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Nossa Classe Unicamp | Depois da greve, desafios e perspectivas para os trabalhadores da Unicamp em 2024

Nós do Movimento Nossa Classe queremos com esse texto pensar as perspectivas e os desafios dos trabalhadores da Unicamp, em um contexto de ataques nacionais, estaduais e da reitoria de Tom Zé. Logo após uma dura greve dos trabalhadores e dos estudantes, quais lições podemos tirar para fortalecer nossa luta?

quarta-feira 13 de março | Edição do dia

O ano começa com vários desafios e batalhas aos trabalhadores. Depois de anos de ataques, que acarretou um aumento gigantesco do nível de precarização desde a reforma trabalhista e a reforma da previdência, do governo Temer e Bolsonaro, vemos com o governo Lula-Alckmin, a manutenção dessas reformas e além disso, ataques como o arcabouço fiscal, que é claramente uma política de austeridade fiscal para agradar o empresariado e o capital financeiro, promovendo e financiando os planos privatistas dos governos.

Vimos Lula discursar ao lado de Tarcísio com promessas de cooperação na execução de obras públicas, enquanto o governador de SP avança na privatização do metrô, CPTM e Sabesp e participou do ato em defesa de Bolsonaro no dia 25. Também já se posicionou favorável a privatização do porto de santos e com o BNDES está diretamente financiando projetos de PPP (parceria público-privada), que nada mais são do que o apoio da frente ampla aos projetos de privatização, como vemos inclusive na nossa cidade com o trem de São Paulo-Campinas que já nasce privatizado.

Importante observar que na Unicamp, o reitor Tom Zé, que se diz defensor da democracia, segue a mesma política aumentando e incentivando a privatização, tanto com o aumento das relações entre universidade e empresas, quanto também avançando na terceirização e consequentemente na precarização do trabalho.

Foi em 2022 que assistimos uma trabalhadora terceirizada do bandejão de Limeira morrer e suas colegas não terem nem o direito ao luto. Um ano depois, o bandejão passa para as mãos de outra empresa reduzindo salários e postos de trabalho, aumentando a sobrecarga de trabalho.

A reitoria demorou mais de 60 dias para sentar em uma mesa de negociação com os trabalhadores que lutavam contra o ponto eletrônico, que afetará somente um setor de funcionários. Enquanto isenta a burocracia acadêmica e os cargos de chefia mais altos, deixando claro os privilégios totalmente anti-democráticos que existem dentro da universidade.

Contra os ataques privatistas de Tarcísio, financiados pelo governo federal, bem como da reitoria, e contra toda precarização do nosso trabalho, precisamos organizar uma forte luta dos trabalhadores da Unicamp e se unificar com as demais categorias. Após 86 dias de greve, podemos tirar lições importantes da nossa mobilização para avançar em nossas demandas.

A greve dos trabalhadores demonstra a necessidade de lutar contra a precarização e pela unidade dos trabalhadores a partir de nossa auto-organização e independência

Ano passado, os trabalhadores da Unicamp protagonizaram uma extensa greve, perpassada também por uma greve estudantil que demonstrou, ainda que com conquistas importantes dos estudantes, o fortalecimento da reitoria.

A reitoria aplicou a todo custo o ponto eletrônico, que tem como objetivo a criação do banco de horas e posteriormente gerando o pagamento de pontes de feriado e o recesso. Isso significa flexibilização da jornada de trabalho, atacando um direito histórico dos trabalhadores, que é a jornada de 8 horas diárias, pois com o pagamento dessas pontes e recessos, que são dias em que a universidade permanece fechada, podem gerar até 100 horas a serem pagas, resultando em jornadas diárias estendidas a critério das chefias, livrando a UNICAMP de pagar horas extras, inclusive. Se pensarmos uma categoria de quase 7 mil trabalhadores PAEPE’s, acarretará inevitavelmente em um grande banco de horas que possibilite a reitoria diminuir as contratações e aumentar a sobrecarga de trabalho, que foi o que aconteceu após a implantação do banco de horas na USP.

Apesar da greve de 86 dias, diversas assembleias, comandos de greve, a greve não foi vitoriosa no sentido de impedir que a reitoria aplicasse o ponto eletrônico. Rechaçado pela maioria dos trabalhadores, a reitoria manteve a linha dura e demorou mais de 2 meses para abrir uma negociação de fato na categoria.

