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Reflexões sobre o frágil regime democrático (para os ricos) brasileiro- 2 parte

A queda da ditadura civil-militar no Brasil na década de 80 marcou o início de um novo período "democrático", o mais longo e estável da história do país, aquele em que os elementos da democracia burguesa se estenderam o mais amplamente (o que apenas mostra o quão restrita e limitada é essa democracia, que só é real e efetiva para os patrões e os ricos).

domingo 19 de abril de 2015 | 00:30

Esse texto é uma continuação do debate aberto nesse artigo:
http://www.esquerdadiario.com.br/Reflexoes-sobre-o-fragil-regime-democratico-para-os-ricos-brasileiro-Parte-1

O regime que surgiu com o fim da ditadura civil-militar

A queda da ditadura civil-militar no Brasil na década de 80 marcou o início de um novo período "democrático", o mais longo e estável da história do país, aquele em que os elementos da democracia burguesa se estenderam o mais amplamente (o que apenas mostra o quão restrita e limitada é essa democracia, que só é real e efetiva para os patrões e os ricos).

O novo regime que se construiu é expressão e síntese de diversos fenômenos contraditórios que estavam acontecendo em nosso país e no mundo naquele momento e sua própria estruturação é reflexo dessas contradições.

No Brasil vivemos um dos maiores ascensos da classe trabalhadora na história do país, com eixo no ABC paulista, mas que se estende na prática a todos seus centros operários, movimento que fez tremer a classe dominante e que fez com que ela tivesse que assumir uma forma democrática para sua ditadura de classe, para mascarar sua dominação com formas mais palatáveis (pelo engano) aos trabalhadores.

O país passava então por uma profunda crise econômica, assim como diversos outros países periféricos, fruto dos limites do modelo de dominação estadunidense vigente, o que colocava em crise a economia de vários países latino-americanos.

No plano internacional, após um ascenso de lutas operárias e populares, começa uma contraofensiva conservadora, que no final da década de 80 terá seu auge, com a queda dos antigos estados operários, o que marcará uma profunda derrota para nossa classe e desatará o processo da restauração burguesa, onde a patronal lança uma ampla ofensiva contra todas as conquistas anteriores da classe operária e dos setores populares, tanto no campo dos direitos sociais (direitos trabalhistas, etc) quanto no campo moral, com a ofensiva de uma ideologia individualista, egocentrada, consumista, etc.

É no marco dessas contradições que devemos entender o novo regime que constrói a classe dominante brasileira para sustentar sua dominação.

A ditadura-civil militar de 64

A ditadura que se construiu em 64 teve como função central para a burguesia acabar com o forte ascenso operário e popular que estava se gestando desde o começo da década de 60. As ligas camponesas, lutando por reforma agrária, as greves operárias, dirigidas pela CGT, os conflitos dentro do exército, eram todos elementos que se chocavam fortemente com o regime constituído até aquele momento pela classe dominante. Some-se a isso a presidência de João Goulart, seus traços populistas e nacionalistas, que não devem ser exagerados, mas também não podem ser ignorados, e teremos uma situação que era insustentável para a manutenção da dominação de classe da burguesia e que teria que ser resolvida na luta, pela direita ou pela esquerda.

A maneira como foi resolvida a questão, como se superou a instabilidade política daquele momento, que desembocava já numa crise revolucionária, é muito conhecida de todos; fruto da falta de uma direção consciente e decidida os trabalhadores deixaram passar uma situação propícia para sua ação e entregaram praticamente sem lutas suas posições anteriores.

A ditadura serviu, assim, como método de guerra-civil empregado pela classe dominante brasileira para eliminar todos os elementos de organização dos trabalhadores que tinham sido construídos naquele período. Torturas, mortes, desaparecimentos de militantes foram só algumas das formas utilizadas pelos militares para acabar com os setores mais avançados dos trabalhadores e oprimidos.

Não é pretensão desse pequeno artigo se aprofundar numa caracterização da ditadura no Brasil, basta pensarmos que cada momento do seu desenvolvimento foi uma resposta a agudização dos conflitos sociais, com seus diferentes atos institucionais sendo expressão da necessidade do regime de reprimir mais fortemente a população.

A estrutura institucional que se formou tinha como função dar uma máscara de legalidade, de institucionalidade, para um regime baseado na força e no arbítrio. Seus diferentes atos institucionais e o teatro das eleições bipartidárias, com uma “oposição” reconhecida pelo regime, se inseriam nesse marco; mas voltaremos a isso, as disputas entre Arena e MDB, quando falarmos da formação dos principais partidos do regime que se constituiu após a caída da ditadura.

A queda da ditadura

No começo da década de 70 o Brasil teve um dos mais espetaculares ciclos de crescimento econômico de sua história, naquilo que ficou conhecido como milagre econômico brasileiro. Já no final da mesma década o modelo dava claros sinais de estancamento e com as rusgas que começavam a aparecer na superestrutura política isso se expressou numa cada vez maior insatisfação popular.

