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Análise | Eleições na Itália: A coalizão de direita vence em meio a um recorde de abstenções. O que esperar?

quarta-feira 28 de setembro de 2022 | 16:53

Os resultados finais das eleições foi a vitória da coalizão de direita, encabeçada pela extrema direita Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália) encabeçada pela candidata Giorgia Meloni. Mas um dado não menos importante é o abstencionismo nas eleições que atingiu uma porcentagem histórica de 36%.

Um ditado popular diz que “o que serva para ganhar uma eleição não serve para governar depois”. Assim, uma das perguntas chaves é como o discurso reacionário da coalizão vencedora será na nova gestão do governo.

Resultado: vence a direita... e as abstenções

As primeiras pesquisas publicadas, assim que as urnas fecharam, confirmaram as análises das últimas semanas da campanha eleitoral: a coalizão de direita venceu com ampla margem sobre a centro-esquerda, e Fratelli d’Italia , da extrema-direita Giorgia Meloni, é o primeiro partido por consenso eleitoral.

Assim, se olharmos para os dados da Câmara dos Deputados, a coligação vencedora se aproxima de 44% dos votos, com o Fratelli d’Italia com 26%, a direita a ala da Liga Mateo Salvini está abaixo de 9%, Forza Itália, do empresário e ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, um pouco acima de 8% e os aliados centristas menores em quase 1%.

A coalizão da centro esquerda foi derrotada por quase 20 pontos percentuais, atingiu cerca de 26% dos votos, com o Partido Democrático tendo 19%, a lista Verdes-Izquierda com 3,6%, +Europa, 2,8% e o Impegno Civico (a lista de Luigi Di Maio) não superou o 0,6%.

O Movimiento 5 Estrellas confirmou sua recuperação após o verão passado, tendo mais de 15% dos votos.

O “centro” liberal de Calenda y Renzi atingiu aproximadamente 8% dos votos, confirmando-se como quarta força.

As demais listas não alcançaram 3% e não elegeram deputados: Italexit, Unione Popolare, Italia Sovrana e Popolare. Devido a concentração de votos em regiões específicas, a lista siciliana de Cateno De Luca e da UDC de Tirol del Sur conquistaram 1 e 2 deputados respectivamente.

A abstenção, por sua vez, saltou dos 28% em 2018 para 36%, o índice mais alto da história das eleições parlamentares na Itália. Acrescenta-se, que a participação não superou o 60% em nenhuma região do sul.

O índice recorde de abstenções é uma confirmação da grande desconexão entre os partidos “governantes”, as instituições e a massa de cidadãos, especialmente em relação aos jovens (onde a taxa de abstenção se aproxima dos 50%) e no sul.

A direita no governo: perspectivas e contradições de um discurso reacionário

A aposta vencedora de Fratelli d´Italia foi reivindicar abertamente um perfil católico-nacionalista em clara oposição ao governo Draghi, canalizando parte do descontentamento social. Isto confirma um repúdio mais que majoritário dos partidos que se declaravam defensores de pleno direito da “agenda Draghe” – em primeiro lugar a lista liberal de Calenda e Renzi, mas também da centro esquerda, apesar da retórica de seu “sócio minoritário” radical, Sinitra Italiana.

A vitória da direita representa, portanto, apesar da Liga e o Forza Italia terem sido um componente-chave da maioria do governo Draghi, a rejeição do prolongamento do papel de Mario Draghi como primeiro-ministro.

As declarações entusiasmadas de Giorgia Meloni, Matteo Salvini e seus candidatos, aliás, foram o contraponto à declaração de Ursula Von Der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que, com uma expressão autoritária e ambígua, havia dito: "Veremos o resultado da votação na Itália. Também houve eleições na Suécia. Se as coisas vão em uma direção difícil, temos instrumentos, como na Polônia e na Hungria."

