×

Conciliação de classes e demagogia | Marco temporal, aprovado com apoio da base do Governo e sancionado por Lula, já impacta na demarcação de novos territórios

Sônia Guajajara, do PSOL, ministra do governo Lula, tenta justificar a inversão na promessa de governo afirmando que a adoção do marco temporal leva a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), responsável pela demarcação, a reavaliar parte dos cerca de 760 procedimentos em curso no órgão, travando o processo por conta da necessidade de analisar caso a caso.

segunda-feira 15 de abril | Edição do dia

O marco temporal, que entre outras determinações, define que só serão reconhecidas pelo governo federal como terras indígenas os territórios demarcados antes da data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, como se os povos originários já não vivessem nesta áreas mesmo antes do mal chamado “descobrimento do Brasil”. Foi aprovado como lei, na câmara dos deputados em dezembro, com enorme peso da bancada ruralista que integra a frente ampla Lula-Alckmin, apesar da rejeição da lei pelo STF em setembro, que considerou o marco temporal inconstitucional, o que acabou gerando um imbróglio jurídico com três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Paralelamente, a bancada ruralista articula proposta para incluir o marco temporal na Constituição, o que faria o STF ter que passar a considerá-lo em suas decisões.

Apesar da inconstitucionalidade da lei, e do impasse criado pelo não reconhecimento dela pelo STF, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, revela que a adoção do marco temporal levou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), responsável pela demarcação, a reavaliar, de forma absurda, parte dos cerca de 760 procedimentos em curso no órgão. Segundo Guajajara, a lei acaba travando parte do processo por conta dessa necessidade de analisar caso a caso, mas as demarcações não ficariam impedidas pela lei porque são uma previsão constitucional.

Na prática, como admitido pela própria ministra, a promessa do governo Lula-Alckmin de demarcar todas as terras indígenas, antes do fim de seu mandato, se torna impossível. Como declarado pela Guajajara: “Não dá para eu, enquanto ministra, garantir que em dois anos e oito meses se vá demarcar todas as terras indígenas no Brasil, uma vez que o passivo é muito grande”. A ministra afirma que a Funai não possui gente suficiente para fazer os estudos. Dessa maneira, o reconhecimento de novos territórios indígenas ocorre, mas de forma extremamente atravancada. Das 14 áreas prontas para homologação que garante o procedimento demarcatório elaborada em 2022 pelo governo de transição, apenas 8 foram concluídas em 2023. Ainda que o Ministério dos Povos Indígenas afirme que as 6 áreas restantes não podem ser afetadas pelo marco temporal por terem suas portarias declaratórias publicadas antes da norma entrar em vigor, elas ainda aguardam o aval do presidente Lula para serem demarcadas.

O que fica claro, é toda a demagogia do governo petista, assim como a do PSOL ao integrar a frente ampla Lula-Alckmin, que antes das eleições prometeu aos povos indígenas a defesa de seus direitos através do enfrentamento aos interesses do agronegócio, mas que agora fortalece politicamente esse setor reacionário mantendo seus representantes bolsonaristas, enquanto financia esses latifundiários através de um Plano Safra recorde de 340 bilhões.

A hipocrisia do governo federal com as demandas indígenas, em sua política de conciliação de classes com a extrema-direita, que tem também na bancada do boi seus representantes, se torna ainda mais evidente quando o governo busca diminuir os atritos com o agronegócio, através de proposta rechaçada pelos povos indígenas, viabilizando um modelo para indenizar proprietários de imóveis incidentes sobre essas terras pelo valor do terreno, a chamada “terra nua”, e não apenas pelas benfeitorias realizadas na propriedade, como por exemplo a construção de casas ou cercas, como determina atualmente a Constituição. Apesar da resistência dos povos originários contra a proposta, a ministra Guajajara a defende como um caminho que supostamente garantiria o direito constitucional desses povos e afirma que tem buscado os recursos para indenização aos latifundiários em conversas com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, conhecida por sua notória atuação anti-indígenas, e vinda de uma família de oligarcas e latifundiária do Mato Grosso Sul, sendo herdeira de terras em um dos lugares onde mais existem conflitos entre indígenas e latifundiários.

Fica explícito o quanto a política de conciliação de classe da Frente Ampla Lula-Alckmin se trata na verdade do balcão de negócios da burguesia golpista de nosso país que condena nossa economia ao atraso e dependência dos países imperialistas, impondo derrotas e ataques aos trabalhadores e setores mais oprimidos, assim como para o meio ambiente.

Também verificamos o quanto não podemos contar com o STF, que teve atuação determinante para garantir o golpe de 2016 e o fortalecimento da extrema-direita e dos latifundiários, e agora não age de forma a impedir de fato que o marco temporal impeça a demarcação de territórios indígenas de acordo com o que é de fato justo para esses povos e para o fim do desmatamento nessas áreas como é de necessidade para toda a humanidade. Tão pouco podemos contar com o PSOL que se mostra totalmente adaptado ao regime que nos ataca inconstitucionalmente, integrando essa frente-ampla em aliança com a extrema-direita numa completa inocuidade na luta pela revogação, não apenas do marco temporal, como também de todas as reformas golpistas, como a trabalhista, previdenciário e o Novo Ensino Médio, assim como o Arcabouço Fiscal que enriquece banqueiros enquanto a imensa maioria dos brasileiros amarga sofrimentos e mortes inumeráveis através de todos os ataques neoliberais em meio aos desdobramentos da crise capitalista. Nesse sentido, precisamos ter claro que só é possível lutar contra os ataques contra indígenas e meio ambiente através da união entre classe trabalhadora e povos originários, e demais setores oprimidos, construindo auto organizando de forma independente dos governos e empresários para exigir das grandes centrais sindicais, dirigidas hoje por burocratas do PT e PCdoB a exemplo da CUT e da CTB, que convoquem assembleias em cada categoria pelo chamado à luta pela causa indígena e ambiental.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias