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Capitalismo verde? | Lula na COP27: A retórica da defesa do meio ambiente e do problema da fome, e a realidade dos problemas estruturais do Brasil

O evento deste ano, o principal que debate as questões ambientais numa certa rotina anual, foi marcado pela sua fraqueza comparado ao anterior. Realizado em um país sob uma Ditadura Militar assassina e repressora, não houve qualquer espaço para manifestações. A "delegação" do petróleo, em especial dos monopólios da região do norte da África e Oriente Médio, teve presença forte. Tal fato pode ser melhor compreendido se imaginarmos que a situação se assemelha a um agressor oferecendo "ajuda" para a vítima em coma no quarto do hospital.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

domingo 20 de novembro de 2022 | Edição do dia

Foto: Klara Worth/UNFCCC

Já é regra a COP chegar a encaminhamentos que nunca são cumpridos. A deste ano, com poucas expectativas, pode ser que nem se chegue a ocorra qualquer consenso e assinatura de um documento de falsas promessas em comum. Um ótimo terreno em decadência, frente à retomada poluente da Europa frente a guerra da Ucrânia, para que Lula chegasse e assumisse um papel de destaque, após pegar carona com um milionário de planos de saúde.

O efeito da catástrofe bolsonarista no meio ambiente e na invasão, perseguição e genocídio dos povos indígenas, dá vantagem ao presidente eleito em assumir uma política nacional e internacional diante dessas questões que comparativamente é comemorada e ocupou grande parte da opinião pública da frente ampla, junto à suas críticas ao Teto de Gastos. Seu discurso é, porém, inofensivo diante da sistemática destruição da natureza e ofensiva latifundiária aos povos indígenas, pois foge de levar em conta os fatores estruturais do Brasil.

Uma economia atrasada e agrária como a brasileira, com uma burguesia encurralada entre a pressão das classes subalternas nacionais e a concorrência e pressão imperialista, tem como um produto sistêmico, que perdura há séculos, o avanço do latifúndio contra territórios indígenas e reservas ambientais. A invasão de territórios de outros povos e a transformação da terra em propriedade privada é uma necessidade do capitalismo agrário, tão determinante para a geração de mais-valia relativa como são os agrotóxicos, as grandes máquinas e a agronomia.

O governo eleito de Lula-Alckmin sabe muito bem sobre essas leis históricas do capitalismo brasileiro. Ainda que reivindiquem a redução do desmatamento nos governos petistas, no mesmo período o agronegócio fortaleceu-se e agigantou-se muito no PIB nacional, graças ao ciclo de commodities, em especial das vendas para a China, incluindo quando Marina Silva era ministra do Meio Ambiente de Lula.

A decisão da viajem em meio ao início da transição do governo não indica só a profunda confiança entre Lula em Alckmin, como também é um primeiro exemplo do PT na política internacional no retorno ao poder. A presença de três ex-ministros e uma grande equipe, além da própria carona com um milionário do setor de planos de saúde, demonstra o peso da questão ambiental para a nova gestão, em especial para o realinhamento com o discurso multilateralista e de solidariedade entre as nações do sul global. O ministério do Meio Ambiente será uma importante vitrine para os investidores externos e tende a ter mais peso no governo eleito do que nos governo Lula e Dilma. Marina Silva busca calcula se ocupa o cargo ou não, levando em conta se isso fortalece ou pode desgastá-la para mais uma corrida presidencial em 2026. Terá Simone Tebet como possível concorrente, mas ambas estão alinhadas em preservar o grande latifúndio, sendo Tebet uma representante direta do setor.

A presença da comitiva de Lula na COP27 serve também para ofuscar as medidas direitistas de Alckmin que desagradam a base da frente ampla. No mesmo sentido que as declarações contra o Teto de Gastos, a cúpula petista procura que a opinião pública foque no discurso de Lula em defesa da recuperação climática e a fome, ofuscando as negociações com Lira pela manutenção do orçamento secreto e da presença de bilionários e neoliberias na equipe de transição da Educação.

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Nesse sentido, não há qualquer contradição entre o ambientalismo burguês e a destruição do meio ambiente, como demonstraram Marina Silva e Simone Tebet juntando forças na campanha eleitoral. As grandes lideranças burguesas reunidas na COP27 também partem desse acordo em comum. A demagogia das metas nunca cumpridas, de medidas simbólicas frente a prognósticos catastróficos para a civilização mundial é uma regra que perdurará. O capitalismo é incapaz de apresentar qualquer solução para o problema climático e ambiental, pois depende da exploração infinita de recursos em um planeta com recursos obviamente finitos.