Desde o início da greve, nós do Nossa Classe, defendemos sua expansão para os setores estratégicos, que causam maior impacto na Unicamp, como para a área da saúde como o HC e o Caism, onde além do ponto eletrônico deveria também se ligar às várias denúncias de assédio moral e de precarização por que passam efetivos e terceirizados. Bem como também, outros setores como DGA, DEDIC, e os próprios institutos.

Contudo, a greve já começou com um enorme atraso, uma vez que aconteceu quando já havia sido aprovado o ponto eletrônico na CAD (Câmara de Administração) no final de 2022, e posteriormente no Consu, e naquele momento a única política da direção do sindicato, composta pelo PCdoB (alerta), CUT e Travessia (PSOL e independentes), foi chamar dias de paralisação espaçados e sem nenhuma mobilização real na base dos trabalhadores. Uma agitação “por cima”, mas sem nenhum convencimento real na base.

Ou seja, já iniciamos a greve de 2023 com uma derrota acumulada, que foi justamente a aprovação do ponto no ano anterior, restando fazer uma greve contra a aprovação do calendário de implementação. Isso com a direção do sindicato apresentando desde o início resistência em aprovar a greve, começando pela chapa majoritária composta pelo PCdoB, que estava contra desde o início. Posteriormente, adotou uma postura de acompanhar a greve de longe sem mobilizar sua base, majoritariamente do HC e do CAISM, setor estratégico dos trabalhadores.

Ou seja, uma greve tocada pelas chapas minoritárias da direção, CUT e Travessia, que desde o início atuavam com a mesma política, caracterizada por tentar barrar o ponto pelas vias “institucionais” somente, com uma estratégia de tentar convencer os diretores representantes de unidade a votarem contra o ponto no CONSU para desgastar a reitoria.

Essa política chegou a absurdos, como dizer que em uma votação no CONSU de 15 a 6, havia tido “empate técnico” se não fossem os pró-reitores que também têm direito a voto. Por um lado uma mentira descarada para tentar encobrir a não mobilização da direção e sua paralisia, e ao mesmo tempo que legitima a estrutura de poder da universidade, totalmente antidemocrática, com frases em assembleia como “o CONSU é o órgão democrático onde podemos lutar” por um representante do Travessia-PSOL na direção. Um escárnio se pensarmos que nesse conselho estudantes e trabalhadores juntos tem apenas 30% do poder de voto. E que conta com representantes de patronais como a FIESP e nem mesmo os terceirizados, que cada vez crescem mais, não tem nem direito a voz.

Junto dessa política também estava setores da oposição como o MES-PSOL (TLS) que também no início defendia a política estéril de “convencimento dos diretores”, demonstrando grande confiança na reitoria, tanto de sua corrente sindical, quanto no setor de estudantes do qual o MES é parte do DCE, e de setores da burocracia acadêmica, com o discurso de aproveitar as “divisões da reitoria” e se apoiar nos “setores progressistas” como a direção do IFCH. O que se mostrou foi que essa mesma “ala progressista” foi a protagonista das negociações com a greve dos estudantes, fazendo de tudo para enterrar a greve o mais rápido possível.

Sem chegar a novos setores e expandir a greve de fato, parando vários institutos e os setores estratégicos, apostando meramente no “convencimento dos diretores”, a greve foi ficando fraca até começar a ser ignorada pela reitoria, devido a baixa adesão.

Buscar massificar a greve, apostando em buscar o apoio democrático da população e em convencer novos setores a aderirem ao movimento, era fundamental. Nós do Nossa Classe, com esse conteúdo em mente, propusemos a doação de sangue para mostrar nossa luta para a população e ganhar apoio, as panfletagens na saúde, a aliança com os estudantes, bem como a própria ação nos portões da universidade como demonstração de força dos trabalhadores. Mas, não foi o que apostou desde o início sua direção, uma vez que a estratégia institucional estava contraposta a estratégia de massificar a greve, chegando em novos lugares e se unificando com outros setores em luta.

Qualquer votação favorável nas instâncias burocráticas e antidemocráticas da Unicamp só poderia acontecer se a força desde baixo prevalecesse e colocasse de fato a reitoria contra a parede. Contudo, essa estratégia institucional estava a serviço de “limpar a cara” da direção do sindicato que há muito vem de uma grande passividade e imobilismo, e funcional a política das correntes da direção de conter a mobilização real na base, com medo de perder sua própria autoridade. Vide que nem mesmo as propostas de panfletagem na área da saúde foram levadas a frente para que a greve não chegasse nesse setor.

