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UFRGS | Qual o futuro das humanidades na UFRGS frente ao Novo Ensino Médio?

A reforma do ensino médio entrou como uma verdadeira bomba reacionária nas escolas e universidades. Nas escolas ataca o pensamento crítico, diminui os períodos de aula de humanidades e precariza o trabalho dos professores; no ensino superior, causa um forte impacto para os cursos de humanas. Na UFRGS, a situação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), que vai desde problemas estruturais até o esvaziamento das salas de aula, é consequência do mesmo projeto de sociedade que está por trás do Novo Ensino Médio: reforçar os pilares da ideologia neoliberal e os interesses privados na educação.

Giovana PozziEstudante de história na UFRGS

Gabriela MuellerEstudante de História da UFRGS

quinta-feira 5 de outubro de 2023 | Edição do dia

A taxa de ingressantes no IFCH da UFRGS, instituto que abriga os cursos de Filosofia, História, Ciências Sociais e Políticas Públicas, decaiu mais da metade de 2020 a 2022, passando de 545 ingressantes em 2020, para 261 em 2022. O que reside por trás dessa grande diminuição da quantidade de ingressantes é o desenvolvimento da crise capitalista aprofundada pela pandemia e somada às reformas desde o golpe de 2016, que precarizou a vida de diversos jovens que se viram tendo que escolher entre trabalhar ou estudar, causando uma enorme evasão nas escolas e tornando ainda mais distante o difícil sonho de estudar em uma universidade pública. O Novo Ensino Médio vem para coroar esse projeto neoliberal e decadente de sociedade.

Ao furar o filtro social do vestibular e entrar na UFRGS, as dificuldades de permanência já se apresentam como obstáculos para os alunos. Seja porque não há cursos noturnos para os estudantes trabalhadores, seja porque não há ofertas de bolsa-permanência suficientes, dada a situação dramática orçamentária das universidades federais, seja porque, eventualmente, a reitoria interventora bolsonarista de Bulhões decide arbitrariamente desligar os cotistas. Mesmo assim, considerando que se consiga transpor todas essas barreiras, o fantasma da falta de perspectiva de emprego torna-se cada vez mais concreto, particularmente para os cursos do IFCH. Nesse ano, por exemplo, o governo Leite publicou um edital de concurso público para professor estadual em que não constava nenhuma área das ciências humanas e das artes. Isso depois de anos sem concurso, concretizando o que já era previsto como consequência da reforma do ensino médio nas escolas: um ataque central à área das ciências humanas, com o objetivo de concretizar um projeto de educação com valores meritocráticos, empresariais e neoliberais, ensinando os jovens a confirmarem-se com um futuro sem direitos, no lugar de desenvolver as potencialidades e o pensamento crítico dos jovens.

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Os objetivos da Reforma do Ensino Médio ficam mais claros quando lembramos que foi aprovada no bojo dos ataques pós-golpe de 2016, que marcou um giro à direita na situação política do país, e o Novo Ensino Médio vem para consagrar os interesses dos empresários e banqueiros na educação, em consonância com um projeto de sociedade sem direitos sociais, com trabalhos cada vez mais precários, formando uma tríade perfeita com a reforma trabalhista e a reforma da previdência. Cada sociedade precisa de um projeto de educação que lhe corresponda, nesse caso, uma educação reservada às elites, em que a juventude negra e periférica fique fadada ou a pedalar numa bicicleta sem direitos ou a morrer com a bala da polícia, para satisfazer a insaciável sede de lucro dos capitalistas.

