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EDITORIAL DO MRT | Arcabouço fiscal é símbolo de como a conciliação é o que abre espaço para a extrema direita, o que falta é um plano de luta

As últimas semanas foram marcadas pelas denúncias do hacker Walter Delgatti sobre Bolsonaro e toda a movimentação no regime político indicando possibilidades de sua prisão. Ao mesmo tempo, enquanto Lula viaja para o Encontro dos BRICs, avançam as tratativas do governo de Frente Ampla com o Centrão para avançar no plano que todos têm acordo: mais medidas de ajuste contra os trabalhadores e o povo pobre e agora a aprovação do arcabouço fiscal, o novo teto de gastos.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

terça-feira 22 de agosto de 2023 | Edição do dia

Atualizado às 21h01

Algo de cômico teve na cúpula de jornalistas da Globonews querendo “abraçar a história” na noite em que clamavam por dar a notícia da prisão de Bolsonaro. Foi a mesma imprensa que tanto fez pelo golpe institucional de 2016, afinal, sempre está alinhada com as agendas políticas que garantem os planos de ajustes mais coerentes para que os capitalistas sigam lucrando e a crise seja descarregada nas costas dos trabalhadores. Vimos um hacker da Shopee criar uma turbulência no país movendo o judiciário e o parlamento em mais uma CPI que supostamente “acabaria” com a extrema direita. Ainda que a acusação de Delgatti fosse séria, mas como se viu, por ora sem provas confirmadas, os indícios de que se possa avançar em uma prisão de Bolsonaro seguem colocados, inclusive pelas outras investigações em curso como as relacionadas a Mauro Cid e Wassef. Os inúmeros crimes de Bolsonaro e seus aliados estão mais do que claros, mas a decisão de prisão vai de acordo com as vontades deste podre regime político que, aumentando seu autoritarismo a galope, se utiliza de mecanismos bonapartistas a seu bel prazer de acordo com seus interesses. Conduções coercitivas, julgamentos sem provas, prisões arbitrárias, tudo isso vimos, por exemplo, quando foi necessário retirar do pleito o candidato mais popular, naquele então de 2018, Lula, abrindo espaço justamente para Bolsonaro. Que agora o STF, o Centrão, parte do Congresso e a Globo queiram se passar de “democratas” é apenas um dos capítulos farsescos da atual história brasileira, da qual infelizmente, parte da esquerda que se institucionalizou faz parte.

Enquanto isso, o fato é que a governabilidade de uma frente ampla que se alçou sobre a crise do bolsonarismo pós 8 de janeiro veio de algumas conquistas em suas alianças com o Centrão e, “quem diria”, com figuras da própria extrema direita como Tarcísio de Freitas. Que depois de aprovada a reforma tributária com o apoio deste bolsonarista, estas mesmas mãos tenham sido ensanguentadas pela chacina do Guarujá é uma comprovação cabal de que a conciliação abre espaço para a extrema direita. Em um cenário no qual, do ponto de vista da burguesia, as notícias na economia não são ruins, a amplitude desta frente permite seguir com toda a obra do governo anterior, a terra arrasada bolsonarista. E enquanto isso, Lula senta com os comandantes das Forças Armadas para oferecer mais de 52 bilhões do novo PAC aos militares que deram sustentação ao bolsonarismo, e blinda os generais. Até o momento a única coisa que não é promessa, e sim bem real, é a não revogação da reforma trabalhista, da reforma da previdência, da lei da terceirização irrestrita e da reforma do ensino médio. No bojo dessas reformas que destroçam a vida da classe trabalhadora e da juventude, se alça o arcabouço fiscal de Fernando Haddad, Ministro da Economia de Lula elogiado pelo New York Times. Um novo teto de gastos, agora aprovado pela Câmara dos Deputados aguardando sanção presidencial, que terá como objetivo precarizar ainda mais a vida da população já que diminuirá os recursos para serviços básicos. Para completar o pacote de ataques não é descartado que o reacionário Marco Temporal, um ataque histórico às terras indígenas, seja aprovado antes do fim de agosto, para a alegria das elites econômicas e latifundiárias brasileiras. Tudo isso no contexto do brutal assassinato de Bernadete Pacífico, referência na luta pelos direitos dos quilombolas, que teve sua vida tirada em seu próprio terreiro, no estado da Bahia, que possui um dos maiores níveis de mortalidade policial do mundo e é governado pelo PT desde 2007.

Nesta última semana o governo avançou nas negociatas com Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados e líder do Centrão, o que recolocou em cena o Arcabouço Fiscal, recém aprovado. Para isso despejou milhões do orçamento para esse setor e ainda promete ministérios para setores relacionados como o Republicanos de Tarcísio, além do próprio PL de Lira. O governo precisava aprovar antes de 31 de agosto o arcabouço, do contrário teria que se submeter ao teto de gastos de Temer, o que colocaria em risco os planos com o novo PAC de Lula, carro chefe do plano econômico do governo. Há muitas indicações de que os acordos envolveram, mais uma vez e como sempre, o famoso “toma lá dá cá” com garantias de Ministérios também para outros partidos do Centrão, cada vez mais próximos do governo.