Diante desse fato, não será a retomada de "investimentos" demagógicos do imperialismo Europeu contra o desmatamento uma solução para o problema. A estrutura produtiva de alimentos no Brasil é subordinada à exportação, tendo o acúmulo de Capital como objetivo de ser, sendo assim, a fome é uma consequência natural dos ciclos econômicos nacionais. Nesse sentido, o status de maior produtor de carne do planeta tem como consequência direta, num encaixe sadicamente harmônico, as filas de pessoas para pegar ossos. A reestruturação do IBAMA e da Polícia Ambiental tão pouco apresenta caminhos. Durante os governos do PSDB de Alckmin e do PT de Lula, tais instituições "funcionavam", e o desmatamento e ataques a territórios indígenas seguia sua marcha impiedosa.

Com um parâmetro de comparação tão horrendo como o governo de Bolsonaro e dos militares, esses que desde o Brasil colônia realizam um genocídio dos povos originários, a percepção histórica é prejudicada. Qualquer posição oficial do Brasil que fuja do orgulho Bolsonarista de ser um pária internacional é vista com alívio. Mas recorrer ao suporte e tutela do imperialismo americano e europeu para contrapor-se com os grandes senhores de terra no Brasil é um cálculo que cobrará seu preço no futuro, com mais derrotas aos indígenas, camponeses, à classe operária e ao futuro do Planeta.

A promessa de criação de um Ministério Indígena, cuja liderança é cogitada para Sônia Guajajara, é reflexo do peso do movimento indígena nos últimos anos. Em 2020, os indígenas ocuparam Brasília contra o Marco Regulatório, sofrendo ataque de bombas enquanto o PSOL, UP, e grande parte da esquerda compartilhavam palanque com o MBL e neoliberais execráveis para pressionar pelo Impeachment de Bolsonaro. O PT, com o novo ministério, busca cooptar esse movimento indígena que demonstrou relativa autonomia e maior combatividade nos últimos anos em comparação aos movimentos sociais e a CUT dirigida pelo partido. A solução, porém, está em levar até às últimas consequências as lições da luta contra o marco regulatório: só a auto organização e um plano de luta dos de baixo é capaz de impor o respeito aos territórios indígenas e combater o desmatamento e a fome.

É inofensivo, nesse sentido, fazer discursos demagógicos de maior cooperação do Brasil com o sul global e da retomada de um multilateralismo em contraposição à gravidade da politica internacional que puxa as nações à polarização entre EUA e China. A defesa consequente do meio ambiente e dos territórios dos povos originários será obra desses próprios, em aliança com os trabalhadores rurais, camponeses e a classe operária nos grandes centros urbanos. A auto-organização dos explorados e oprimidos pode impor um programa que defenda suas reivindicações e parta para a ofensiva contra o bolsonarismo. É necessário que o coração do latifúndio golpista, que financia bloqueios de estradas e acampamentos em frente de quartéis, pare de bater. Como? Realizando uma reforma agrária radical que distribuía a terra concentrada nas mãos de poucos senhores de terra no país, da mesma forma que expropriando as grandes plantações e a indústria alimentícia para que garanta a segurança alimentar, e não o lucro. Somente retirando o Capital do controle da produção de alimentos no Brasil é que seremos capazes de erradicar a fome, o desmatamento, garantir aos povos indígenas que auto determinem seus território. Para isso é preciso realizar uma ruptura com nossos raízes agrárias e exportadoras.

O discurso de Lula na reacionária COP27 é inofensivo. A justiça climática não será dada pela burguesia que diariamente destrói o planeta e corrói as vidas humanas, ela será imposta pelos povos oprimidos e explorados de todo mundo. Compartilhar assentos com Biden e Macron em eventos ditos em defesa da saúde da Terra é um método de encarar o problema tão efetivo quanto colocar latifundiários para proteger florestas no Brasil. Não há qualquer debate sério sobre soluções para erradicar a fome no Brasil e tão pouco dar um fim ao cataclisma climático sem levar em conta medidas de combate que levem ao fim do latifúndio e toda grande burguesia que gira em seu entorno, em combate e não em cooperação ao imperialismo.




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