argumentação que a reitoria "entende", que é nossa luta, para impor que a negociação ocorra e para que nela arranquemos nossas pautas. Além disso, é a força da nossa luta que pode garantir que não haja nenhuma punição. A compreensão de que a melhor fundamentação das nossas pautas é o que obrigaria a reitoria a retroceder, com mais "acúmulo" e argumentos e sob a pressão de nos dividir e cair na armadilha de apontar qual pauta é mais importante, por fora de desenvolver os rumos da nossa luta, é um empecilho na nossa greve.

Por isso, consideramos que há ao menos quatro tarefas, que se complementam, para as próximas semanas, para as quais as entidades e o Comando de Greve devem pensar propostas: 1) Chegar na base dos cursos, massificando a luta. É fundamental que es representantes votades para o Comando de Greve pensem criativamente como vamos impedir que a vanguarda mobilizada em torno da Ocupação se descole da base des estudantes nos institutos e faculdades, com atividades de greve cada vez mais criativas, comandos por curso ativos e propostas unificadas, mobilizando o setor da intelectualidade que nos apoia, figuras públicas e movimentos de dentro e de fora da Unicamp. 2) Disputar a opinião pública. Precisamos furar o bloqueio da mídia com a nossa versão dos fatos e mostrar para es trabalhadores e a população que estamos lutando pelo acesso à educação e à cultura. 3) Colocar nossa greve na rua, unificades com trabalhadores da Unicamp e chamando estudantes da PUC, secundaristas de Campinas e demais setores da cidade. 4) Junto à greve da USP, cuja continuidade nós da Faísca viemos defendendo em assembleia da USP frente aos setores que querem desmontar a greve, precisamos de medidas para organizar nossa luta contra Tarcísio, exigindo da UEE, mas também votando instâncias de coordenação da nossa luta pela base, como um comando estadual, que possam decidir ações estaduais unificadas. As lutas da USP e da Unicamp podem ser exemplos nacionais, na contramão da passividade que quer a UNE, subordinada à frente ampla de Lula-Alckmin que aprovou o arcabouço fiscal como seu primeiro ataque nacional e abre espaço à extrema direita, com ministério para o Republicanos de Tarcísio.

Desse ponto de vista, a greve de 2016 também nos fornece lições. Estamos falando de uma greve de 3 meses, com uma ocupação de reitoria que durou 2 meses, que contou com trancaço na saída de Barão Geraldo, com corte de rodovia, atos na Unicamp, no centro e em São Paulo, unificados com USP e UNESP, além de trancaços no CB e no PB, com piquetes. Realizamos um encontro estadual na reitoria da Unicamp ocupada. Medidas que foram fundamentais para o desenvolvimento da luta e que agora podem servir também de lição para nossa greve. Após algumas semanas de greve, estivemos também submetidos à pressão de nos separarmos da massa dos estudantes e é fundamental pensarmos propostas contra isso desde já. Nós da Faísca viemos buscando contribuir com propostas nesse sentido, como um ato-festival que ocupe nossa universidade, pensado junto a estudantes do IA, para publicizar nossas pautas e nossa luta e buscando ser uma demonstração de forças para fora, atraindo diversos setores; bem como o ato para o centro de Campinas, unificado com outros setores. Também consideramos que todas as atividades culturais e esportivas que já ocorreram na Ocupação do Imecc demonstram enorme criatividade e são um ponto de apoio para isso, como vieram fazendo, por exemplo, estudantes da Educação Física, o movimento negro e indígena da Unicamp, estudantes das Exatas, entre outros.

Por isso, queremos recuperar as lições da greve de 2016 em sua totalidade, já que, neste momento, ela é evocada por uma ala do movimento estudantil somente para se referir às mesas de negociação, e não ao conjunto de medidas de que o movimento estudantil e negro se valeu para colocar a reitoria contra a parede e arrancar as cotas, mudando a correlação de forças no interior da universidade.

Terceira conclusão: a defesa da auto-organização des estudantes nos fortalece

Foi um debate público nas redes sociais e nos grupos da Unicamp o fato de que uma ala do DCE (Correnteza-UP) buscou obstruir uma reunião do Comando Geral para impedir que a Comissão de Negociação fosse votada pela base e, desse ponto de vista, não informou es estudantes sobre a negociação, querendo negociar pelas nossas costas. Ao contrário do conjunto das direções do movimento estudantil, consideramos que a resposta que o Comando de Greve votou, defendendo a democracia de base, é um exemplo nacional e deveria ser pública (não cabe ao Comando impedir que estudantes da base tenham acesso a debates). Reuniões com a reitoria pelas costas de estudantes são uma prática comum de diversas correntes e entidades, da majoritária da UNE (UJS e PT), mas também da antiga oposição de esquerda, da qual a Correnteza, de tradição stalinista, é parte, dirigindo diversos DCEs junto ao coletivo Juntos e UJC pelo país. O que pode ajudar a forjar uma nova tradição no movimento estudantil nacional, muito mais democrática, e deixar um recado claro para a reitoria de que o movimento estudantil está unificado em suas instâncias de base é o fato de que não aceitamos e não aceitaremos métodos burocráticos: es estudantes decidem os rumos de sua luta em espaços democráticos de decisão. Essa lição precisa ser demarcada e foi nesse sentido que a chapa 2, chapa minoritária, da gestão proporcional do Centro Acadêmico de Ciências Humanas se posicionou.

Quarta conclusão: arrancar nossas pautas na luta e impor uma Estatuinte Livre e Soberana

Por fim, tudo isso revela como a estrutura de poder da universidade é profundamente anti-democrática, com es estudantes como minoria no Conselho Universitário, assim como trabalhadores - as terceirizadas nem podem falar. É isso o que faz com que estudantes do Instituto de Artes, que foram o estopim da greve de 2016, estejam há 38 anos sem um local adequado para suas produções. Em 2016, arrancamos na luta 600 vagas na moradia estudantil, que nunca saíram do papel. A maioria da universidade não pode tomar decisões, de acordo com o Estatuto da universidade.

Por isso, impor cotas trans e PCDs na luta, assim como acessibilidade e Paviartes já, unificando com as terceirizadas por bandejão aos finais de semana com contratação, tem que ser ponto de apoio para enfrentar toda a estrutura de poder da universidade, além de garantir nenhuma punição. Nós da Faísca viemos levantando a necessidade de uma Estatuinte Livre e Soberana, que parta de representantes eleitos por sufrágio universal para debater e decidir democraticamente sobre o Estatuto, dissolvendo a Reitoria e o Conselho Universitário. Isso permitiria varrer as heranças da ditadura no Estatuto da Unicamp, lutar pela radicalização do acesso, com o fim do vestibular, pelo fim da terceirização, com a efetivação das terceirizadas sem necessidade de concurso público, e, mais do que isso, decidir uma forma bastante superior de governar a universidade, como é para nós o governo dos três setores de acordo com seu peso real (maioria de estudantes e trabalhadores).

Nesta greve, estamos vendo que as aspirações que perpassam es estudantes da Unicamp fazem emergir diversas pautas, porque es estudantes sabem o que precisa mudar na universidade. Nós da Faísca, como comunistas, lutamos por uma universidade a serviço da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido e para isso precisamos lutar para derrotar a atual estrutura de poder e dar vazão a todas as demandas que es estudantes colocam nessa greve, indo por mais para o questionamento à universidade de classes, e para que isso impulsione o questionamento à sociedade de classes.




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