Na universidade, mesmo antes do golpe de 2016, cortes orçamentários já ocorriam, com as reitorias administrando esses cortes nos setores mais precários na universidade e, claro, nos cursos de humanas. Afinal, a quem interessa saber que os negros escravizados no Brasil foram protagonistas de importantes insurreições? ou que as revoluções confirmam a tese marxista de que a história da humanidade é a história da luta de classes? A quem interessa compreender a gênese da sociedade em que vivemos, seu funcionamento e suas tendências de desenvolvimento? Para os empresários da educação, que têm seus interesses muito bem representados pela reitoria bolsonarista de Bulhões e Pranke, e também por toda burocracia universitária que controla as pró-reitorias e o CONSUN, é mais importante direcionar a verba para iniciativas que beneficiem empresas. Exemplo disso é a longa relação que a UFRGS mantém com a Tramontina e a Gerdau, que utilizam a estrutura pública e a mão de obra gratuita dos estudantes para pesquisar como essas empresas podem lucrar mais. Também por isso a reitoria recentemente enviou email para os alunos ajudarem a UFRGS a ser bem avaliada para entrar no ranking de “universidades empreendedoras” de 2023.

Vejamos então como a trama de ataques às humanas é bem articulada e faz parte de um projeto maior de precarização da educação pública. Por um lado, uma crise orçamentária aberta que se arrasta há quase uma década e uma reitoria que descarrega os cortes diretamente nos setores mais precarizados e nos cursos de humanas e artes; por outro, uma reforma do Ensino Médio que retira a obrigatoriedade das disciplinas de humanas no ensino básico, priorizando itinerários formativas ao gosto da farsa empreendedora meritocrática; e somado a tudo isso, ainda temos o braço direito de Bulhões e da ideologia neoliberal reacionária que atua por baixo, os cachorrinhos do MBL que atacam os centros de organização estudantil, como vimos recentemente na UFRGS e em outras universidades. Ou seja, é um duro ataque ao mesmo tempo material e ideológico que busca minar o sentido de existência dos cursos de humanas, responsáveis por boa parte da produção crítica sobre nossa sociedade, para que a juventude aceite calada um futuro de miséria e precarização. Enquanto isso acontece, na UFRGS a reitoria de Bulhões e Pranke se encarrega de demitir terceirizados, desligar cotistas e perseguir os que lutam, com processos disciplinares e judiciais contra alunos, professores e técnicos que se envolvem com algum tipo de luta e mobilização, tentando amedrontar e desmoralizar aqueles que se mobilizam contra todo esse projeto. Deixam, assim, mais nítido que a luz do dia os interesses privatizantes e anti movimento estudantil que ligam a reitoria interventora ao MBL e, esses, aos objetivos do novo ensino médio.

Em defesa dos cursos de humanas e contra a precarização da educação pública, é preciso lutar pela revogação imediata e integral do Novo Ensino Médio!

É tarefa número 1 de quem defende a educação pública lutar pela imediata revogação integral do Novo Ensino Médio. O governo Lula-Alckmin e o Ministério da Educação já deixaram bem expresso que não irão revogar o NEM, comprovando de que lado estão nessa luta: dos grandes empresários da educação e Lehmann, que agora terá o controle de R$6 bilhões de orçamento do MEC. Do outro lado, há muita indignação no chão das escolas e nas universidades, em particular no IFCH, com o NEM. Por isso, precisamos transformar essa indignação em luta com uma estratégia para vencer.

As fortes greves na USP, que se estendem há uma semana, e agora também na Unicamp, aprovada em uma assembleia com milhares de estudantes, aponta o caminho para os estudantes arrancarem suas demandas e defenderem a educação pública! Contra a precarização das universidades e da permanência estudantil, os estudantes das estaduais paulistas estão dando um forte exemplo, se enfrentando com o projeto de precarização que busca justamente adequar às universidades às regras do Novo Ensino Médio, abrindo cada vez mais espaço para a iniciativa privada enquanto sucateia os cursos de humanas. Em particular na Unicamp os estudantes mostram como precisamos nos enfrentar contra as expressões mais degeneradas da extrema-direita, aprovando greve massiva após um professores ameaçar com faca um estudante que estava convocando os alunos ao piquete de paralisação.

