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MRT Minas Gerais faz formação teórica sobre luta negra e Marxismo

Confira como foi a formação sobre Questão Negra e Marxismo do MRT de Minas Gerais.

segunda-feira 18 de março | Edição do dia

Como forma de iniciar um ano de importantes batalhas para es estudantes e a classe trabalhadora, a regional do MRT de Minas Gerais organizou em fevereiro uma formação para toda a militância sobre Questão Negra e Marxismo.

As discussões buscaram estabelecer as bases marxistas da nossa visão sobre a Questão Negra, buscando uma maior apropriação do conjunto da militância sobre aspectos fundamentais da nossa reflexão teórica e política. Nos últimos anos, o partido veio elaborando muito sobre o tema, buscando contribuir para um resgate e maior apropriação do legado do marxismo revolucionário a respeito da luta negra, o que passou por novas elaborações como os livros Mulheres Negras e Marxismo, A Revolução e o Negro, o desenvolvimento das reflexões que já tinham sido apresentadas no livro Questão Negra, Marxismo e Classe Operária no Brasil, entre outras iniciativas como palestras, cursos de formação e principalmente a intervenção prática na luta de classes, atuando mais diversas lutas antirracistas que atravessaram o país e debatendo vivamente os desafios da luta negra em todo mundo.

O objetivo da formação foi de estabelecer as bases para que cada militante possa seguir se apropriando dos debates e reflexões sobre os desafios que temos nesse terreno, como um elemento chave para construir uma organização revolucionária trotskista no maior país negro fora do continente africano. Em particular, em Minas gerais, um estado marcado por distintas lutas contra a escravidão, no qual mais de 60% das população se declara negra.

Militante do MRT e da Faísca Revolucionária, Antônio expressou como as atividades formativas são cruciais para a atuação militante: “A sensação foi a mesma de sempre que rola uma formação ou plenárias da regional, que é de me sentir muito moralizado e ficar empolgado com o que temos pela frente. Fiquei pensando bastante coisas dps da formação e ela motivou bastante pensar a questão negra e trotskismo também”!

O primeiro dia da formação foi dividido em duas partes, sendo a primeira um debate conduzido por Leidilaine Miranda e Flávia Telles, fazendo um resgate histórico do surgimento do racismo e do preconceito contra o negro, ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista. A partir do debate de textos clássicos de marxistas revolucionários sobre esse tema, buscamos debater nossas diferenças com correntes teórico-políticas da atualidade como a interseccionalidade e a decoloniadade, aprofundando sob viés marxista a diferenciação entre as categorias opressão e exploração.

Para essas correntes, a classe aparece como apenas mais uma forma de opressão que se intersecciona com outras, como raça e gênero. Enquanto no marxismo, entendemos que a relação econômica dos antagonismos de classe, que na sociedade capitalista se simplifica gerando duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado, é qualitativamente diferente, relação essa que denominamos como exploração.

Para entender melhor tais diferenças, é preciso compreender que classe se define pelo papel ocupado no modo de produção. No modo de produção capitalista, o que demarca essa diferença é a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, os capitalistas, que as possuem, não precisam trabalhar para sobreviver, enquanto os trabalhadores, não as tendo, se veem obrigados a vender para quem os têm, sua força de trabalho. Já a categoria de opressão não alude a uma relação fundamentalmente econômica, mas social, definindo que existe uma relação de subordinação entre grupos sociais distintos, que pode ser relacionada à raça, etnia, gênero, religião, padrões culturais, sexualidade, território, que por processos históricos distintos passam a atribuir a determinados grupos desvantagens em relação a outros, usando para isso a ideia da diferença que se transforma em dominação de um grupo sobre outro. Dessa forma, podemos dizer que as mulheres, por exemplo, que em nossa sociedade carregam uma relação social de subordinação em relação aos homens, não são uma classe social. Pelo contrário, por serem um grupo social podem atravessar as distintas classes, já que sua posição em relação ao trabalho do ponto de vista da produção não é determinada pelo fato de ser mulher, mas pela classe social que ocupa junto a outros homens. Contudo, isso não quer dizer que não há relação entre exploração e opressão; é justamente a relação entre essas duas categorias que se tornou indispensável para a análise marxista da sociedade atual, bem como às perspectivas emancipatórias dos grupos oprimidos, exatamente o que buscamos aprofundar na discussão proposta para a formação.

O segundo momento do dia contou com a condução de Odete Assis e Pedro Viana que abordaram a relação fundamental entre luta negra e luta de classes e a necessidade da burguesia, a partir dessa relação, de criar teorias raciais, como branqueamento e a democracia racial, que buscam negar a identidade negra no Brasil, país de maioria negra. O que nos leva a refletir à luz dessas discussões o que significa hoje a afirmação da identidade negra, que tem na autodeclaração uma luta e conquista histórica do movimento negro contra o apagamento da identidade racial do povo negro em nosso país. Depois de anos do bolsonarismo como um questionamento à democracia racial pela direita, a entrada do governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin levou a um fortalecimento, em particular nas universidades de concepções mais institucionais e acadêmicas.