Ela se referia às declarações, ameaças e sanções contra os países com governos " não liberais" que não votam de acordo com os "valores europeus". É uma declaração realmente indicativa do tipo de atitude "democrática" com que os liberais "de centro" europeus confrontam os nacionalistas de direita.

Em um momento em que a própria União Europeia esta atravessada por diferentes tendências, por vezes conflitivas, da situação geopolítica, a guerra da Ucrânia e a relação mais ou menos subordinada aos Estados Unidos e a OTAN, o triunfo de um partido reacionário da oposição como Fratelli d`Italia é um fator de instabilidade que devolve um mínimo de esperança a frente pro-Putin, como reconhecem, inclusive os meios de comunicação russos, quando afirmam que a Itália pode convertesse em “uma nova pedra no sapato da União Europeia”.

No entanto, talvez seja mais razoável dizer que a plena adesão ao quadro da União Europeia, da OTAN e da interferência dos EUA na política italiana será a pedra no sapato de um governo liderado por dois partidos, Fratelli d’Italia e Lega, que fez do discurso soberanista, antieuropeu e revisionista, no sentido geopolítico, sua bandeira por anos, em face da abordagem liberal pró-europeia do Forza Itália e seus aliados democratas-cristãos menores.

É claro que os comícios eleitorais são uma coisa e os compromissos com uma linha atlanticista e anti-russa, que têm sido a premissa do programa comum da centro-direita, e que gerarão profundas crises governamentais se forem seriamente questionados por Meloni e Salvini, são bem outra. Não suficiente: no que diz respeito à economia nacional, o desejo de constituir uma direita "apresentável", nem abertamente fascista nem subversiva em relação à UE, OTAN e "potências fortes", obriga Giorgia Meloni a enfrentar uma dívida que ultrapassou 150% do PIB, mais de 2.600.000 milhões de euros. Não será fácil encontrar o dinheiro para novas políticas "expansivas" sem mais uma vez cortar gastos em infraestrutura e no estado de bem-estar social, sem atacar novamente a classe trabalhadora, como a burguesia industrial continuar a exigir.

Já nos primeiros dias desta semana se conhecerá com precisão não só a composição das Câmaras, como também quem ocupará os distintos cargos institucionais, começando pelo Primeiro Ministro. A vitória da direita, que tem maioria mas não chega a dois terços dos cadeiras parlamentares, complica tanto a possibilidade de mudar a Constituição em um sentido autoritário-presidencial, como supôs Meloni, quanto a de formar um governo sem contar com a mediação do resto do aparelho estatal e na pressão da burocracia da União Europeia.

O que está claro é que as politica do anterior governo Darghi, e, também, da centro esquerda, não fez mais que favorecer a ascensão da direita, sem constituir nenhuma alternativa apreciável em matéria de direitos, condições de vida da classe trabalhadora e dos pobres, repressão, nacionalismo e militarismo.

Não está claro, porém, em qual das muitas frentes de possíveis contrarreformas a direita começará a atacar, o que corre o risco de abalar seu já minoritário consenso (dada a abstenção!) na sociedade e nas próprias classes baixas, que Giorgia Meloni afirma defender, tendo vencido com o voto dos católicos mais intolerantes e reacionários, mas prometendo não tocar no direito ao aborto; e as políticas de "pouso zero"? Criar um governo estável que dure cinco anos será muito difícil, apesar dessa clara vitória eleitoral.

Apesar das declarações de “oposição intransigente” emitidas por Letta para o PD e por Conte para o M5S, está claro que a oposição social a este governo reacionário e patronal terá de ser construída sem apoio e referência aos partidos parlamentares, trabalhando para superar a crise vertical que as políticas das velhas (e novas) correntes reformistas geraram, levando à sua marginalização social.

Uma excelente resposta, nesse sentido, é a dos alunos do Instituto Manzoni de Milão, que hoje ocupam o centro para realizar uma assembleia plenária e discutir a situação e quais políticas exigir em sua luta contra o novo governo.




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