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OPINIÃO MÉXICO | Revolucionar as salas da escola para nos sentir livres

Muitos olhos observando como os jovens se transformam em alunos (“sem luz”). Como, ao modo de produção em massa, se localizam enfileirados em cada aula os garotos que têm que obedecer a alguém.

Felipe FoschiniEstudante secundarista mexicano

Matías BusiEstudante secundarista mexicano

quinta-feira 3 de novembro de 2016 | Edição do dia

Os meninos que concorrem aos colégios secundários resistem à observação constante e sistemática das autoridades das instituições, que controlam, por um lado, o comportamento do corpo estudantil e, por outro lado, a atividade daquele que transmite “conhecimento”, ou seja, o professor.

A ideia do controle foi desenvolvida por Michel Foucault mediante os conceitos de “pan-óptico” e “microfísica do poder”. Em sua obra “Vigiar e Punir”, explica, entre outras coisas, como os modelos de construção de cárceres se aplicam a várias instituições, tais como escolas, hospitais e fábricas. Essa afirmação se baseia na permanente vigilância sobre os sujeitos presentes em cada estabelecimento, e em gerar sensação nestes de estar constantemente sob observação.

Diante dessa definição, Foucault determina que as instituições já mencionadas são aparatos que transformam os indivíduos em mercadorias para o sistema capitalista, gerando neles obediência e subordinação.

O caso particular que queremos tratar aqui é o da resisteñcia dos alunos do sexto ano à observação sistemática que abre a disposição das salas e as janelas para exposição. Colocando cartolinas nos vidros, evitam que se veja do corredor o que ocorre no salão. Diante disso, os diretores costumam arrancar os papéis, e, dessa forma, é gerada um bate-volta de ação.

A vigilância silenciosa

Mas suponhamos que todas as janelas estão tapadas, que nenhuma autoridade tem seus olhos sobre os garotos e que nenhum professor pune seus alunos por desobediência. Deixamos então de ser caçados?

Essa pergunta nos leva a analisar a problemática mais profundamente: os meninos não somente se veem subordinados pela vigilância física, mas também por outros agentes como redes sociais, preconceitos, estereótipos.

Não deixaríamos de ser obedientes ao sistema. A grande maioria seguiria sacando o celular para rever mensagens carentes de emoção e carnalidade, seguiríamos julgando uma mulher por ser livre, um menino por ser amante da leitura, ou alguém por sua homossexualidade, continuaríamos tratando as empregadas como mucamas que devem arrumar nossa desordem, enquanto só alguns poucos enxergam que podem ser suas mães trabalhando para um patrão.

Nós mesmos nos vigiaríamos e puniríamos, porque as estruturas anteriormente nomeadas, somadas aos valores transmitidos pela educação familiar, pelos programas da Disney, a Igreja e as instituições educativas já gravaram um disco riscado com os valores da “normalidade e acatamento”.

Desde que começa o secundário, cada mente espera com ânsia a viagem sagrada para Bariloche, e, ao chegar no último ano, todas as energias dos estudantes, que também podia ser usada para melhorar as coisas, se voltam totalmente em romper a cabeça com sexo e álcool e, talvez inconscientemente, em confrontar as autoridades, as quais durante todo o curso escolar se empenharam em moldar-nos até a obediência.

As instituições

Como se nomeou previamente, no curso da história, diversas instituições impuseram sistematicamente os padrões de comportamento sobre a sociedade para estabelecer dominação.

As mais identificáveis dos últimos séculos são a Igreja, a família, a escola e o Estado. Todas, com suas respectivas diferenças de ação, determinaram e determinam como devem se comportar os indivíduos diante de sua sexualidade, ideologia, status social, status trabalhista etc.

Por exemplo, a família começa neste processo desde o nascimento determinando status. Às meninas são entregues objetos rosa, bonecas, jogos de cozinha e casinha, roupas com flores; enquanto os meninos recebem bolas de futebol, roupa azul ou celeste, carrinhos e armas.

A partir do jardim, essa diferenciação se agrava quando professores e professoras deixam bem claro como se comporta “um verdadeiro menino” e “uma verdadeira menina”.

No primário, começam a ser estabelecidos os valores culturais e sociais segundo a história escrita pelos vencedores. Temas de “normalidade” são tocados enquanto status sociais (heteronormatividade), acompanhados muitas vezes pela influência religiosa, que caracteriza como heresia qualquer comportamento que saia da regra.

Por sua vez, essa instituição difunde por gerações as ideias da inferioridade feminina, o status do parto e maternidade obrigatório e a subordinação ao “masculino”.

Também, em sua constante atividade misógina, a Igreja aparece várias vezes influenciando em questões que competem ao Estado, tomando protagonismo em temáticas como a legalização do aborto, que na Argentina deixa 300 mulheres mortas em situação de clandestinidade por ano. Ao mesmo tempo, em temas relacionados às drogas, direitos de educação sexual integral, racismo, xenofobia e até, em alguns casos, nos programas escolares.

Para refletir

Para continuar com o estávamos falando, consideramos que há duas frases ques estão na boca de muitos, jovens e adultos, estudantes e professores, ainda de maneira inconsciente. Uma delas é “vou me livrar”, referindo ao medo de ter que recuperar todas as matérias ao final do ano por não ir a uma quantidade obrigatória de dias para a escola. E essa frase reflete a situação que estão os alunos, os “sem luz”.

Não estão livres, estão presos e é a liberdade que temem. Porque essa liberdade tem uma punição, como todas as verdadeiras liberdades. E, na escola, esse castigo é o de bombar todas as disciplinas, que te disciplinam, que te ordenam, que te controlam. Por isso, desde a infância te ensinam a respeitar, a cumprir, a fingir.

Por outro lado, existe uma frase comum entre os jovens que dizem “escapei” ou “vamos escapar”. O que significa? Que terminamos? Isso quer dizer que a escola nos é condicionada e obrigada, nos é imposta e vigilante. Porque não estamos onde queremos e quando queremos, estamos onde nos obrigam e nos controlam.

Defender uma educação pública e de qualidade, para o conjunto da população, vai de questionar esses “conhecimentos” que observam, condicionam, vigiam e punem. Apostar na revolução cotidiana das aulas, onde se envolvam todas e todos os “sem luz”, professores e demais trabalhadoras e trabalhadores da comunidade escolar é o caminho para transformar essas sensações legítimas de confinamento, obrigação e controle em uma energia potencial libertária.




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