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Policiais do caso Josenildo são condenados! Só a luta dos familiares e trabalhadores arranca justiça para as vítimas do Estado!

14 anos após os crimes e muita luta para fazer justiça a quem teve sua vida arrancada pela violência de Estado, após o júri popular sai a condenação dos policiais sentenciados a 54 anos de prisão.

terça-feira 14 de novembro de 2023 | Edição do dia

Josenildo Estanislau dos Santos foi brutalmente assassinado por policiais do já extinto 1º batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro com tiros pelas costas que atingiram sua nuca, acabando com a sua vida na mesma hora. O lanterneiro, que acabava de passar no Enem e em um concurso de Petróleo e Gás, fazia uma pausa do trabalho para comprar cigarros quando foi abordado pela polícia. A Polícia havia chegado horas antes na comunidade "quebrando as portas de todo mundo", segundo depoimento de moradores. Neste mesmo dia, outras 5 pessoas também foram mortas na favela da Coroa, no Catumbi, Zona Central do Rio.

14 anos de longa espera e de luta aguerrida da família de Josenildo e dos movimentos de mães e familiares das vítimas de violência policial do Estado antecederam a sentença proferida na última terça-feira (07/10) aos representantes do braço armado do Estado na II Vara de Justiça do Rio. Esse movimento vem sendo uma verdadeira fonte de resistência ao Estado assassino capitalista e racista, por diversas gerações dos governos ditos progressistas aos governos de extrema direita. Familiares e amigos que não se curvam diante de todas as dificuldades, como as humilhações e tentativas de manipulação que o judiciário busca jogar contra a sede irrefreável dos familiares por justiça, ou dos atentados que sofrem a suas vidas, diversas vezes, ao serem aqueles que assumem o papel de investigadores dos crimes da polícia e do Estado, contra todas as difamações morais que escutam na mídia burguesa e do próprio Estado sobre seus entes queridos, manchando suas memórias.

Quando assumem coletivamente como parte de sua luta a responsabilização dos policiais que destruíram a vida de cada família trabalhadora, moradora de favela e periferia, que sofre cotidianamente o racismo com o qual os poderosos buscam submeter ainda mais a classe trabalhadora, essas lutadoras e lutadores estão dando o recado de que, apesar de todos os ataques, existe uma unidade entre eles que os fortalece e os mantém na luta. Além disso, a sua é uma mensagem de que não vão se submeter e nem desistir da luta contra a opressão do Estado capitalista e racista até que seus filhos, irmãos, vizinhos e cada vida de trabalhadores e do povo negro e pobre seja respeitada, e não mais alvo de execuções sumárias.

“Eu preciso de justiça!”, falou uma das testemunhas ao Júri quando perguntada por que se encontrava naquele tribunal. No seu depoimento, ela contou como isso era necessário para a vida continuar. Enquanto isso, o corredor e o salão, que permite ao público assistir ao julgamento, era ocupado por apoiadores, mães e integrantes dos coletivos. Muitas são as histórias de dor, mas também de resistência. Uma mãe conta que fez um curso de investigação para ir atrás dos elementos de acusação do assassino de seu filho e de seu marido. Ela conta que, ainda no hospital, o policial circulou com a foto dos dois já mortos no celular e batia no peito com orgulho. Outra mãe que esperava para pegar o filho na creche, mas que dizia retornar logo para continuar apoiando as demais durante o julgamento, dizia: “eu não tive meu filho morto, mas estou aqui para dar suporte. Não quero que aconteça o mesmo com o meu e não acho que isso é uma coisa só das mães que perderam os seus”.

Cada uma presente carrega em meio ao peito, através de uma camisa, a foto do ente querido levado embora. Muitas compartilham, convictas, de que a sentença e o afastamento dos assassinos de suas funções é o mínimo para a possibilidade de enfraquecimento dessa política de opressão do Estado através da violência e eliminação dos setores mais precarizados e oprimidos da classe trabalhadora e do povo pobre.

Como tudo ocorreu

No dia 02 de Abril de 2009, a família de Josenildo seria surpreendida com uma notícia trágica. O trabalhador de 42 anos teria saído num intervalo em sua oficina para comprar cigarros no Morro da Coroa, zona central do Rio de Janeiro. Lá ele teria sido surpreendido pelos policiais do 1º Batalhão de Polícia Militar, que o teriam executado com um tiro pelas costas, atingindo a nuca. Quando morto, Josenildo ainda tinha graxa nas mãos. Neste mesmo dia, os policiais assassinaram outras cinco pessoas na comunidade. A suspeita da família e da defesa é que Josenildo tenha justamente testemunhado os outros assassinatos, o que teria levado à polícia a executá-lo e fazer o registro da ocorrência como "auto de resistência".

Auto de resistência é o termo jurídico usado para quando há uma suposta resistência em confronto com as polícias, mas o que na prática se dá é um absoluto salvo conduto para que policiais façam o que bem entendem nas favelas e periferias Brasil afora, como neste caso de Josenildo e dos outros cinco vitimados pela PMERJ. Na prática, nada mudou ainda que algumas alterações tenham sido feitas no mecanismo que agora é definido como “lesão corporal/homicídio decorrente de oposição à ação policial”. Na realidade, trata-se puramente de tentativas das polícias civil, federal e militar de “maquiar” e buscar mais subterfúgios para as tantas mortes ao redor da qual justificam sua existência.

