×

COLUNA | Testa sem rugas?

terça-feira 7 de maio | Edição do dia

O brasileiro tem essa sabedoria de gingar diante dos problemas e driblar as desgraças. Quem conhece um pouco da nossa classe trabalhadora sabe que o samba é uma linguagem universal do país, e nesse estudo, com afinco, que muitos fazem nos pagodes do final de semana, se aprende a levantar a cabeça e dar a volta por cima.

Mas está difícil. Se você abre a janela e olha para fora, notícias terríveis sobre a Palestina permeiam a paisagem. Ou melhor, o cenário, que é de guerra e destruição. Israel começa a bombardear Rafah, último reduto para os palestinos na faixa de Gaza, sem opções de fuga (quase um terço dos 1,7 milhão que estão lá são crianças).

E se olhar um pouco para um lado ou outro, não muda muito a situação: segue a guerra na Ucrânia, Trump segue favorito nas eleições nos Estados Unidos (e o “opositor” é Biden, responsável de dar sustentação ao genocídio de Israel); na Argentina, Milei segue seus ataques draconianos.

O problema agora é que fechar a janela de maneira desesperada não melhora nosso quadro. Voltar-se para dentro é se deparar com a tragédia no Rio Grande do Sul. O cenário não é de guerra, mas também é de destruição. Ruas cheias de água, casas arrastadas, pessoas ilhadas, fome, frio, desespero. A sensação generalizada de ter sido negligenciado, abandonado pelos governos.

Escrevendo essas linhas de Recife, vi de perto a destruição das chuvas em uma cidade baseada em especulação imobiliária e desigualdade. Em 2022 foram 133 mortes na cidade. Agora, a 3 mil e 700 km, vemos o quadro da desgraça se repetir. A distância de um continente e a proximidade do descaso com a população só evidenciam uma coisa: o problema é estrutural, o capitalismo brasileiro.

O mais dramático é que a previsão dos próximos dias não é de fim do sofrimento, mas é de mais chuva, e onda de frio. Os problemas se agravam consideravelmente pelo aquecimento global, mas isso nada mais diz senão que os problemas do capitalismo brasileiro agora são agravados pela irracionalidade antiecológica do capitalismo internacional.

Uma pausa para respirar, abramos a janela de novo. Vasculhemos e reviremos a paisagem. Muita gente não notou, mas um espetáculo ocorria nos EUA: estudantes de dezenas de universidades em vários estados fizeram acampamentos nas universidades para exigir o fim do genocídio na Palestina. Repara bem nisso, não é um detalhe. Já se espalhou pela Europa e pode avançar em outros países. Analistas falam na maior ação anti-guerra internacional do movimento estudantil desde 1968. Na Palestina, foi emocionante ver atos organizados com jovens e crianças agradecendo aos estudantes de Colúmbia e da América pela solidariedade internacional.

Na Argentina de Milei, o ato das universidades arrastou um mar da população para as ruas, e também se falava em um dos maiores atos da história recente da Argentina (e talvez não tão recente). E aqui no Brasil, por difícil que esteja, não deixa de ser alentador ver trabalhadores da educação e professores fazendo greves, importantes em seu significado, de não aceitar a pressão do capital financeiro e do governo com seu arcabouço fiscal. Fazia tempo que não víamos mobilizações, debates, processos de politização, lutas iniciais antiburocráticas e muito do que se permite com a experiência de uma greve.

Os trabalhadores devem seguir a luta e esperamos que se expanda as ações internacionais do movimento estudantil. Infelizmente, essa semana, aqui no país, isso ficou um pouco ofuscado pelo sofrimento da população do Rio Grande do Sul. Como dizia Brecht naquele lindo poema "aos que virão depois de nós", que tempos sombrios são esses, em que uma fronte sem rugas denota insensibilidade.

Mais uma vez, a desigualdade estrutural, falta de recursos para os problemas urbanos, condições de vida e trabalho precárias, enfim, a negligência capitalista e perversa dos que sabem dos problemas que se avizinham e não fazem absolutamente nada para modificar as coisas, deixando a população à deriva, é a grande responsável da tragédia.

Contudo, dizia Brecht no poema, sabemos que também o ódio contra a baixeza endurece a voz. Atuar por toda a solidariedade às vítimas no imediato, mas reforçar o ânimo para tirar a única lição possível dessa tragédia: esse sistema de exploração, opressão e espoliação da população atingiu todos os seus limites. Melhoremos (com um pouco de ódio, que dizia o poeta) as formas de insistir nessa lição.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias