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28 DE MAIO: Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher | Saúde das professoras e trabalhadoras da educação em Minas Gerais

Entrevistamos Flávia Vale, professora precarizada na rede estadual de Contagem e Tassia, assistente escolar contratada na rede municipal de Contagem, que falam sobre a saúde e contrato precário das professoras e trabalhadoras da educação

quinta-feira 28 de maio de 2015 | 04:59

Esquerda Diário: Como são as condições de trabalho de uma professora precarizada em Minas Gerais? E das demais trabalhadoras da educação?

Flávia: A realidade da educação em Minas Gerais, como a de todo país, é a da precarização. Metade da categoria tem vínculo de trabalho precário, os chamados designados. Destes, a maioria são mulheres. E essa realidade é alarmante. Assim como em outros lugares, as professoras encontram salas sem estrutura e com muitos alunos, falta de materiais básicos nas escolas e de estrutura física adequada, como quadras seguras e iluminadas, laboratórios, salas ambientes.

Na escola em que leciono, de estrutura da prefeitura e que tem o ensino estadual no noturno, o elevador destinado a portadores de necessidade especiais caiu há duas semanas, ferindo uma aluna cadeirante e uma funcionária da prefeitura no diurno.

Hoje o elevador está lacrado e não sabemos sequer quais medidas foram e serão tomadas.

A isso, soma-se a jornada de trabalho extenuante, realidade das professoras que para completar sua renda, precisam dar aulas em várias escolas, muitas vezes, em bairros diferentes, aumentando o tempo de trabalho não pago. E não há estrutura para isso. A prefeitura de Contagem, na atual gestão do PCdoB, por exemplo, retirou o transporte que havia para Nova Contagem, bairro da periferia de Contagem. Houve protesto dos professores da rede municipal, mas a realidade é que hoje os professores perderam mais uma mínima condição em sua jornada de trabalho.

Também não é remunerado o tempo de preparo de aulas, elaboração e correção dos trabalhos e avaliações, além de toda a instabilidade do contrato precário, que pode ser rompido a qualquer momento, e não nos garante os mesmos direitos dos professores efetivos, dividindo assim, a categoria entre efetivos e precários, questão essa, que só favorece os que estão contra a nossa organização enquanto classe.

Toda essa situação, de falta de recursos, de instabilidade no contrato, de péssimas condições de trabalho, somadas às jornadas de trabalho excessivas, ainda mais na realidade das mulheres, que são responsabilizadas pelas tarefas domésticas, cria um terreno fértil para desenvolvimento de doenças físicas e psíquicas, como as causada por esforço repetitivo, às ligadas à audição e vocal, e as causadas pela pressão dos resultados, dos chefes, pelo medo de perder o emprego e principalmente, pela combinação de trabalho precarizado com a dupla ou tripla jornada que nos adoece e não nos permite tempo de descanso e nem de tratamento e acompanhamento médico, psicológico e social adequados.

Tassia: Não por acaso, a maioria das pessoas que trabalham na educação, nos cargos de secretária escolar, assistente escolar, bibliotecária e auxiliar de biblioteca são mulheres – assim como, são maioria esmagadora nos serviços de limpeza e merenda (que nas escolas municipais de Contagem já é toda terceirizada), deixando claro qual espaço a classe dominante e sua ideologia querem que nós ocupamos no mundo do trabalho: os serviços que remetem à educação, aos “cuidados” das crianças, à limpeza, cozinha, atendimento telefônico e aos pais de alunos, funções essas muito importantes, mas completamente desvalorizada, justamente porque são tidas como profissões “femininas”, tentando naturalizar papéis que nos foram impostos ao longo da história, de reprodução da vida e cuidado da família e do lar, que seguem sendo legitimados e sustentados pelo capitalismo.

Os salários nessas funções feminizadas são extremamente baixos, pouco mais que o salário mínimo, longe do estabelecido pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos SócioEconômicos) como ideal para garantir apenas as necessidades básicas de uma pessoa: 3,251, 61.

Essa situação é ainda mais agravada em dois aspectos: pelo contrato terceirizado e pelos contratos temporários, através de processos seletivos simplificados, que rebaixam ainda mais os salários e atacam direitos como falta médica, vale alimentação digno, vale transporte integral, além de dificultar a organização dos trabalhadores.

Com isso, e mais a falta de recursos materiais e quadro de funcionários desfalcado, as trabalhadoras da educação comprometem sua saúde ao não ter uma alimentação saudável, descansos remunerados, pois quando chegam em casa, na falta de restaurantes, creches e lavanderias públicas, todo o tempo que era para ser livre, transforma-se em trabalho não remunerado e, nas escolas, ao realizar várias funções ao mesmo tempo, que seriam de outros trabalhadores que permanecem desempregados para que os governos economizem, descontando nas costas (às vezes literalmente) das trabalhadoras essa economia.

ED: Como o sistema público de saúde garante o atendimento a essas profissionais adoecidas pelo trabalho?

