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Análise | Joias sauditas: entre a corrupção capitalista e o escândalo seletivo da grande imprensa

Neste breve artigo analisaremos as implicações judiciárias e políticas que o episódio das joias podem acarretar à família Bolsonaro, mas também trazemos uma reflexão sobre o porquê da substituição brusca de temas em toda a mídia mesmo após as pavorosas cenas em Bento Gonçalves, que posteriormente foi acompanhada de outras tantas denúncias de trabalho escravo.

segunda-feira 13 de março de 2023 | Edição do dia

Foto: JOE RAEDLE

Durante toda a última semana, as páginas dos principais jornais burgueses do país foram tomadas pelo escândalo envolvendo as joias sauditas e a família Bolsonaro. Igualmente, toda a blogosfera petista replicou em seus portais a denúncia publicada pelo Estadão, fazendo praticamente sumir das manchetes as denúncias de trabalho escravo pelo Brasil.

Segundo a reportagem do Estadão publicada em 03/03, no dia 25 de outubro de 2021 a comitiva do ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, Bento Albuquerque, recebeu do governo saudita de Mohammed bin Salman duas remessas de joias preciosas. A primeira, de “joias masculinas” estimada em cerca de R$400 mil, direcionada a Bolsonaro e a segunda, de “joias feministas”, estimada em mais de R$16 milhões, direcionada a Michelle. No dia seguinte, a comitiva chegou ao Brasil mas foi impedida pela Receita de levar à família Bolsonaro os diamantes direcionados à Michelle, levando somente - e curiosamente de forma despercebida - a remessa de menor valor, que ficou em posse do então presidente.

Nem o ministro Bento Albuquerque, nem o assessor que carregava as jpias - ambos militares - declararam a entrada delas no país. Por lei, a entrada deveria ser declarada e as jóias incorporadas ao patrimônio da União. Mas como apurou o Estadão, o que a comitiva tentou fazer foi incorporar o ‘presente’ saudita ao patrimônio dos Bolsonaro, sem qualquer declaração da doação em âmbito privado ou pagamento de impostos sobre o valor das joias, que somariam cerca de 50% dos quase R$17 milhões, mais que o suposto valor do patrimônio declarado de Jair Bolsonaro.

Passado quase um ano, Bolsonaro ligou para o secretário da Receita Federal e tentou convencê-lo a liberar as jóias, mas não obteve sucesso. Mais tarde, o presidente mandou seu braço direito, Coronel Cid, fazer um ofício para a Receita solicitando a liberação das joias. Novamente não obteve sucesso. Meses depois, nas vésperas de sua viagem fugido para os EUA em dezembro, Bolsonaro enviou um sargento ao aeroporto de Guarulhos para tentar recuperar as joias sob pressão militar. Novamente sem sucesso. Ao todo, a denúncia do Estadão revela que Bolsonaro teria tentado por 8 vezes conseguir a posse das jóias direcionadas a Michelle, que agora por sua vez diz que não sabia de nada. E não é menor que Michelle esteja envolvida nesse escândalo.

Desde que Bolsonaro foi para os EUA, ela tem aumentado sua participação direta na política. Até mesmo a possibilidade de ser uma candidata presidencial se aventou na mídia. Seria um "plano B" caso Bolsonaro perca os seus direitos políticos? Não podemos descartar. Agora, poderia estar em curso um novo movimento do regime, que parece estar posicionando suas armas para poder atingir também Michelle? Talvez. Fato é que o PL planejava lançar Michelle no dia da mulher e após o escândalo das joias se viu obrigado a retroceder em seus planos por ora.

Todas as investidas do presidente, como também a entrada das joias no país sem qualquer declaração, podem configurar diversos crimes como contrabando, apropriação de patrimônio público e suborno. No último caso, se liga diretamente ao fato de que no mesmo dia em que as joias chegaram ao Brasil, Bolsonaro estava reunido em um almoço com diversos diplomatas dos países do golfo na casa do embaixador da Arábia Saudita. Na pauta do almoço? A venda da refinaria estratégica da Petrobrás, Landulpho Alves, para a Mubadala Capital, uma empresa de investimentos dos Emirados Árabes, pelo valor de R$1,8 bilhão, muito abaixo do valor avaliado pelos próprios mercados.

