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Chile | Boric apresenta proposta de reforma da previdência que mantém especulação das empresas

O presidente do Chile fez o anúncio na quarta-feira à noite. A proposta foi apresentada como uma "profunda reforma do sistema previdenciário", mas mantém o círculo de especulação empresarial. Os Administradores de Fundos de Pensão (AFP) não desaparecem, somente mudam de nome.

sábado 5 de novembro de 2022 | Edição do dia

"Se mantêm os Administradores dos Fundos de Pensão (AFP) sob outro nome, e ainda recebem 0,5% a mais para continuar o negócio lucrativo com a poupança dos trabalhadores. Eles vão pagar as mesmas míseras aposentadorias, melhoradas apenas com dinheiro público". Assim começa uma mensagem no twitter da Coordenação “No + AFP”, que há anos vem lutando no Chile contra o negócio privado de aposentadorias.

A declaração foi publicada logo após o presidente Gabriel Boric fazer o anúncio do que foi apresentado como uma "profunda reforma do sistema previdenciário", mas que deixa intacta a especulação em favor das grandes empresas com a poupança das e dos trabalhadores.

Boric tornou público em rede nacional na noite de quarta-feira o projeto de reforma do sistema de aposentadorias que o governo vinha trabalhando há meses. O projeto vinha sendo objeto de debate já que o compromisso do governo era apresentá-lo esta semana.

Até agora, o documento havia sido trabalhado nos blocos oficiais, algumas comissões de especialistas e organizações sociais, como a coordenação “No + AFP”, a Fundação Sol, entre outros. O objetivo foi reunir atores que participaram do debate e, assim, buscar apoio antes da discussão legislativa. O mesmo Luis Mesina da Coordenação “No + AFP” ficou alarmado com esta proposta dizendo: "mais do mesmo, inclusive pode até ser pior"

Concretamente, a proposta do governo visa uma modificação formal do sistema e visa agregar alguns pontos que já haviam feito parte de projetos anteriores, como o da ex-presidente Bachelet. Como o próprio Boric apontou durante seu discurso, as AFPs como tal não continuarão mais, eles se tornarão gestores de investimento em que até apostará na criação de um gestor estatal que competirá com os gestores privados para disputar a administração dos fundos de pensão, estes que continuarão a financiar o mercado de capitais.

Entre os principais pontos da Reforma estarão:

  • Contribuição 6 pontos para a patronal, 70% para conta pessoal e 30% para intergeracional.
  • A cotação da conta individual será de 10,5% e a pessoa escolhe investidor privado ou público.

O próprio Boric havia dito meses atrás que os fundos administrados pelas AFPs tinham servido para aumentar o capital das grandes empresas e que tocar essa função poderia implicar um grande desequilíbrio econômico, de modo que mudá-la seria complexo e a orientação deste projeto de reforma só reafirma e aprofunda, garantindo o negócio para grandes empresas como a Metlife dona da AFP Provida, principal proprietária da AFP Cuprum; a Prudential juntamente com o CCHC proprietário da AFP Habitat e grupos nacionais como BiceVida, Consorcio, Grupo Penta.

De fato, a mudança da AFP para os gestores de investimentos é uma mudança cosmética, uma vez que mantém os dois pilares atuais do sistema: a capitalização individual que leva cada trabalhador a ter que depender de sua própria contribuição para obter uma aposentadoria de miséria, embora ele faça parte de um esforço coletivo de centenas ou milhares de trabalhadores para gerar a riqueza que finalmente vai para o bolso de alguns; e que o tratamento dessas poupanças seja gerido como um grande fundo de investimento que acaba em bolsa e roletas especulativas que fazem com que quando se ganhe, as empresas fiquem, ou quando se percam, que os contribuintes assumam.

O suposto contrapeso a essa capitalização individual seria a Aposentadoria Universal Garantida (PGU em espanhol) que parece ser positiva, mas basicamente contém um elemento regressivo desde o aumento imediato do valor da pensão de 260 mil pesos para 390 mil (equivalente a 380 dólares) às custas do Estado, mas sem uma reforma tributária ou imposto especial sobre grandes fortunas, ou seja, o dinheiro dessas pensões (que são para remendar o estado deplorável que existe hoje) virá de impostos gerais, ou seja, uma porcentagem significativa desse valor virá do IVA, que é pesado principalmente sobre os ombros dos próprios trabalhadores.

Além disso, o governo anunciou que a PGU chegará a 390 mil pesos, ou seja, abaixo do salário mínimo e até abaixo dos 650 mil que atualmente são a base para superar a linha de pobreza em uma família.

No geral, a proposta reforça a ideia de que o governo optou pela estratégia bacheletista de "realismo sem renúncia", mas desta vez tem sido "com renúncia" de seu próprio programa, que tem servido para fortalecer ainda mais a direita no Chile.

O governo Boric na prática vem governando com o programa e as ideias que a direita impõe a ele a cada passo, a reforma da previdência, seu abandono do programa de fim da capitalização individual é um sinal claro de que esse caminho só vai se aprofundar na medida em que o próprio governo decide seguir nessa direção. Enquanto isso, é a classe trabalhadora e os setores populares que vêm pagando os custos da crise com inflação elevada, o aumento dos empregos informais e outras dificuldades.

Os trabalhadores não podem confiar em um governo que está administrando o legado neoliberal da ditadura e dos 30 anos, este projeto só vem para somar a uma longa lista de políticas e reformas que o governo vem promovendo com o objetivo de acalmar as águas, tentando se afirmar e "continuar", e agora demonstrou que o faz aprofundando o modelo, assim como Aylwin, Frei, Lagos, Bachelet e Piñera fizeram antes dele. E tudo isso acompanhado por um governo que continua a promover a agenda da direita sobre imigração, segurança e repressão do povo Mapuche.

A única saída é a criação de um Organismo Previdenciário que está submetido a 100% das decisões tomadas democraticamente entre os trabalhadores e aqueles que se aposentam; que se administre as nossas pensões por fora do mercado que só ocupa nossas contribuições em benefício de grandes empresas e seu Estado que só busca garantir o lucro, um sistema de pensão que é orientado para sua única função que é garantir aposentadorias de qualidade para depois de uma vida de trabalho.




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