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TEORIA | Trotsky na Noruega e o silêncio imposto frente ao processo dos dezesseis

León Trotsky e Natália Sedova passaram por volta de dezoito meses na Noruega, na época, um país de somente três milhões de habitantes, após terem passado um período na França, posterior à Turquia. Uma vida de exílio após sua expulsão da União Sovética em fins de 1928. De junho de 1935 a setembro de 1936 viveu em Weksal, uma aldeia a 60 km de Oslo.

Raíssa CampachiCoordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH)

quinta-feira 5 de novembro de 2015 | 00:38

Casa em que Trotsky viveu com Natália na Noruega. Imagem retirada do World Socialist Web Site

Viviam, León e Natália, em uma residência designada pelo governo "socialista" (desde 1935) norueguês. A residência era de Knudsen, redator de uma folha operária. O casal Knudsen se tornou amigo de seus novos inquilinos, porém uma amizade que não tratava de assuntos políticos. Uma relação silenciosa e cordial, como descrevera Trotsky em seus escritos no livro Os Crimes de Stálin. O momento mais esperado e crucial do dia chegava com pacotes de jornais e cartas de toda parte do globo.

Como de praxe, na trajetória do velho revolucionário sem pátria, ele assinou o compromisso de não intervir na política interna do país. Apenas uma visita governamental foi feita a León: Martin Tranmael e o Ministro de Justiça Trygve Lie.
Em momentos de tranquilidade e saúde, trabalhava em A Revolução Traída: "[...] esforçando-[se] em explicar as causas do triunfo da burocracia sovética sobre o partido, sobre os sovietes e sobre o povo, e de esboçar as perspectivas de desenvolvimento ulterior da URSS" (TROTSKY, s/d, p.15). Em 5 de agosto de 1936 foram enviados os primeiros exemplares deste livro para tradutores americanos e franceses.

Em viagem com os Knudsen, no mesmo dia 5, sua residência sofre uma tentativa de invasão por cinco fascistas que planejam roubar documentos; segundo Trotsky, os invasores estariam ligados ao governo norueguês e aos "amigos" da GPU, Polícia Política da União Soviética. A filha do casal donos da casa tenta impedí-los de entrar, seu irmão mais novo faz alarde, chamando a atenção dos vizinhos, fato que deixa os fascistas alarmados e resulta na fuga destes, porém levando alguns papéis de fácil acesso que estavam em uma mesa. A polícia é acionada e, após saber do ocorrido, no início da viagem, tudo passa bem e os dois casais retomam as estradas em direção ao sul do país, onde deveriam passar duas semanas.

Esse ocorrido é crucial na história de sua estada no país, pois daí se desencadeará uma série de fatos.

Após a invasão, a 13 de agosto, se tem uma primeira ouvidoria com a presença do Chefe de Polícia Criminal de Oslo, os invasores e Trotsky; este, no papel de testemunha. Mas, como veremos, não tão testemunha assim. A vítima passa a acusado. Um advogado fascista exigia a culpabilidade de Trotsky por intrigas que poderiam levar a guerra à Noruega com outros países.

O Chefe da Polícia confirmou à imprensa, depois de amplas explicações por parte da testemunha, que esta não atuava contrária às leis ou interesses do país. Parecia o fim do incidente; mas era só o começo. Os invasores permaneciam em liberdade, sob a proteção democrática da Constituição.

A 14 de agosto dá a luz a "descoberta" do complô terrorista dos trotskistas e zinovievistas, uma acusação de Moscou de atividade contra-revolucionária. A vítima da incursão fascista passa a ser acusada de aliança com a Gestapo; a invasão se tornava uma visita amistosa. Dois casos, dois processos: de Moscou e de Oslo.

A notícia do fuzilamento dos acusados de Moscou chega ao revolucionário pelo rádio.
"A máquina internacional, fabricante de calúnias, se punha pouco a pouco em marcha". (Idem, p.22)

Novas regras para manter a permissão de continuar no país: não mais escrever sobre política atual nem dar entrevistas, ter toda sua correspondência revistada pela polícia. Trotsky deveria assinar tal documento com as novas regras, mas nega categoricamente.

Os acusados são soltos por agirem por imprudência: "coisas de jovens". O recente réu, que se recusara a assinar tais documentos, agora com pequenas alterações, sai do interrogatório de 27 de agosto com voz de prisão. León e Natália são levados ao cárcere privado em suas residências com a "proteção" de agentes fascistas.

A residência era preparada para o isolamento. Dava-se início ao cárcere privado; até mesmo a comida era levada sob vigilância.

Tudo era revistado e verificado. Pretendiam proibir a Trotsky sua atividade de escritor político. Poderia gozar da "liberdade" democrática norueguesa, desde que abandonasse sua missão revolucionária, sua atividade literária, desde que não mais escrevesse acerca da política mundial, desde que enterrasse toda a obra e o sentido de sua vida. Não podia fazê-lo; não o fez! Permaneceu em cárcere, podendo perder seu visto e ser entregue à GPU.

