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CULTURA | Sierguéi Iessiênin: a flor única entre as estrelas

Apenas duas vozes apaixonadas se ergueram em implacável homenagem ao poeta, aquelas de Leon Trotski e Vladimir Maiakovski.

terça-feira 26 de janeiro de 2016 | 00:00

“Perdemos Iessiênin esse poeta admirável, de tanto frescor, de tanta sinceridade. E que trágico fim! Foi por vontade própria, dizendo adeus com seu sangue a um amigo desconhecido, talvez, para todos nós. Suas últimas linhas surpreendem por sua ternura e doçura. Deixou a vida sem indignar-se, sem protestos vãos, sem bater a porta, fechando-a docemente com uma das mãos por onde corria o sangue. Com esse gesto, a imagem poética e humana de Iessiênin brota em memorável resplendor de adeus.”

Com essas calorosas e ternas palavras Leon Trotski despediu-se após sua morte. Para os confins da União Soviética esses termos rugiram qual replicada sinfonia como tributo ao poeta que, voluntariamente, deu fim a sua vida em um quarto de hotel em Leningrado. Sem culpa e impertinência, ao contrário desses senhores letrados e levianos mestres em retórica que zombaram do mujique e sua lírica, ou então odiosamente silenciaram antes de sua partida. Para eles o poeta bêbado havia morrido. Para Trotski a humanidade havia perdido o poeta que a sua maneira havia exposto uma época “com seus cantos, que falam de forma nova do amor, do céu azul caído no rio, da lua com o ritmo de um cordeiro no céu, e da flor única, ele mesmo”. Lírica pura.

Vladimir Maiakovski também levantou sua voz. E então soou a beleza pura do poeta agitador que defendeu um companheiro de viagem diante da superficialidade emanada por uma confraria de ilustrados que gostava de caçoar do outro que, qual espelho, talvez, descarnava as suas próprias fraquezas.“Você se foi, como se costuma dizer,ao outro mundo. Que vazio...! Voando você há de incrustar-se nas estrelas. E já não te ajudam nem o dinheiro nem as tabernas. Sobriedade pura! Não, Iessiênin, não estou caçoando. Na garganta, ador ajusta um nó, e não é uma risada...”. Assim ele começou a disparar sua artilharia, para aprofundar à medida que avançavam as métricas: “É melhor morrer de vodka que de tédio. Não revelarão a causa desta perda, nem a corda nem o punhal suicida. Talvez, se houvesse tinta no hotel Anglaterre, você não teria razões para cortar suas veias. Os imitadores se alegrariam: -BIS! – aplaudiriam. Contra você, quase um esquadrão inteiro, parecia ter feito um ataque. Para que aumentar o número de suicidas? Melhor aumentar a qualidade da tinta”. Cuspindo a raiva.

A época esplendorosa de Iessiênin transcorreu antes da Revolução de Outubro. A base de sua lírica foi composta por amor a sua terra natal, o campo, que ele chamava de Rus. Recitou seus versos, não à multidão da vida política e social da cidade e suas fábricas, mas para a população rural pobre, explorados e oprimidos pelos proprietários e os ricos que nada mais faziam além de chupar o sangue do mujique. Trotski disse, e não condenando, que Iessiênin não era revolucionário, e "A evidência indiscutível não está em seus poemas sobre a rebelião popular, mas novamente em seu lirismo", e exemplificada por sua poesia: "Quieto no arbusto zimbro, ao lado da ravina. O outono, castanha égua, agita sua crina”.No entanto, a revolução não foi alheia ao poeta: "Ó mãe, pátria minha, eu sou bolchevique", agitava em 1918, enquanto mais tarde palpitava:"E agora para os sovietes, eu sou o companheiro de viagem mais ardente". Iessiênen não era estranho à revolução, não tinhama mesma natureza, nas palavras de Trotski, "Iessiênen foi um ser terno, lírico; a revolução é pública, épica, cheia de catástrofes, e um desastre o que quebrou a curta vida do poeta."

Maikovski, o poeta que deu voz aos 150 milhões que não tiveram, nem se importava que Iessiênen não fora o rim da Revolução: "Agora, seus lábios se fecharam para sempre. É inoportuno e doloroso falar sobre esses mistérios. O povo, o criador do idioma, perdeu um sonoro cantor, vice professor. E levam os velhos versos de outros velórios, tirados de outros enterrosquase sem refazer ou afiar as rimas. É a homenagem a que merece esse poeta?". A lírica era tão importante, mas ainda difícil em um tempo “em que o lixo infelizmente, é o mais abundante. Há muitas questões, nós só precisamos de tempo. Primeiro, temos de transformar a vida. Uma vez transformada, poderemos cantá-la.” Dizem que quando os canhões retumbam, as musas se calam. Só um respiro, uma batalha para dar e ganhar, depois,aniquilar as condições que fazem com que existam as classes, e então a poesia, entre outras coisas, ressurgirá em toda a sua essência para o regozijo da Humanidade.

Já no ano de 1925 o Estado operário estava em pleno processo de burocratização e enquanto Stalin chamava a construir o socialismo em um só país, Trotsky tinha sido removido da liderança do partido. As tensões geradas pelo NEP (Nova Política Econômica) se aprofundavam e a vida de Iessiênin se tornou de um "hooligan” um desajustado involuntário criado pelas duras condições impostas pelo mundo. Decidiu acabar com sua vida na noite de 27 e 28 de dezembro do mesmo ano. Apenas dois o homenageram. Vladimir Maiakovski, o poeta da revolução que terminou seus dias batendo o barco do amor contra a vida cotidiana "E nós estamos juntos você e eu. Então, pra quê?” E Leon Trotski, assassinado em 1940 em Coyoacan pelo agente Ramon Mercader da polícia secreta stalinista. Trotski, que deixou aseus herdeiros espalhados por todo o mundo a missão de cumprir o legado, mais vigentedo que nunca, com a vitória da Quarta Internacional em prolda libertação da humanidade.

O poeta Maiakovski finalizou sua homenagem ao companheiro de viagem, o poeta Iessiênin, em um belo canto: Vamos em frente...! Que deixemos o tempo para trás em frangalhos, e apenas o vento despenteie os tufos de cabelo alvoroçados. Para a alegria, nosso planeta está mal preparado. Temos de arrancar a alegria do futuro. Nesta vida, morrer não é difícil. Difícil é a vida e seu ofício."

O camarada Trotski escreveu palavras para o poeta de um outro mundo, sem louvor ou reprovação: “Preparemos o futuro. Conquistemos para todos e todas, o direito ao pão e o direito ao canto. O poeta está morto! Viva a poesia! Desamparado, o filho de um homem atirou-se ao abismo. Mas viva a vida criadora com que até o último momento Sierguéi Iessiênin teceu os fios de sua bela poesia. "

Iessiênin se foi. O poeta está morto, Viva a poesia!

Tradução: Anita Anoca


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