As greves que começaram a acontecer e ganhar cada vez maior força no ABC paulista foram a expressão mais cabal e dinâmica dessa nova situação política que começava a se configurar no país. Os operários, principalmente metalúrgicos, mostravam depois de quase 15 anos novamente seu peso e força social e fizeram tremer as bases do regime, que teve que buscar acelerar as formas de transição para a "democracia" como método para desviar esse profundo ascenso operário.

Fruto de influxo do movimento operário amplos setores da população passaram a se mobilizar pela queda do regime, o que mostra a potencialidade da classe operária para exercer um papel hegemônico em relação aos demais setores oprimidos.

A partir do impulso das mobilizações e greves operárias, durante a metade da década de 80 surgiu um dos maiores movimentos populares da história do país, conhecido como Diretas Já, lutando por eleições diretas para os principais cargos políticos.

O regime que se constituiu após a queda da ditadura

É nesse marco que devemos entender o regime que se erigiu após a queda da ditadura no Brasil, como busca de desviar o processo de mobilização operário e popular que estava se dando no país para dentro das instituições do estado dos ricos, para que essa mobilização não assumisse formas mais radicalizadas que pudessem colocar em risco a propriedade privada.

Um regime, portanto, que se construiu como forma de absorver a mobilização operária e popular para dentro de instituições que mantivessem a dominação capitalista, em nada rompendo com suas antigas estruturas de dominação, mas apenas lhes dando uma nova máscara, uma nova roupagem, uma nova forma, mais “aceitável” para os trabalhadores e os oprimidos num momento em que eles se colocavam fortemente em luta contra as antigas formas de opressão, um regime fruto do engodo e da enganação. Temos que entender também que processos parecidos, análogos, se desenvolveram em toda América do Sul e como no Brasil o regime que se constituiu foi um dos mais conservadores, com o exemplo mais emblemático disso sendo o compromisso com os militares que impediu e impede até hoje que eles sejam julgados pelas atrocidades cometidas durante a ditadura, como as torturas, desaparecimentos e mortes de militantes e que tem reflexos em nossa “democracia”, sendo a profunda violência da polícia no país sua expressão mais visível.

Esse processo de democratização que aconteceu no Brasil também não pode ser entendido por fora da derrota que impôs a burguesia internacional (imperialista) ao movimento operário mundialmente, com a derrota do ascenso operário que se expressava desde o final da década de 60 e com a queda dos antigos estados operários, que mesmo que deformados e degenerados ainda eram expressão de conquistas importantes dos trabalhadores.

A burguesia para impor essa importante derrota ao movimento de massas se utilizará de uma nova tática, de contra-revoluções democráticas, manobrando o legítimo sentimento de luta por maiores liberdades dos trabalhadores e oprimidos, mas a partir disso construindo regimes que atacam todos os direitos desses setores.

Assim, no Brasil fruto da forte pressão da mobilização de massas um setor da patronal irá defender a necessidade da democratização como forma de desviar esse processo de mobilização e dando a ele um caráter conservador, que parece fazer concessões ao movimento popular, mas na verdade apenas prepara ataques mais profundos.

O novo regime “democrático” no Brasil foi o que administrou os ataques neoliberais

Com a derrota sofrida internacionalmente pela classe operária se inaugurou uma nova etapa na luta entre as classes, uma etapa de ofensiva da patronal contra as posições conquistadas pelos trabalhadores, etapa de restauração das posições burguesas, marcada culturalmente por um extremo individualismo, pelo apagar da ideia de revolução do imaginário popular, pela ideia de fim da história e da impossibilidade de se lutar por um mundo novo e que no campo das relações sociais e econômicas se configurou como etapa de profundos ataques aos direitos trabalhistas e a todas as conquistas sociais (educação e saúde pública, etc).

Foi o regime “democrático” que se construiu no Brasil o administrador e propulsor desses ataques e dessa onda neoliberal no país.

Desde seu primeiro presidente eleito por voto popular, Collor de Mello, passando por FHC, Lula e agora Dilma Roussef avançaram a precarização do trabalho, o corte de direitos trabalhistas e sociais, a desmobilização e fragmentação da classe operária; isso tudo com a conivência direta ou indireta do instrumento que tinha construído a classe operária para emergir como sujeito político e por fim a ditadura no Brasil, o PT.

Assim vemos como o regime “democrático” dos ricos que se instituiu no Brasil após a queda da ditadura civil-militar apesar de ser expressão de uma profunda mobilização popular, fruto das contradições dessa mobilização, da falta de uma direção consciente naquele momento, das derrotas internacionais da classe operária, da capacidade que teve a classe dominante de desviar esse processo para dentro dos marcos de suas instituições, se constituiu como um regime fortemente reacionário e antipopular. Foi através desse regime, dessa máscara, dessa forma institucional, que a classe dominante conseguiu passar uma série de ataques profundos a classe operária e demais setores oprimidos.

Entender as formas de funcionamento desse regime, as pontes e mediações que se construíram entre ele e as massas populares, é fundamental para compreendermos sua capacidade de resistir, ou não, a esse novo momento de agudização da luta de classes.

Esse é o papel do próximo capítulo, debater os principais partidos construídos pela patronal para hegemonizar os diferentes setores e classes da população e assim garantir sua dominação.


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