Um dos debates foi como ao calor de junho de 2013 e ligado a distintos processos de luta de classes dos trabalhadores mais precários, como as greves selvagens da construção civil, a luta das terceirizadas na USP e a greve dos garis do Rio de Janeiro e a forte onda de ocupações dos estudantes houve um processo muito forte de afirmação da identidade negra que teve sua expressão em distintos setores da sociedade. O que gerou uma resposta da burguesia por um lado despertando a ira dos setores mais racistas com o bolsonarismo e por outro, na tentativa de cooptação, institucionalização e regulação da identidade negra. Uma contradição que se expressa por exemplo nas profundas reformas neoliberais que atingem sobretudo a população negra, mas também nas bancas de heteroidentificação, na qual, diante da falta de acesso ao ensino superior público para todos os setores, o Estado precisa regular quem pode se declarar negro e ter acesso a esse direito. Essas questões proporcionaram um rico debate do conjunto da militância sobre o papel das bancas de hereteroifentificação e como os marxistas revolucionários batalham pela afirmação da identidade negra contra a regulação que o Estado capitalista tenta fazer para controlar a força de um país majoritariamente negro.

Nesse sentido, Thaís, também militante do MRT e do Movimento Nossa Classe, relata como a formação a tocou de forma sensível: “a relação racial no Brasil é muito complexa. Eu mesma sou negra de pele clara e descendente indígena. Mas durante a graduação tive várias crises de identidade, pois foi lá que negaram minha auto declaração pela primeira vez”. Ela destaca o desejo de reafirmar mais profundamente a sua identidade e com ela seguir construindo a história de luta do povo negro: “a formação foi muito boa, lembrar as lutas e como a questão negra está intrinsecamente ligada com o nascimento do capitalismo, que querem nos fazer esquecer da história e não nos reconhecermos justamente para nos enfraquecer, me deu mais ódio e força. Saí da formação impactadíssima, com a decisão de ser ainda mais sujeito e nunca mais deixar me tirarem quem sou”.

No segundo dia, Odete e Flávia Telles apresentaram um debate sobre a Teoria da Revolução Permanente e a Luta Negra fazendo uma retomada da tradição marxista sobre a luta negra, demonstrando como desde o início o pensamento do Marx, por se basear numa visão dialética da luta de classes, foi moldado também por uma profunda clareza da importância da luta contra a escravidão e a colonização. Fazendo esse resgate, discutimos a fragilidade de argumentações decoloniais que tentam deslegitimar o marxismo fazendo uma crítica ao “lugar de fala” de Marx como um branco europeu que teria pouca consciência de como seria a vida nas colônias.

Diante dos processos que se abriram na primavera dos povos, analisando a luta negra contra a escravidão nos EUA e o significado de levar a classe operária branca a se posicionar nessa luta, Marx mostrou como era fundamental a necessidade de organizar o partido da classe trabalhadora de forma independente e batalhar contra a divisão imposta pela burguesia entre brancos e negros, livres e escravizados. Apontamos como a visão de Marx naquele momento já se baseava numa ideia da revolução como um processo permanente de transformação da sociedade, mesmo antes de estarem colocadas as bases imperialistas que levou o capitalismo a um estágio superior, marcado pelas crises, guerras e revoluções, como definiu Lênin. E que os debates sobre a revolução russa deram continuidade a essas reflexões. Sendo que essa revolução foi um impulso para a luta dos povos colonizados internacionalmente, gerando as teses da internacional comunista da luta negra com um programa bastante avançado que até hoje se demonstra atual. Processo esse, contudo, interrompido pela degeneração stalinista que impôs uma série de derrotas à classe trabalhadora ao redor do mundo e que foi fortemente combatido por aqueles que se mantiveram firmes aos princípios da revolução permanente e que mais tarde foram a base do que veio a se tornar a Quarta Internacional, que, por sua vez, foi espaço de importantes elaborações sobre a luta negra, especialmente nos EUA e África do Sul.

Após a formação, Marcelo Lana, militante da Faísca Revolucionária e MRT, declarou sobre a sua participação: “acho que consegui compreender melhor o debate sobre questão racial e desligar essa parada que tinha de métrica para saber se a pessoa é negra ou não, e como que levar a frente o programa da hegemonia operária é uma alternativa de unificar a luta e fazer com que a classe trabalhadora consiga responder com um programa que leve a frente o combate à todas opressões”. É nessa linha que, como revolucionários, buscamos resgatar o melhor da tradição revolucionária, que tem seus fios de continuidade na tradição trotskista, e devemos, portanto, colocar a questão negra no centro do combate, sobretudo em um estado como Minas Gerais em que 60% da população se declara negra. As discussões feitas durante os dois dias de formação armam melhor o conjunto da militância para esse grande desafio e ajudam a colocar o partido na vanguarda das batalhas que são fundamentais para a classe trabalhadora.




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