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Coluna | A força da luta de classes por trás do drama burguês sobre os sindicatos

O Vodcast "Dois Pontos" do Estado de SP realizou um debate no último dia 25/10 com a seguinte pergunta: "Os sindicatos vão voltar a ter protagonismo no Brasil?". Como convidados estavam o conselheiro da FIESP e Fecomércio, prof° FEA/USP Hélio Zylberstajn, e Juruna Gonçalves, dirigente da Força Sindical. O programa foi uma espécie de mesa de negociação informal entre a patronal e a burocracia sindical na tentativa de estabelecer um consenso burguês sobre o papel dos sindicatos no novo governo Lula-Alckmin. Algumas diferenças, muitas concordâncias, e um pavor comum: a luta de classes.

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

sexta-feira 27 de outubro de 2023 | Edição do dia

Reprodução/Divulgação

O drama burguês sobre o papel dos sindicatos no regime político é uma contradição em si. Ao mesmo tempo que a burguesia promove uma ofensiva ideológica contra os sindicatos, os enfraquece para aumentar a taxa de lucro, a super exploração do trabalho e a retirada de direitos, ela também depende da estrutura sindical controlada por uma burocracia para conter as lutas, impedir o protagonismo independente dos trabalhadores e desviar processos revolucionários da luta de classes.

A justificativa da necessidade de um regime sindical atrelado ao Estado Burguês pode ser compreendida pela teoria grasmsciana de Estado Integral. Aonde as relações orgânicas entre o aparelho de dominação e a sociedade civil se integram, a partir da combinação entre a força e hegemonia, por meio do "equilíbrio instável " de compromissos. Ou seja, momentos que a burguesia precisa sacrificar interesses econômicos, com o objetivo de manter sua dominação política, e consequentemente desoorganizar as classes dominadas. O regime sindical passa ser uma estrutura que propicia esse objetivo. E a burocracia que o administra, serve portanto, como polícia da ordem imperialista do capital que rege seu funcionamento. Cuja tensão estratégica media interesses inconciliáveis na relação entre capital e trabalho.

Tal preâmbulo teórico serve para demonstrar como o debate sobre o retorno do protagonismo dos sindicatos, mediado pelo Estadão, está dentro de uma ótica da classe dominante. E não sob perspectiva da classe operária, como força social hegemônica e sua atuação revolucionária no sindicato. O que não é difícil imaginar por conta da incessante colaboração de editoriais anti sindicais dessa mídia.

A prerrogativa da discussão reduz o papel dos sindicatos aos parâmetros do regime capitalista. Nesse sentido, toda a preocupação gira em torno de debater a representatividade atual dos sindicatos no novo governo de frente ampla, o financiamento mediado pelo STF que determinará essa integração com o Estado e as novas greves que surgem, como a recente contra as privatizações de Tarcísio em SP.

A questão da representividade

Antes de entrar no debate em si. Vejamos quem são os debatedores, porque isso já diz muito.

De um lado, Hélio Zylberstajn, o nobre conselheiro das federações patronais, defensor do neoliberalismo e privatizações do período FHC, e que recentemente ministra palestras sobre a importância dos resultados empresariais causados pela reforma trabalhista.

Do outro lado, Juruna Gonçalves, conhecido dirigente da Força Sindical, central oriunda da corrente do Sindicalismo de Resultado, uma vertente liberal do movimento sindical, que propunha a separação da negocial salarial do debate político, aceitando a evolução do neoliberalismo nos anos 90. Honrando essas tradição, Juruna foi protagonista importante nas reuniões de cúpula das principais centrais sindicais CUT- CTB- UGT- Força Sindical que traíram em 2017 e 2019 as greve gerais contra as reformas de Temer e Bolsonaro. Nesse ponto já deriva uma problematização importante do suposto "retorno do protagonismo dos sindicatos ". Afinal, a burocracia sindical foi determinante para derrotar a luta da classe operária, em troca naquele momento de negociar o financiamento sindical no congresso nacional. Tema que trataremos no tópico seguinte.

O que Hélio e Juruna estavam debatendo na realidade não se trata de protagonismo em si. Mas qual localização os sindicatos vão assumir nesse novo governo de conciliação dentro de uma distinta correlação de força, após 4 anos de bolsonarismo. Há um denominador comum nessa discussão associado a questão da representividade.