Nossa greve perpassou a greve do dia 03 no estado de São Paulo, contra o avanço da privatização no Metrô, CPTM e Sabesp de Tarcísio. Foi o dia mais emblemático da greve, que começou com uma importante ação nos portões da universidade, defendido pela vanguarda dos trabalhadores e por nós do Nossa Classe desde seu início, e que teve participação dos estudantes. Foi nesse dia que um professor (um bolsonarista, adorador de armas) atacou com uma faca alunos que passavam para avisar sobre a greve nas salas de aula. O primeiro pronunciamento da reitoria foi igualar a greve dos estudantes e trabalhadores ao ataque com faca por um professor, mostrando que, apesar do discurso demagógico de “defesa da democracia”, segue sendo uma correia de transmissão do governo de extrema direita de Tarcísio e dos ataques em nível nacional e estadual.

Um dia que poderia ter mudado a correlação de força a favor dos trabalhadores, assim como ocorreu para os estudantes, mas que não aconteceu, pois, a política de manter a greve nos estreitos limites institucionais seguiu, demonstrando sua fraqueza perante as diversas derrotas nas votações do CONSU, o que foi desmoralizando até mesmo a vanguarda que estava na greve.

3 propostas do Nossa Classe para fortalecer a luta dos trabalhadores

Aqui apresentamos três eixos que visam aumentar a força dos trabalhadores desde a base, para fortalecer nossa luta em um ano em que os governos guardam diversos ataques aos trabalhadores.

1- Lutar contra a precarização do trabalho e a terceirização

Nacionalmente vimos aumentar enormemente a precarização. Com a reforma trabalhista, assistimos ao aumento da uberização, com milhões de trabalhadores de plataforma, que trabalham 10h, 12 horas por dia sem nenhuma garantia, colocando suas vidas em risco e podendo ter sua fonte de renda tirada de um dia para o outro.

A reitoria da Unicamp segue fielmente a receita dos governos e aumenta a precarização também dentro da universidade. É emblemática a atual situação dos almoxarifados, em que licitações para concessão dos serviços que antes eram da Funcamp (já terceirizada) ameace o emprego trabalhadores com mais de 10 anos de serviço que podem ser mandados embora do dia pra noite, ou terem seus salários rebaixados para fazer a mesma função.

Foi o que ocorreu nos bandejões, onde assistimos a diminuição do número de funcionários, redução dos salários, do vale alimentação, concomitante ao aumento das funções e da carga de trabalho. Também para os serviços de limpeza e vigilância, onde as trabalhadoras são invisíveis para a Unicamp e nem mesmo consideradas funcionárias. Também acontece das empresas terceirizadas decretarem falência e no fim do contrato se descobre que nem o FGTS estava sendo depositado pela empresa. Essas empresas abrem novos CNPJ’s e posteriormente entram novamente para prestar serviço na Unicamp, sem ter pagado os direitos dos trabalhadores que precisam entrar na justiça e esperam anos por esses pagamentos em atraso.

Terceirização significa precarização e tem cor e rosto, de mulher negra, que ocupam a maioria dos postos do trabalho terceirizado, mas a minoria como estudantes e pesquisadoras, o que mostra o caráter racista e elitista da universidade. Se hoje a Unicamp aumenta a precarização do trabalho é com o objetivo de terceirizar cada vez mais funções, inclusive dos técnicos administrativos como já acontece com os Funcamp que muitas vezes executam as mesmas funções dos efetivos, mas com salários e direitos reduzidos.

Por isso a luta contra a terceirização deve ser levada a frente também pelos trabalhadores efetivos, unificado efetivos e terceirizados para lutar contra a precarização do trabalho em todos os âmbitos. É absurdo como nem mesmo direito ao CECOM as trabalhadoras terceirizadas têm, como qualquer outro funcionário efetivo e estudante teria na Unicamp. Com corte da cesta básica caso precise faltar, mesmo com atestado. Uma situação absurda que os efetivos também têm que lutar contra. Com o ponto eletrônico, o assédio das chefias e a sobrecarga tende a aumentar, o que coloca em primeira ordem a defesa de nosso trabalho contra a precarização.

Defendemos a efetivação de todos os atuais trabalhadores terceirizados sem a necessidade de concurso público. Pois, esses trabalhadores já provam, muitos há mais de 10 anos, que sabem fazer esse trabalho e a efetivação através do concurso significaria demissão para grande parte. Nossa luta deve ser contra qualquer precarização e divisão da nossa classe . Se o trabalho é igual, os salários e os direitos também devem ser.