Flávia: No caso dos servidores do Estado, há os serviços do Ipsemg, onde temos que enfrentar uma longa espera para sermos atendidas. E a realidade para as trabalhadoras precárias é ainda mais difícil. Isso porque a descontinuidade de nosso contrato de trabalho gera uma descontinuidade na assistência à saúde. Assim, há todo um procedimento burocrático para a continuidade do atendimento do Ipsemg quando há o rompimento do contrato precário e muitas vezes temos que voltar ao período de carência quando todas as burocracias não são feitas.

Tassia: Primeiro, é muito difícil para as trabalhadoras contratadas faltarem do trabalho para ir ao médico, tanto pelo medo de ruptura do contrato quanto pelo dinheiro do dia descontado que fará falta no final do mês, já que é muito comum, por orientação do governo, as trabalhadoras e trabalhadores não receberem atestado médico, assim como já acontece com os trabalhadores das metalúrgicas, evidenciando um acordo claro entre governos, donos de fábricas e empresários da medicina.

Em Contagem, além da educação pública ter graves problemas estruturais, essa situação também afeta a saúde pública. Na UPA JK, unidade de pronto-atendimento que a maioria da população se dirige quando está doente, a realidade é caótica. São horas e horas e horas de espera, falta de médicos, falta de equipamentos para exames, falta de macas – pacientes atendidos no chão e etc.

Em geral, essa situação se repete em várias unidades básicas de saúde (UBS), chegando a faltar até papel higiênico para o uso das trabalhadoras da saúde e para as usuárias e os usuários. As cirurgias e as consultas médicas demoram meses para acontecer. Ou seja, as mulheres e trabalhadores adoecem no trabalho, dedicando suas vidas aquilo que fazem, e na hora de cuidarem da sua saúde não tem atendimento médico, psicológico, social por falta de investimento na área.

Por isso é importante destacar a luta que vem de décadas por uma saúde pública e de qualidade para todos, que só pode ser garantida se controlada pelos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde, pois esses são os que realmente se preocupam com a qualidade do serviço prestado.

A unificação das lutas por educação e saúde pública e de qualidade para todos é tarefa de todas as trabalhadoras e trabalhadores, independente da categoria na qual nos encontramos no momento.

ED: Quais as soluções que os governos apresentam para mudar esse quadro? E as trabalhadoras e trabalhadores?

Flavia: O governo de uma mulher como Dilma anunciou o corte de 69,9 bilhões de reais, sendo uma parte expressiva da educação. Isso significa que teremos ainda menos condições em nosso dia-a-dia de trabalho na educação. Em Minas Gerais não é diferente, com o governo do PT, com Fernando Pimentel. O governo e o sindicato fizeram um pacto para evitar grandes mobilizações dos professores de Minas Gerais junto a todos os professores em greve pelo país. O acordo assinado prevê cerca de 30% de aumento em três anos, centralmente com o fim do subsídio, mudanças na carreira e o piso de hoje, de 1.917 reais, implementado até 2018. Apesar de ter havido conquistas, essa se deu a partir de um pacto que amarrou as mãos de toda a categoria nesse ano e nos próximos. Os professores em Minas Gerais seguirão como referência na precarização da educação, com enorme desvalorização de nossos profissionais e dos estudantes. Por exemplo, cerca de 80 mil servidores efetivados pela chamada Lei 100 correm o risco de perder o contrato após o pronunciamento de ilegalidade dado pelo STF. O governo já anunciou que vai retirar esses postos de trabalho até o final desse ano.

A realidade da educação de Minas Gerais é essa: postos de trabalho precarizados ou demissão. Com tudo isso, visto também a tendência a seguir o aumento da inflação, a realidade que uma professora se depara é a da intensificação da tripla jornada de trabalho, as péssimas condições de trabalho, tudo isso contribuindo para aprofundar a crise educacional em nosso pais.

Tassia: Os trabalhadoras da prefeitura de Contagem estão em campanha salarial e protagonizando diversas paralisações. Por tudo isso que colocamos, não por acaso as mulheres estão à frente dos atos e assembleias. Há ameaça de corte de ponto dos dias parados pois o governo do dito “comunista” Carlin, do PCdoB, não pode ver trabalhadores unificando suas lutas, ainda que sejam em atos e assembleias como vem acontecendo entre os profissionais da educação de Contagem junto aos servidores da saúde e outras categorias, como a de assistentes sociais.

A organização desde nossos locais de trabalho, lutando pela unificação da lutas, pela implementação do piso salarial na cidade e em todo estado já, valorizando a carreira docente e de todos os trabalhadores da educação por uma salário mínimo como o estabelecido pelo DIEESE (3,251, 61 reais) são reivindicações necessárias para começar transformar essa realidade em que o Estado vira uma máquina de moer os trabalhadores da educação, em particular as mulheres.

Foto: SindUTE Contagem




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