Sem dúvidas tamanho descalabro da corrupção da família Bolsonaro como se verifica agora, que passa da “corrupção miúda” das rachadinhas e chega a acordos entre estados capitalistas em favorecimento pessoal, rifando até as riquezas nacionais, deve ser denunciado contundentemente. Acontece que na mesma semana em que vem à tona esse escândalo, também tomava as páginas da grande imprensa as denúncias de trabalho escravo no sul do país por uma empresa terceirizada (Fênix) que prestava serviços à Salton, Garibaldi e Aurora. Agora, as cenas barbas de trabalho escravo desaparecem das manchetes e dão lugar às jóias sauditas, como se a questão da profunda ferida racista do Brasil estivesse encaminhada e sendo resolvida. Não está.

Como você pode conferir aqui, aqui e aqui , e também no tweet de Diana Assunção abaixo, o Esquerda Diário veio denunciando constantemente as bases racistas em que se assenta o capitalismo brasileiro e que permite a perpetuação do seu legado escravocrata em pleno 2023. Neste momento, tanto a grande impressa, como também todo o regime político brasileiro, indo desde o poder judiciário, passando pelo congresso nacional e chegando até ao governo do PT, diz estar trabalhando para punir e coibir aqueles que se beneficiam do trabalho escravo ou análogo à escravidão em todo o país. O que nenhum dos atores do regime diz - e aqui é importante chamar atenção para o governo -, é como irão coibir o trabalho escravo mantendo a reforma trabalhista e a terceirização, que inclusive triplicou nos próprios governos petistas e propiciou o nascimento de milhares de empresas como a Fênix.

As próprias empresas produtoras de vinho envolvidas no escândalo, declararam que “serão mais rigorosas com a contratação de empresas terceirizadas para as vinícolas”, isso em uma clara tentativa de se eximir da responsabilidade. Contudo, também disseram que se apoiam na nova legislação trabalhista para as contratações. Ou seja, se apoiam na reforma trabalhista para garantir a superexploração dos trabalhadores nos rincões no país.

Tanto a grande mídia, quanto as instituições e o próprio governo não podem, e em primeiro lugar não querem, qualquer debate sobre a resolução no combate ao trabalho escravo no Brasil, pois isso entraria diretamente em choque com a reforma trabalhista aprovada pelo governo do golpe institucional de 2016 e que Lula e Alckmin já asseguraram a manutenção. Daí advém a substituição das denúncias de trabalho escravo pelas denúncias de corrupção, pois se no primeiro caso há limites claros de até onde se pode fazer demagogia, no segundo caso é interessante para o jogo político da frente ampla o desgaste da odiosa família Bolsonaro.

Abafa-se uma das feridas mais profundas do regime político brasileiro, que é o racismo e o trabalho precário, para se fazer jogo político com aquilo que faz parte do DNA do capitalismo, a corrupção. Sem deixar de denunciar a corrupção e as práticas abjetas de Bolsonaro, dizemos que é preciso denunciar todo esse regime político apodrecido que não é consequente - e nem nunca será - contra os crimes desferidos por ele mesmo contra a classe trabalhadora. O racismo e a escravidão, seja no mil e quinhentos ou no dois mil e vinte e três, é uma marca de sangue da burguesia brasileira e que deve ser denunciada em todas suas formas pela esquerda. É nesse sentido que o Esquerda Diário levanta uma forte campanha por igualdade salarial entre brancos e negros, homens e mulheres, com total independência do governo de frente ampla que alimenta e aumenta o trabalho precário e mantém todas as reformas do golpe de pé. Somente a auto-organização da classe trabalhadora pode varrer desse país o legado racista da escravidão.

LEIA MAIS: Projeto de país




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