Os diagnósticos são muito semelhantes e se complementam ao longo da entrevista. Sem questionamento profundo ao neoliberalismo, mas concatenuando efeitos dele como a desindustrialização e terceirização. Contudo, o mais expressivo é que a burguesia brasileira ao negociar um novo pacto social e sindical, precisa se reordenar diante a conjuntura internacional, e o impacto latente da luta de classes em países imperialistas como na França, e mais atualmente nos Estados Unidos.

Esse último possui um peso simbólico de grande magnitude. O fato do presidente Joe Biden ser obrigado a ir num piquete da onda de greve dos trabalhadores de fabricas automotivas para fazer demagogia eleitoral na disputa presidencial, e da burocracia sindical usar dessas manobras para conter esses fenômenos novos que se desenvolvem, demonstram que o protagonismo que estamos tratando na realidade vai para além dos sindicatos. É a força social da classe operária, na luta de classes, o verdadeiro tema que está por trás de todo o debate.

A ofensiva contra os sindicatos que se disseminou nos anos de bolsonarismo, incentivada pelos palácios empresariais da Faria Lima, já não respondem mais a situação política atual. Não se trata somente de Lula negociar com as centrais, ao contrário de Bolsonaro, como Juruna relatou. O problema é mais profundo, e sua dinâmica é internacional. Se é verdade que os EUA possui uma taxa de sindicalização de 10% dos trabalhadores formais, semelhante aos 9% do Brasil, também é fato que o apoio social aos sindicatos na sua população chegou em 71% dos entrevistados. Índice mais alto desde a década de 60. Esse é o número que preocupa a burguesia.

A nova realidade do trabalho, com a entrada de uma nova geração no mercado, o aumento significativo do trabalho informal e precário com o advento das plataformas digitais e do fenômeno da uberização, reflete uma grande massa de trabalhadores sem direitos, que anseiam a organização sindical como resposta para melhorar suas condições de vida. A criação de sindicatos em empresas como a Amazon e Starbucks nos EUA demonstram uma tendência perigosa a burguesia, de instrumentos construídos de forma independente ao Estado Capitalista, enfraquecendo os mecanismos de contenção da própria burocracia sindical.

Estrutura e Financiamento Sindical

Em um determinado momento do programa, Juruna, ao comentar sobre o parecer favorável do STF aprovando a cobrança da contribuição assistencial paran não associados aos sindicatos, diz que as centrais sindicais estão negociando com o governo e as entidades patronais uma taxa que teria como teto máximo 1% da folha salarial anual dos trabalhadores, a fim de fortalecer a negociação coletiva. Em tom de brincadeira, Hélio respondeu "mas isso é muito pouco, acho que eu vou emprestar dinheiro para os sindicatos".

A referência utilizada pelo professor era o antigo imposto sindical compulsório criado na Era Vargas, extinto pela reforma trabalhista, e que previa uma arrecadação superior a 3% da folha salarial. Claro, que uma das preocupações em debate era em relação à cobranças abusivas realizadas por sindicatos, mas por outro lado o que Hélio quis ressaltar é que a discussão precisava transcender a órbita do financiamento sindical.

Toda a preocupação do conselheiro da FIESP girava em torno nas palavra dele de uma "nova estrutura para fortalecer os sindicatos ". E que isso seria realizado a partir de um dia nacional de eleições sindicais. Essa nova estrutura romperia com o modelo de unicidade sindical (um sindicato por categoria e território) e aumentaria, segundo ele a representatividade. Baseando-se, principalmente no modelo sindical alemão de sindicatos nacionais subdividido em ramos de produção ou serviço.

Juruna, apesar de discordar e defender a recomposição da estrutura atual por meio do único sindicato, não considerou má ideia. E num sentido complementar, transmitiu a ideia de que as centrais sindicais hoje cumprem esse papel de representação, cujo objetivo central seria fortalecer as negociações coletivas e o financiamento estaria em função disso. O que se pode perceber da fala do dirigente sindical é que a integração dos sindicatos no governo de frente ampla se daria por meio de um aumento do poder politico de negociação das centrais sindicais, em mesas conjunto com os empresários (como já abordamos nessa coluna), justamente o contrário do que seria fortalecer os sindicato de base como insinuou, com o argumento da repartição financeira recolhida pela nova taxa.

As greves contra as privatizações em SP

A parte final do programa se dedicou a debater as novas greves que surgiam em meio ao debate dos sindicatos. O intuito editorial dos entrevistadores era de condenar as greves como "políticas" e que isso não ajudaria para o desenvolvimento dos sindicatos. Além, claro, de não entrar de maneira nenhuma no tema das consequências da privatização, lembrado reiteradamente por Roseann Kennedy, que não era o tema da entrevista.