2- Unificação das diferentes categorias e auto-organização na base

Um dos motivos que explicam por que nossa greve não conseguiu sair dos estreitos limites da mesma vanguarda de toda greve, está que não há uma política da direção do sindicato em se ligar com os diferentes trabalhadores da universidade e fora dela.

Isso se dá tanto por causa da relação (ou falta de) aos terceirizados, (onde não se viu nem a defesa desses trabalhadores enquanto realizavam uma greve em Limeira e a direção do STU virou as costas para essa luta) quanto também por causa do calendário estéril da direção do sindicato subordinado à reitoria, de esperar sempre a data-base para fazer qualquer tipo de mobilização enquanto permanece na paralisia todo o resto do ano. Essa situação, que vem de muitos anos, não é capaz de convencer ninguém da necessidade de lutar.

Além de não se ligar com o conjunto dos trabalhadores da Unicamp, essa política também teve como consequência não se ligar a outras categorias, em particlar as que protagonizaram a paralisação geral do dia 03 em todo o Estado de São Paulo contra a política privatista de Tarcísio. Se não encaramos os ataques da reitoria como parte de uma reestruturação geral das universidades, que visa aumentar os laços com a iniciativa privada, promovidas pelos mesmos governos que atacam outras categorias e o conjunto da população, iremos permanecer isolados e nos limites “permitidos” do calendário oficial, o mesmo que faz como que todo mundo tem a sensação de “todo ano a mesma coisa”. Ganhar a opinião pública, unificar efetivos e terceirizados e se unificar com outras categorias em luta é essencial.

É preciso de organismos de auto-organização dos trabalhadores, para que a base possa ter decisão e tenha força para exigir da diretoria que organize a nossa luta através do sindicato, como por exemplo os Conselhos de Representante de Unidade (CR), que há muito tempo não tem eleições ou mesmo o Congresso dos Trabalhadores da Unicamp. É consciente da direção de nosso sindicato não realizar eleições para o CR e muito menos realizar o congresso há tanto tempo, para que a base não possa se expressar e a diretoria do sindicato continue mantendo tudo da mesma maneira. A questão é que essa estratégia está levando a várias derrotas, como vimos na greve do ano passado e em diversos outros processos de mobilização.

3 – Independência da reitoria e dos governos

Para de fato conseguir superar os entraves que estão colocados aos trabalhadores é preciso ter total independência da reitoria e de seus governos. Não podemos alimentar ilusões de que com “determinada reitoria seremos valorizados”, porque gestão após gestão vemos que o discurso no momento da eleição é somente demagógico. Vide a própria reitoria de Tom Zé, que prometeu valorizar o trabalhador e enfiou goela abaixo o ponto eletrônico, sem se dispor a ter uma negociação real com os trabalhadores.

Da mesma forma, o governo de frente ampla que prometeu enfrentar a extrema direita, hoje discursa ao lado de Tarcísio que ataca os servidores do Estado de São Paulo. Também é o governo Lula-Alckmin que promete uma reforma administrativa que pode tirar a estabilidade do funcionalismo público em nível nacional, ou implementa o arcabouço fiscal que é nada mais nada menos do que austeridade fiscal. Hoje existe uma mobilização nacional dos técnicos administrativos das universidades federais, que fazem greve lutando contra esse projeto.

Muito mais forte do que tentar se aliar aos nossos inimigos é confiar na organização e unificação desde a base dos trabalhadores e suas diferentes categorias. Uma vez que só os trabalhadores têm a capacidade de parar o serviço e causar impacto para que nossas demandas sejam ouvidas. Como por exemplo unificar os trabalhadores das universidades federais e estaduais, para fazer nossas demandas serem ouvidas e derrotando os projetos privatistas e precarizantes que os governos nos reservam.

Nós do Nossa Classe achamos fundamental criar uma oposição que possa levar a frente essas bandeiras, batalhando em primeiro lugar contra a precarização e a terceirização do trabalho. Para isso será necessário superar os que travam e não querem que lutemos de maneira independente e desde a base. Uma oposição que não compartilhe da estratégia puramente institucional, mas sim na mobilização desde baixo para retomar o sindicato para as mãos dos trabalhadores, e servir para uma ferramenta da nossa classe.

Essas são algumas ideias e perspectivas que apresentamos às trabalhadoras e trabalhadores da Unicamp, efetivos e terceirizados, com o objetivo de servir para nos preparar para os futuros ataques e embates que tanto a reitoria quanto os governos reservam para nós e que teremos que estar à altura de respondê-los.




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