O PSOL, que não organizou absolutamente nenhuma luta contra o arcabouço fiscal e foi conivente com as burocracias sindicais que impediram essa luta, agora quer cobrir pela esquerda o governo cantando como vitória a retirada do Fundeb para esconder que hoje se aprova um grande ataque do governo do qual fazem parte, o Arcabouço Fiscal, este novo teto de gastos neoliberal.

A contracara disso é o papel criminoso das burocracias sindicais que atuam como braço do governo no movimento operário para apaziguar os trabalhadores diante da precarização do trabalho, do arrocho salarial, das péssimas condições de trabalho e das reformas e novos ataques, buscando em troca algum nível de restituição do imposto sindical. E sobre os crimes de Bolsonaro e sua corja querem fazer crer que figuras tão nefastas como Alexandre de Moraes “farão justiça” ou então o Ministro Barroso, inimigo da enfermagem muito bem escorraçado pela juventude Faísca no último Congresso da UNE.

Em alguns estados essa política se mostra claramente. Em Pernambuco é possível que se avance em uma primeira grande privatização diretamente do governo Lula com a entrega do Metrô de Recife, assim como terminaram de efetivar em Belo Horizonte. Mas com o aliado Tarcísio, aquele que ajudou com a Reforma Tributária, comemorada também por Guilherme Boulos do PSOL, estamos vendo a tentativa de um ataque histórico em São Paulo contra os bastiões dos serviços públicos: querem privatizar a água, o trem e o metrô entregando a Sabesp, a CPTM e o Metrô de São Paulo, além de todos os ataques as escolas já que os professores são um inimigo prioritário dos governos de extrema direita. O novo Arcabouço Fiscal impulsiona também privatizações. O grande ausente neste cenário político nacional é a luta de classes, mas não por responsabilidade de nossa classe que desde o começo do ano ensaiou importantes lutas como a do Metrô de São Paulo, dos professores do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Amazonas e outros estados, da enfermagem em todo o país, dos terceirizados no Rio Grande do Norte. Mas sim por responsabilidade das burocracias sindicais, e com a cumplicidade da esquerda que se institucionalizou e abraçou essas burocracias entrando nas chapas junto com os líderes burocráticos que impedem as nossas lutas. Este semestre será marcado por Congressos, por exemplo, dos professores de São Paulo, em um dos maiores sindicatos da América Latina, um Congresso que poderia se alçar como um ponto de apoio para toda a classe trabalhadora paulistana, expressando uma vanguarda de luta que lançasse um plano por uma paralisação nacional. Mas a direção da APEOESP, composta pelo PT e correntes do PSOL como Resistência e MES, além do PCB, fará um Congresso em Piracicaba, cidade onde a “segunda presidente” do Sindicato, a burocrata Bebel, será candidata a prefeita. Para bom entendedor, meia palavra basta.

A aprovação do arcabouço fiscal coloca com urgência uma saída independente. A esquerda que não se entregou para o governo Lula-Alckmin do governo está neste momento em maior isolamento e desorganizada também por responsabilidade de correntes que não têm o objetivo de articular os setores da vanguarda que lutam pela independência de classe. Neste marco é um grande alento que em Santo André o Encontro Regional na Subsede da APEOESP tenha reunido dezenas de professores e a Oposição Combativa Unificada, encabeçada pela Coordenadora da Subsede Maíra Machado, tenha ganhado por ampla maioria a eleição de delegados para o Congresso da APEOESP com propostas para a articulação de uma vanguarda com independência de classe, votando uma Carta de Santo André direcionada não somente ao Congresso, mas ao conjunto dos trabalhadores. Uma carta exigindo um plano de luta imediato, chamando à unidade das categorias, a coordenar os trabalhadores para uma resposta da nossa classe desde baixo. Revogar as reformas, derrotar as privatizações, revogar o arcabouço fiscal e lutar pelo direitos da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres, negros e indígenas também com uma grande campanha com um Manifesto contra a terceirização do trabalho que já conta com 5 mil assinaturas.

Esta Carta pode ser usada de exemplo para rearticular a luta e impulsionar a auto-organização dos trabalhadores para enfrentar o freio que colocam as burocracias sindicais exigindo que se movimentem e organizem de fato um plano de mobilização real. Não há nenhum outro caminho que não seja organizar a força da classe trabalhadora e dos oprimidos para a luta de classes, não há nenhum atalho que não termine mais uma vez abrindo espaço para a extrema direita, como também estamos vendo na Argentina com a ascensão da extrema direita liberal com Javier Milei fruto da decadência peronista/kirchnerista que entrega o país para o FMI. Na Argentina, entretanto, existe uma alternativa da esquerda revolucionária com a candidatura de Myriam Bregman presidente e Nicolas Del Caño vice-presidente pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade, com um programa para que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

É nesta perspectiva que o MRT e o Esquerda Diário vêm atuando também em distintos locais de trabalho e universidades, com as Assembleias Comunistas da Juventude Faísca Revolucionária e com todas as iniciativas do “mês Trotski” mostrando que o trotskismo hoje deve ser uma força de independência de classe que se coloca na perspectiva da luta independente da classe trabalhadora resgatando o melhor da nossa tradição para fazer viva essa alternativa revolucionária.




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