Juruna não teve muito o que falar até porque sua tradição como já dissemos é aversa ao fato do trabalhador fazer política. Falou bem timidamente contra as privatizações, do ponto de vista dos sindicatos realizarem o debate público, mas com certeza não em torno de envolver as centrais nessa pauta. Levando em consideração que durante todo o programa se colocou como um porta voz da cúpula das centrais. O que não poderia fazer nesse momento, já que as centrais sindicais isolaram a greve dos serviços públicos em SP, permitindo Tarcísio avançar nas medidas da privatização da Sabesp, Metrô e CPTM, apesar da grande disposição de luta dos trabalhadores. Respondida por ações antisindicais do governador da extrema direita que essa semana demitiu 8 metroviários e realizou uma suspensão de 30 dias por conta da luta contra a privatização. Fato logicamente, não denunciado por Juruna.

Por outro lado, Hélio foi mais arrojado e provocador na sua resposta. Disse que não tem nenhum problema trabalhador fazer greve política, que as próprias entidades patronais fazem ações políticas, mas que na greve em questão se trata de uma ação corporativa, pois o trabalhador estaria preocupado com seu emprego e não com supostos efeitos benéficos da privatização. E terminou reivindicando as privatizações do período FHC, que obtiveram sucesso mesmo com sindicatos mais fortes no período.

Um conselheiro da FIESP vir falar de corporativismo é no mínimo uma piada de mal gosto. Trata a vida de famílias inteiras como se fosse uma ação de egoísmo do trabalhador defender seu emprego. E desconsidera logicamente, as denúncias brutais que a própria greve dos trabalhadores abriu sobre os escândalos da política de privatização dos transportes e no saneamento em SP e diversos locais do Brasil. Ocasionando uma precarização no serviço, piores condições de trabalho, tarifas mais altas para a população, enquanto o lucro dos empresários só aumentou, com suas perdas e ausência de investimento da iniciativa privada sendo compensadas com dinheiro público pelo Estado.

Por sindicatos independentes dos governos e patrões, em defesa da mais ampla democracia e da unidade das fileiras operárias!

Os sindicatos só terão um novo protagonismo de fato, como instrumentos de luta da classe trabalhadora, a partir da construção de um novo tipo de sindicalismo, que supere a política de conciliação de classes do governo de frente ampla de Lula-Alckmin, a qual por diversas vezes já demonstrou ser responsável por fortalecer a extrema direita.

O pacto em negociação atualmente entre a burocracia sindical e o governo, através do ministro do Trabalho e ex presidente da CUT Luiz Marinho, respalda as reformas aprovadas nos governos golpistas anteriores, legítima o arcabouço fiscal e a reforma tributária, e aprofundam a agenda de privatizações conforme o interesse do capital financeiro. Os mecanismos de contenção por trás desses pactos têm uma dimensão internacional dentro de uma etapa marcada pela crise orgânica, onde novos fenômenos da luta de classe não param de emergir nos países centrais e periféricos do capitalismo.

Precisamos construir sindicatos independentes dos governos e patrões, que defendam a mais ampla democracia operária, a mais plena liberdade sindical e que busque através da auto organização abranger os setores mais explorados da classe trabalhadora, unificando todos em uma mesma fileira de trabalhadores efetivos, terceirizados e precarizados. Contra a fragmentação sistemática que a burguesia e seus governos impõe para enfraquecer a nossa luta e aumentar a super exploração e opressão. Sem independência financeira não existe independência política, e sua máxima realização é atraves da sustentação voluntária dos sindicatos com a contribuição direta dos próprios trabalhadores, e não sob impostos e taxas negociadas assistenciais que a curto, médio e longo prazo só aprofundam os traços de dependência dos sindicatos com o estado capitalista e os privilégios materiais dos dirigentes da burocracia sindical.

Para essas tarefas a luta pela construção da frente unica operária, passa pela exigência e denúncia a burocracia sindical, sem aceitar os limites postos do regime sindical vigente, pois esse vai na contramão dos objetivos de construir sindicatos que preparem os trabalhadores em suas lutas para projeto politicos superiores, transformando-os em tribunos do povo que exerçam a função hegemônica de superação do capitalismo. Ou seja, assim como Lênin definia escolas de comunismo, que formem operários não para a luta econômica em si, mas para a tomada do poder, o controle da produção, a planificação da economia e a construção de uma sociedade sem classes.




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