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Mudança na Lei de Cotas | Quilombolas passam a ter direito às cotas, mas nova lei reduz renda familiar mínima e não garante cotas trans

Na última segunda-feira (12), Lula sancionou a nova lei de cotas, como resultado da luta do movimento negro, estudantil e quilombola, estudantes quilombolas passam a ter direito às cotas assim como estudantes ingressantes de escola pública, negros, indígenas e PCD. Dentro dessas mudanças quais são os próximos passos para garantir de fato o acesso do conjunto dos negros e pobres no ensino superior público?

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

sexta-feira 17 de novembro de 2023 | 20:43

A lei de cotas de 2012 previa sua revisão em 2022, dez anos após sua sanção, mas só foi votada em agosto deste ano pela Câmara dos Deputados. De lá, foi para o Senado no final de outubro que aprovou o texto sem alterar nada da proposta anterior. Durante esse processo a extrema-direita racista representada na figura de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), apresentou uma emenda para que mudasse integralmente o texto da nova lei de cotas, retirando a reserva de vagas para negros, indígenas e PCDs. Mas essa proposta foi derrotada.

Durante esses dez anos de implementação das cotas, não resta dúvida que a cara da universidade mudou. Se em 2010 o número de estudantes negros e indígenas nas universidades federais correspondiam a 42%, em 2020 subiu para 53%, segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) com base no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). A conquista da lei de cotas aumentou a proporção de estudantes de negros e indígenas em relação aos estudantes brancos na universidade como um todo (privadas e públicas), de 2016 para 2019 esse número foi de 45,9% para 49%, como mostram os dados do PNAD Educação, mas com o agravamento da crise econômica em meio a pandemia, em 2022 esse número caiu para 48%. Por isso, a defesa das cotas é fundamental, na medida que foram resultado da nossa luta e por isso devemos batalhar ainda mais pela ampliação do acesso de negros e indígenas dentro da universidade. E por uma universidade que esteja a serviço das necessidades dos trabalhadores e da juventude.

O novo texto segue com as conquistas históricas do movimento negro e do movimento estudantil que lutaram contra as reitorias e governos para garantir as ações afirmativas como forma de acesso ao ensino superior. Contudo, o que chama a atenção da nova lei de cotas sancionada por Lula é que por mais que inclua quilombolas, ela diminui a renda familiar mínima para que o estudante possa concorrer a essa vaga, ou seja, a renda per capita que era de R$1.980 reais passa a ser de R$1.320 reais. Ainda que a gente saiba que a situação de muitas pessoas tenha piorado muito nos últimos anos com todos os ataques e o aprofundamento da crise capitalista quando a solução encontrada para que essas pessoas possam ter acesso a universidade seja reduzir o valor da renda per capita, se por um lado para as famílias que recebem abaixo de um salário por pessoa não faz muita diferença. Mas para aquelas famílias trabalhadoras que recebem um pouco mais de um salário mínimo o acesso às cotas é negado, ou seja, na prática milhões de pessoas deixam de ter o direito conquistado por muita luta de acessar as ações afirmativas.

Na realidade, essa diminuição do teto da renda familiar não significa nenhum avanço na lei de cotas, pelo contrário, significa um retrocesso, já que na prática impede que famílias que ganhem mais que 1 salário mínimo ainda que sejam quilombolas, oriundas de escola pública, indígenas, negros e PCDs possam concorrer às reserva de vagas destina às cotas. Isso significa seguir com os métodos burocráticos estabelecidos pelas universidades para os trabalhadores e filhos dos trabalhadores acessarem à universidade e impedir que os estudantes tenham seu direito a cotas garantidos. Vários alunos espalhados pelo Brasil que em sua maioria são pobres e negros já tiveram seu direito a cotas negados consequência de toda essa burocratização. E não só isso, os cursos mais elitistas a proporção do número de vagas de cotas segue sendo inferior e isso continua intacto na nova Lei, na verdade isso expressa por outras vias a mão institucional do Estado negando o acesso dos negros no ensino público superior.

Não podemos desconectar isso do processo de sucateamento da universidade, a restrição ao acesso por meio das ações afirmativas na realidade vem junto com os cortes feitos por Bolsonaro e que o governo Lula-Alckmin manteve, dos próprios cortes à educação e institutos que fomentam pesquisa como os recentes cortes na CAPES feitos pelo governo federal. Esses cortes afetam diretamente a permanência estudantil, isto é, os estudantes cotistas além de ter que passar pelo vestibular, não têm condições de se manter na universidade.

Por isso é preciso se posicionar contra a estrutura de poder das universidades que por outras vias impedem as filhas e filhos da classe trabalhadora do acesso ao verdadeiro conhecimento que nossa classe produz ao longo da sua história de existência, além de precarizar os mecanismos de permanência estudantil. A universidade por ser a principal instituição de ensino da burguesia, ela carrega em si todas as contradições dessa sociedade. Um exemplo categórico desse aspecto são os currículos acadêmicos que negam constantemente no ensino as contribuições históricas da luta de classes dos negros, mulheres, LGBTQIAPN+ e dos povos indígenas. E a terceirização do trabalho, com uma maioria de trabalhadores negro e mulheres que realizam trabalhos essenciais para o funcionamento da universidade em condições extremamente precárias. Para lutar contra tudo isso, é preciso batalhar por uma estatuinte livre e soberana imposta pela luta entre trabalhadores e estudantes, para assim mudar radicalmente a lógica institucional e anti-democrática de funcionamento das universidades para que seja um espaço de conhecimento voltado aos nossos interesses e não a lógica produtivista capitalista.

Após a conquista das cotas precisamos unificar nossas bandeiras em defesa do acesso dos negros e pobres na universidade, por isso defendemos o fim do vestibular que é um filtro social e racista que exclui milhões de jovens do ensino superior, ao mesmo tempo defendemos a importância da ampliação das cotas raciais para o número de negros proporcional de cada estado. Além disso, é extremamente urgente e necessário lutar para que se estabeleça cotas trans, algo que a nova lei de cotas não inclui, o que é um completo absurdo e expressa o quanto a luta por conta trans tem que ser uma bandeira de todo movimento estudantil do Brasil, porque sabemos o quanto esse setor da nossa classe é extremamente negligenciado de humanidade e direitos. É toda uma geração que rompe com os padrões binários de gênero que são impostos socialmente, um elemento bem profundo da afirmação da identidade no capitalismo de um setor que sempre lutou por seus direitos, algo que ainda dá mais força na batalha pela implementação das cotas trans nas universidades.

É preciso seguir na luta por essa pauta que ultimamente tem sido uma bandeira forte do movimento estudantil, só assim o conjunto dos estudantes embandeirados dessa luta vai conseguir de fato arrancar esse direito pela força de sua mobilização.




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