“A nossa vida foi destruída. Não tem mais a nossa família. Cada um foi para um lado. Eu não tenho mais trabalho e sofro ameaças, mudo o tempo todo de lugar”, conta um membro da família sobre o que aconteceu desde que decidiu levar adiante a denúncia da morte do familiar. Ele conta que percorreram a vizinhança com cartazes para buscar informações sobre o que aconteceu. Depois disso, relatos apareceram. Moradores trouxeram detalhes torpes das mortes. Uma pessoa contou que presenciou os policiais “cantarem parabéns” entre os tiros que escutou, pois naquele dia, segundo informações coletadas, uma das pessoas assassinadas fazia aniversário e comemorava no entorno. Outra conta que escutou dos policiais os gritos de: “Morre logo, filho da put*! Difícil de morrer”. E ainda, que os policiais atiraram em um cano d’água que abastecia a comunidade para desfazer a cena do crime e lavar o local, causando um cenário de horror nas ruas do morro e levando um rio de sangue ladeira abaixo.

O caso de Josenildo é um dos tantos casos em que foi necessário a investigação da própria família para haver um levantamento sobre o caso, percorrendo a comunidade. Pouco a pouco, moradores que contribuíram com informações tiveram que deixar a comunidade, sob ameaças recorrentes de “ter a cabeça cortada e servida numa bandeja” por um grupo de policiais que iam de casa em casa e envolviam agentes para além dos assassinos.

Segundo os laudos, há provas de que os tiros foram de curta distância e que os assassinados se encontravam de joelho e com as mãos levantadas, na hora da morte. Os policiais teriam ainda levado Josenildo e as outras cinco pessoas já mortas para o Hospital Municipal Souza Aguiar, sob o pretexto de que cumpriram com a obrigação de socorrer as vítimas. Houve constatação de que os assassinados já haviam chegado mortos e com partes do corpo mutiladas e irreconhecíveis à unidade hospitalar. Os policiais, vendo a movimentação e coleta de provas da família, também teriam corrido, na época, para acelerar falsas testemunhas que serviriam para atrasar as investigações e pôr em xeque a inocência de Josenildo, além de justificar as demais mortes realizadas. Ou seja, constataram a verdadeira “pedra no sapato” que esse caso poderia significar para a sua atuação na região.

Diante de toda essa barbaridade, o julgamento foi marcado pela atuação apelativa e absurda da defesa da polícia, alegando que a mesma não intenciona tirar vidas quando inicia uma ação, mas pelo contrário, objetiva “defender a vida”! Essa é uma afronta a todos familiares e apoiadores buscando por justiça! Tal asquerosidade só não foi maior do que o momento em que a defesa se dirigiu às mães presentes no salão, falando que se os filhos delas se encontrassem ali, sendo julgados, ela faria a sua defesa igual. Pouca coisa pode se igualar ao nojo sentido diante da comparação de uma instituição como a polícia, que serve para matar, e a experiência de perda e dor que vivenciam frequentemente trabalhadores, povo pobre e negro em seus locais de moradia e trabalho.

Desdobramentos

Os policiais seguiram o seu serviço sujo na Polícia Militar, recebendo seus salários e ainda sendo acusados posteriormente de diversos outros crimes, inclusive, tendo outros autos de resistência nas costas.

Na última terça-feira, porém, após tanta luta travada, familiares puderam se fortalecer com a sentença de 54 anos por homicídio duplamente qualificado a cada um dos policiais assassinos. Como resultado da condenação, perdem ainda os cargos públicos de policial militar. A decisão, no entanto, ainda pode sofrer recurso da defesa dos condenados.

Temos visto o cenário de impunidade da polícia frente a todos os casos que chegam ao nosso conhecimento. Nas últimas décadas, foi renovado frente à nova onda da política de falsa “guerra às drogas” seguida agora no Governo de Lula-Alckmin em um sinal de colaboração com o aumento da repressão dos governos estaduais. Aqui, no Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o governador com o maior histórico de chacinas até hoje, teve um acordo assinado, através do Ministério da Justiça e Segurança de Flávio Dino, com o governo federal para a destinação de orçamento de 11 milhões de reais ao aparelho repressivo do estado.

Esse mesmo Ministério anunciou ainda a criação do ENFOC - Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas que será inaugurado através das ações de Garantia da Lei e Ordem (GLO) com a ocupação de portos e aeroportos pelas Forças Nacionais. A GLO confere às Forças Armadas a autonomia para atuar com poder de polícia até maio de 2024 nos locais determinados. Além disso, o decreto, que tem como pano de fundo a crise de segurança pública enfrentada por Rio de Janeiro e São Paulo, tem o intuito de fortalecer o alto escalão militar, para agradar a base bolsonarista recém agregada ao governo e tentar limpar a imagem corroída das Forças Armadas pós 8 de Janeiro e com o recente sumiço de armamentos do Exército em Barueri. Ela ainda possibilita a localização dos militares como força capaz de dar solução a essa crise, o que é totalmente repudiável visto o papel repressor dessa instituição e das polícias desde a ditadura até os dias atuais.

A luta das mães e familiares é um exemplo a ser seguido contra a repressão e opressão do Estado, como mostram os casos de Josenildo e como se faz necessário frente ao recrudescimento da violência de Estado. Por isso, é urgente que entidades de trabalhadores, dos movimentos estudantis e de juventude, assim como movimentos sociais, estejam presentes para fortalecer e construir cada ato e ação das mães e familiares nessa luta que deve ser de toda a esquerda pelo fim da violência policial e pelo fim de todas as polícias, pela investigação independente de todos os casos de assassinatos pelas mãos da polícia com a participação das organizações sociais e ativistas, e pelo direito dos familiares de acompanhar o processo com sua integridade respeitada.

Além disso, é necessário que não depositemos nenhuma confiança na justiça burguesa, pois ela mostra seu claro lado em situações como esta, em que um caso de chacina pode se arrastar por um longo tempo sem solução.




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