Esse caminho de mobilização deve servir de exemplo para os estudantes da UFRGS, o que vai na contramão de como o DCE atuou nesse último ano com a gestão da UJC/PCB. Não tivemos sequer uma assembleia geral nos últimos 8 meses, deixando passar batido situações absurdas de desligamentos, invasões da direita, perseguições da reitoria e inclusive ignorando importantes processos de luta que poderiam ser um ponto de apoio para nossa mobilização, como foi o processo da greve da Trensurb. Essa paralisia e recusa em organizar os estudantes pela base, que se repete em grande medida nos CAs dirigidos pela UJC, como é o CHIST e o CECS, é consequência dos processos de crise interna do PCB mas, sobretudo, da política adaptada desse partido às burocracias estudantis do PT e PCdoB/UJS, que dirigem a UNE e que atuam como um braço do governo, garantindo que não haja qualquer mobilização dos estudantes pela revogação do Novo Ensino Médio, até porque é o próprio MEC de Camilo Santana que abriga os entusiastas e idealizadores desse projeto.

Não podemos aceitar que nosso futuro seja pedalar em uma bicicleta, trabalhar de forma precária, sem direitos, ou dar aula de “empreendedorismo” nas escolas. As eleições estudantis para DCE se aproximam, e o que vai estar em jogo é como nossa principal entidade estudantil pode ser um propulsor da luta e da organização dos estudantes, preparando o movimento estudantil para estar à altura dos atuais desafios para derrubar o Novo Ensino Médio de uma vez por todas, varrer da UFRGS o MBL e todas as suas variantes e batalhar pela total recomposição do orçamento das universidades federais. Isso só pode ser levado a frente sem nenhuma confiança no governo Lula-Alckmin que mantém as reformas, passa medidas de ataque como é o arcabouço fiscal e concede cada vez mais espaço à direita e ao centrão nos ministérios. É por isso que precisamos de uma esquerda que batalhe de fato por entidades estudantis combativas, que estejam aliadas aos trabalhadores e que sejam independentes das reitorias, instituições do regime e do governo de frente ampla e não que se adaptem a ele, como faz o PSOL, estando diretamente no governo, e como fazem UP e PCB, ao não apresentarem uma política alternativa.

Ao contrário de formar profissionais que irão ficar sem emprego ou terão que ensinar os jovens a serem “empreendedores de si”, conformando-se com um futuro sem perspectivas, as ciências humanas poderiam cumprir um papel fundamental em fomentar uma visão crítica da sociedade, auxiliando na resolução de grandes problemas sociais do nosso tempo. Frente a situação de desastre capitalista que assola o Rio Grande do Sul com enchentes, ciclones e chuvas, que já desabrigou milhares e matou dezenas, as ciências humanas poderiam realizar estudos das regiões afetadas com base no histórico social delas, poderiam pensar em estratégias de reconstrução das comunidades afetadas junto de outras áreas do conhecimento da universidade, voltando toda a sua produção científica e sua tecnologia para pôr de pé, junto aos trabalhadores, um plano de emergência.

Para isso, no entanto, é fundamental batalhar por uma outra tradição de movimento estudantil, que esteja apoiado em assembleias de base, em que os estudantes discutam em cada curso, em cada local de estudo, ao lado dos trabalhadores, como se organizar para derrotar o novo ensino médio, bem como varrer a direita da universidade, lutando por uma universidade que esteja de fato à serviço dos trabalhadores e da população pobre, que abra um futuro digno para a juventude e os trabalhadores. Nós da Faísca Revolucionária atuamos em diversas universidades pelo país, com centro na necessidade da auto organização dos estudantes contra as reitorias e governos, para abrir caminho para uma sociedade digna, livre das garras da exploração, onde as escolas e universidades sirvam para desenvolver ao máximo as capacidades humanas à serviço de elevar o nível de vida das massas numa sociedade livre, uma sociedade comunista.




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