"Mas o que Stálin não havia ousado fazer em 1928, os ’socialistas’ noruegueses fizeram em 1936. Prenderam-me por haver recusado a abandonar uma atividade política que constitui o próprio sentido de minha vida." (Idem, p.28)

Não mais era a não interferência na vida política da Noruega. O profeta banido deveria renunciar a participação na vida política do planeta.

"Preparava-se ali para dar conhecimento ao mundo que eu trabalhava para a subversão dos sovietes, em conivência com os nazistas." (Idem, p.17)
Levi Davidovich Bronstein e Natália Sedova são impedidos de qualquer contato exterior; sem cartas, sem publicações, sem visitas e, no princípio, sem rádio.

Completa nulidade quanto aos fatos e acontecimentos mundiais. Sem a possibilidade de qualquer publicação sobre os processos dos 16, o qual teve início neste mesmo período de tempo. O governo "socialista" da Noruega não se continha em colaborar com a GPU e os decretos da burocracia stalinista. Faziam um favor tremendo ao infame e criminoso processo de Moscou.

Começam as falácias de sua ligação com Hitler e o nazismo: um absurdo acordo para destruir a União Soviética, acabar com o Estado operário, com os sovietes. Esse mesmo Hitler que Stálin viria a ser aliado.

Eis o grande circo dos processos de Moscou; no momento, o primeiro deles, o processo dos dezesseis, no qual velhos dirigentes bolcheviques viriam a ser fuzilados, dentre eles, Zinoviev e Kamenev. A burocracia soviética só poderia se manter em base ao terror stalinista.

Trotsky: nazista, imperialista, terrorista. Em sua defesa, nem uma linha, nem uma palavra pôde sair dele, o principal acusado, enquanto esteve internado no pretenso país "socialista"; um socialismo de causar asco a Marx, Engels e Lênin.

"Durante quatro meses, esses ministros, prodigalizando gestos de hipocrisia democrática, apertaram-me a garganta, para me impedir de protestar contra o maior crime que a História conhece". (Idem, p.35)

Este principal acusado e mencionado nos processos de Moscou não teve julgamento. Sua pessoa não foi convidada a um julgamento como os outros acusados que, obrigados a se passar por trotskistas e a dar informações falsas e criminosas, tiverem seu fim no fuzilamento. O papel do protagonista do processo era ser caluniado, desacreditado. Um processo que tornaria sua vida impossível (como se a GPU já não cumprisse tal papel com bastante eficácia); um processo para tornar inoperante seu papel na história, para que as portas de todos os países, mais uma vez, lhe fossem fechadas.

Centenas de fuzilados, velhos bolcheviques da Revolução de 1917 extirpados do mundo. Do processo dos 16, veio outro. Mais calúnias e mentiras, novas absurdas acusações, outra geração de fuzilados.

Trotsky tinha a seu favor a força das ideias marxistas e é por esse motivo que não bastava para Stálin, sua morte física. Era necessário matar suas ideias, seus antigos seguidores da oposição de esquerda da Terceira Internacional (a qual foi um dos fundadores), era preciso acabar com seu programa para o triunfo da revolução mundial, seu prestígio, sua figura de influência. Os processos tentaram cumprir esta função.

Era extremamente necessário convencer as massas que Trotsky trabalhava para o imperialismo; era necessário matar quem "sabia demais". Fez-se necessário exterminar todos os oposicionistas, mesmo que não fosse pelos seus verdadeiros crimes. Réus que eram facilmente convencidos, com armas na nuca, a confessar mentiras; não morriam por seus crimes, morriam por suas vergonhas. Confessavam pelo medo e por anos de humilhação.

O velho dirigente dos sovietes de Petrogrado, o comandante e criador do exército vermelho que levou o Estado Operário à vitória durante a guerra civil e invasão imperialista; esse revolucionário sem passaportes finalmente conseguiu um visto que o permitiria sair do cárcere privado na Noruega. Viveria no México.

Ele, que foi deportado, exilado e preso em tantos cantos do planeta, consegue sair do país que mais o censurou para terminar seu trabalho e preparar, para o mundo, sua defesa. Dar-se-á início à Comissão Dewey.

Dando fim ao seu período na Noruega onde viveu, como descreve com suas próprias palavras, uma vida quase pequeno-burguesa no início, devido a total exclusão, e de cárcere privado pelos "amigos" da União Soviética, embarca com Sedova a 28 de dezembro de 1936 no petroleiro Ruth rumo ao México. Após dias de viagem desembarcam no Porto de Tampico em nove de janeiro de 1937.

O profeta armado pelas ideias revolucionárias que dedicou sua vida numa luta constante contra os epígonos e pela conquista da revolução proletária mundial acabará seus dias no último país que lhe abriu as portas.


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