Presidente da Argentina, Alberto Fernández, em visita do premiê da Espanha ao país, deu uma declaração racista e eugenista: “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós, argentinos, chegamos em barcos. E eram barcos que vieram daí, da Europa, e assim construímos nossa sociedade”.
quarta-feira 9 de junho de 2021 | Edição do dia
Declaração reforça mito eugenista de “pureza” racial dos argentinos, nega genocídio dos indígenas e configura enorme ofensa aos povos originários. A intenção de Fernández, além de apagar povos inteiros da história nacional, era a de ajoelhar perante a “realeza” espanhola e bajular o “presidente do Reino da Espanha” (nas palavras de Fernández).
Essa visão de que os argentinos são todos europeus, ou algo que o valha, não vem de hoje. O predecessor de Alberto Fernández, Mauricio Macri, afirmou em 2018, no fórum de Davos, que na América do Sul “somos todos descendentes de europeus”. Os povos Mapuches, Tehuelches, Charruas e tantos outros povos originários inexistem na narrativa de formação nacional de Macri (e aparentemente de Fernández também). Mais um ponto para a lista de convergências entre kirchneristas e direitistas da polícia argentina.
Mas a visão racista de que a Argentina descende exclusivamente de europeus, apagando a existência de povos originários (e também de negros africanos), não vem de Macri ou do kirchnerista Fernández, ela é antiga. Desde o século XIX dizia-se que Buenos Aires era a capital “mais europeia da América Latina” (mesmo com o contrastante número de 30% da população portenha ser negra, como mostra o também portenho Miguel Rosenzvit). O ex-presidente Domingo Faustino Sarmiento, homenageado em ruas e praças de toda a Argentina até hoje, defendia o “embranquecimento” na Argentina para desenvolver o país. Ou seja, o racismo, o apagamento de culturas e etnias distintas das europeias, a visão eugenista de que o europeu é superior, todas essas visões não são exclusividades de Alberto Fernández, elas estão profundamente calcadas no pensamento da elite argentina. E ainda sobra para os brasileiros que, selvagens, teriam fundado sua sociedade na bárbara selva, muito diferente do civilizado "barco".
O que chama atenção nesse episódio envolvendo o kirchnerista é o silêncio da esquerda brasileira que outrora aplaudia o governo de Fernández como uma salvação para a Argentina. Apesar de suas diferenças com a direita macrista, o kirchnerismo nunca representou os trabalhadores, os mais pobres e os povos tradicionais do território argentino, e sim os interesses dos grandes capitalistas.
Alejandro Vilca, gari, deputado estadual em Jujuy pelo PTS na Frente de Esquerda e indígena coya, respondeu ao presidente no twitter:
"Sr Presidente Alberto Fernández, meu sobrenome Vilca, como o de milhões, não veio da Europa, sou orgulhosamente coya. Suas palavras são uma ofensa aos povos originários"
Sr Presidente @alferdez, mi apellido Vilca, como el de millones, no vino de Europa, soy orgullosamente coya. Sus palabras son una ofensa a los pueblos originarios pic.twitter.com/iOIYp14p6q
— Alejandro Vilca (@vilcalejandro) June 9, 2021
Confiram entrevista de Alejandro Vilca: