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Debate | Boulos-Marta: com articuladora da Reforma Trabalhista e ex-Secretária de Nunes, uma chapa “viável” para a elite paulista

Está selada a aliança da chapa de Guilherme Boulos, do PSOL, com Marta Suplicy, cuja saída da prefeitura do bolsonarista Ricardo Nunes e retorno ao PT foram articulados diretamente por Lula, em prol de uma reedição da fórmula da frente ampla para disputar a prefeitura paulistana. À frente das pesquisas de intenção de voto, a candidatura de Boulos pretende alçar definitivamente o PSOL como uma alternativa de gestão capitalista na principal capital do país, limpar qualquer sombra de “radicalidade” de seu nome e aparecer como “viável” para a elite paulista.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

domingo 4 de fevereiro | Edição do dia

Em São Paulo as trabalhadoras e trabalhadores, jovens e todes oprimidos vêm enfrentando duros ataques do governo de extrema direita de Tarcísio, que na capital atua junto a Ricardo Nunes, candidato apoiado pelo bolsonarismo na eleição municipal deste ano. Nunes não somente vem de ataques importantes, como a interrupção do serviço de aborto legal no hospital de Cachoeirinha, como provavelmente contará como vice com Ricardo de Mello Araujo, um ex-Rota, indicado diretamente pelo PL de Jair Bolsonaro, que liderou uma invasão armada a um sindicato em São Paulo. O enfrentamento aos ataques e a essa extrema direita é uma tarefa de primeira ordem, em uma capital marcada por importantes greves e mobilizações, onde diversas categorias vêm batalhando contra a privatização da SABESP, o mesmo projeto de Tarcísio na CPTM e no Metrô, contra a precarização e milhares de demissões na educação, além de enfrentar a repressão aos que lutam.

Por isso mesmo, é preciso dizer: Tarcísio tem se apoiado de forma determinante na política de conciliação do governo Lula. Se o governador diz que a candidatura de Nunes seria também representante de uma “frente ampla” na cidade, utilizando os mesmos termos reivindicados por Boulos e Marta, é preciso reconhecer que ambos os lados teriam motivos para se postular inclusive como parte da “frente ampla” nacional. O vídeo indigesto de Lula em evento recente em Santos, reivindicando o “trabalho” de Tarcísio junto ao seu governo em anos anteriores, sob gritos de “volta para o PT, Tarcísio”, assim como a cínica declaração de Boulos de “se bobear, o Lula traz até o Tarcísio para essa frente ampla”, certamente dizem mais do que mil explicações. Além disso, tal como o PSOL, não só o Republicanos de Tarcísio tem cargo no governo federal, com o Ministério de Portos e Aeroportos, como também o MDB de Nunes é base do governo e foi agraciado com três pastas.

Lula, enquanto articula a chapa de Boulos, também tem se mostrado mais do que disposto a “trabalhar” para os planos do governador de São Paulo liberando verbas do BNDES para os projetos privatistas de Tarcísio - inclusive do Metrô e CPTM -, que se beneficiam também do Arcabouço Fiscal. Enquanto isso, o golpista Temer, um dos principais representantes do MDB de Nunes, elogiou o teto de gastos de Haddad - medida neoliberal implementada pelo governo que o PSOL compõe.

Assim, não é difícil perceber que a conciliação de classes está fortalecendo a extrema direita; ao mesmo tempo que a luta de classes tem se mostrado como o único caminho com potencial para derrotá-la. Por isso, quem deseja derrotar os ataques e o bolsonarismo, representado nas eleições por Nunes, não pode apostar na chapa de Boulos e Marta Suplicy, que só repete e aprofunda essa política de conciliação de classes da frente ampla.

Se a entrada do PSOL no governo Lula-Alckmin já havia sido um passo fundamental no processo de subordinação do partido ao regime político, a decisão de disputar a prefeitura de São Paulo como “vale tudo” junto com empresários é um novo passo nesse caminho da conciliação de classes. Mas Boulos precisava de um “Alckmin”, ou seja, de uma figura à direita o suficiente para deixar claro que sua candidatura não tem absolutamente nada de “esquerdista”. Eis que a golpista Marta Suplicy aparece como o nome perfeito para este projeto de “socialdemocratização” do PSOL. A elite paulistana precisava de alguém da estirpe de Marta, que foi articuladora da reforma trabalhista de Michel Temer, que até flores entregou para Janaína Paschoal no contexto do golpe institucional, tendo sido a presidente da Comissão de Assuntos Sociais que levou adiante toda a primeira etapa da votação da reforma.

Em mais um ano eleitoral, uma candidatura como a do bolsonarista Ricardo Nunes abre espaço para distintos argumentos para tentar justificar a presença da ex-Secretária de… Nunes! na chapa de Boulos... Nas palavras de Boulos, “Marta agrega profundamente para o projeto que estamos construindo em São Paulo, agrega experiência administrativa, amplitude a essa ideia de uma frente democrática na cidade. Aliás, foi a razão da ruptura dela com o governo atual do Ricardo Nunes, que firmou uma aliança com Jair Bolsonaro”. É claro que é difícil justificar que você irá enfrentar Nunes com a própria secretária da gestão de Nunes, a não ser que você tente mostrar que seu “talento” seria justamente conseguir ampliar tanto o arco de alianças a ponto de chegar em setores da prefeitura atual. É a “frente amplíssima”.

Marta, que ocupava até o mês passado a Secretaria de Relações Internacionais de Nunes, agora teria virado uma espécie de baluarte da frente democrática. Em um rompante de consciência, teria percebido que Nunes era bolsonarista e pediu demissão. Não fossem os muitos elogios de Marta aos feitos da gestão de Nunes em carta de demissão, a leitura de Boulos poderia enganar um desavisado. No entanto, serve apenas como argumento interno para justificar dentro do PSOL tamanha capitulação. Por isso, também há os pragmáticos: “assim como engolimos Alckmin, engoliremos Marta”, que é a nova forma de se referir ao conceito de “mal menor”.

Mas assim como terão que “engolir Marta”, será preciso engolir quem não somente apoiou o golpe institucional de 2016 e articulou a Reforma Trabalhista, mas quem foi Secretária de Relações Internacionais de Ricardo Nunes enquanto este se reunia há meses com partidos como o PL e o União Brasil e vem de capítulos no mínimo asquerosos, que indicam sua adesão ideológica ao bolsonarismo. Para Tarcísio de Freitas, seu apoio ao aliado Nunes era “lógico”, tanto quanto o de Jair Bolsonaro. Poderíamos citar, sobre isso, a participação de Nunes na bancada religiosa da Câmara Municipal de São Paulo, como católico fervoroso em “luta” contra a “ideologia de gênero” - que já em 2015 dizia: “eu sou pela família, gênero não”. Ou sua coautoria em um projeto de lei pelo “Escola sem Partido”. Claro, na realidade, é evidente que a “experiência administrativa” de Marta, tão reivindicada por Boulos, bem como sua “amplitude”, são um recado para a elite paulista que o PSOL tem ao seu lado alguém “flexível” o suficiente, que prestou serviços a um aliado de Tarcísio e Bolsonaro… há cerca de um mês.

Marta entrega flores à Janaína Paschoal, junto a Ana Amélia

Juliano Medeiros e Paula Coradi, atual presidente do PSOL, em nota vexatória dizem que a história de Marta “não parou em 2016”, quando proferiu seu significativo e nefasto voto a favor do golpe institucional no Senado, algo um tanto quanto distante de uma “democrata”, além de, no mesmo ano, ser favorável ao Teto de Gastos de Temer (golpista do seu então partido MDB). Estão certos: a história não parou em 2016, sendo ali uma marca da trajetória posterior de Marta; em 2017, a então MDBista votou a favor da Reforma Trabalhista, que rasgou o que havia de direitos trabalhistas para a massa precária no Brasil, sendo sobretudo uma importante articuladora desse ataque.

Como presidente da Comissão de Assuntos Sociais, Marta pedia agilidade na votação da Reforma, dizendo que era “uma lei para o trabalhador e para quem quer contratar, para que possa fazê-lo com segurança”. Enquanto isso, o próprio Boulos denunciava que essa Reforma retrocederia a condições de trabalho dignas do século XIX. Marta foi entusiasta inclusive do ponto do acordo que propunha que gestantes e lactantes trabalhassem em locais com insalubridade, o que chamou de uma forma de “empoderamento” feminino (!!) - mais uma vez provando na prática os absurdos do “feminismo” liberal contra a massa feminina precária. Já Boulos, na época, denunciou essa medida, dizendo: “A que ponto o espírito da casa-grande contamina a mentalidade da elite”. Mas hoje tudo isso são águas passadas… O PSOL não só evita denunciar a Reforma Trabalhista, como se alia a uma de suas articuladoras. Afinal, a Reforma só não é página virada na vida concreta da classe trabalhadora, submetida a jornadas intermitentes, uberização e condições precárias.

Seguindo sua trajetória, em 2020, Marta deixou o Solidariedade, para fazer campanha por Covas contra o próprio Boulos, e terminou colaborando com a prefeitura do aliado de Tarcísio. Sim, em nome de construir a narrativa que exalta suas enormes contribuições para a “frente democrática” no combate à extrema direita, Boulos e o PSOL vão realmente precisar apagar vários capítulos da história recente de Marta, para além de seu golpismo em 2016. Do contrário, deixarão escancarado mais uma vez que a retórica do “combate à extrema direita” de seu partido não passa de jogo de cena para ganhar votos em eleições.

Mas, obviamente, Boulos e o PSOL estão há tempos no vale tudo para comprovar sua “viabilidade” para a burguesia na prefeitura de São Paulo - e por isso cada vez mais distantes da luta contra as privatizações em São Paulo. Essa disputa eleitoral será uma vitrine do projeto nacional desse partido, que, por sua vez, não passa de uma tentativa de reeditar de forma farsesca as experiências falidas de neorreformismos mundo afora.. A campanha de Boulos em 2020 contra Covas já havia sido uma primeira mostra disso. No programa, garantindo “responsabilidade fiscal”, inclusive debatendo parcerias com o setor privado e sentando com a patronal do comércio de São Paulo, com expoentes do bolsonarismo que passaram a pandemia lucrando com a contaminação de trabalhadores. Nas alianças, somando em sua “frente ampla” partidos golpistas como o PSB de Alckmin e Tábata Amaral e a Rede anti-aborto de Marina Silva - com a qual posteriormente faria sua federação, com um programa comum. De lá para cá, é evidente que a subordinação do PSOL à frente ampla e sua integração ao regime somente se aprofundaram, e que 2024 não será 2020.

Quando organizações como a Resistência-PSOL reivindicam a entrada de Marta na chapa de Boulos relembrando contribuições que teria dado à cidade de São Paulo como o Bilhete Único e a construção dos CEU´s (Centros Educacionais Unificados), deixam de dizer não só que, longe de “enfrentar a Máfia dos Transportes”, como diz o petismo, Marta Suplicy aumentou seguidas vezes a tarifa de ônibus na capital, acima da inflação. Mas sobretudo, escondem que Marta Suplicy, ao apoiar a reforma trabalhista do golpe institucional, precarizou a vida dos trabalhadores e seu acesso aos transportes, educação e lazer. Essa organização termina de demonstrar que de marxismo não tem mais nada, utilizando uma memória de senso comum popular com medidas elementares que a população de São Paulo relembra diante do nível de precariedade do transporte e da situação dos bairros periféricos para transformar em justificativa da entrada de uma golpista ajustadora em uma chapa apoiada por empresários. Chegam ao ponto de utilizar a retórica de que o “projeto do PSOL para a prefeitura de São Paulo não é o mesmo de Marta”, enquanto Boulos diz na imprensa que “Marta veio para construir essa frente”, “nosso projeto”. Querem com isso dar um verniz de esquerda a essa decisão trágica. Não se poderia esperar menos de uma organização que cada vez mais teoriza o abandono da luta pela revolução socialista em nome de um suposto combate à extrema direita como fim último.

Por outro lado, o MES de Sâmia e Luciana Genro, que manteve silêncio durante semanas sobre a chapa em São Paulo, a serviço de seu eleitoralismo desenfreado e buscando preservar seu posto na disputa pela prefeitura de Porto Alegre também com o PT, termina convergindo na mesma política. De maneira quase cômica, começa seu artigo afirmando que é necessário “ir além” do “debate Marta”, pois “há uma mudança em curso no PSOL e a maioria de sua direção aderiu à estratégia de gestão do Estado burguês”. Poderia ser surpreendente então constatar sua conclusão: “Vamos, evidentemente, fazer parte dessa “frente democrática” que representará a candidatura de Boulos (e Marta)”. O MES quer “ir além” do “debate Marta” porque estará com Marta, claro. Tenta alegar que o problema central estará no programa da chapa. Mas qual programa o MES acha que a chapa de Boulos terá? O mesmo programa que essa corrente defendeu para a federação com a Rede, que também votou por reformas? Ou o programa da frente ampla da qual o PSOL é parte? Essa é a farsa de uma corrente que a todo momento faz discursos e artigos tentando se diferenciar da direção majoritária do PSOL em prol de seus próprios cálculos de aparato partidário, mas sempre termina… Legitimando a “estratégia de gestão do Estado burguês”, com a mesma política da maioria.

Não é difícil perceber que a conciliação de classes está mostrando que abre espaço para a extrema direita - e que o PSOL é parte disso, em São Paulo e no país. É a mesma lição que está vindo com toda força da Argentina hoje. Respeitando os interesses capitalistas que impunham descarregar a crise sobre as costas dos trabalhadores piorando muito as condições de trabalho e de vida, o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner preparou o caminho para a ascensão de Javier Milei, que hoje busca aplicar um selvagem ajuste neoliberal, contando com a colaboração da “oposição dialoguista”, incluindo o peronismo. Centenas de milhares de trabalhadores, jovens e ativistas estão nas ruas contra essas medidas e paralisaram o país, mostrando o caminho que pode derrotar esses ataques.

Não bastasse isso, o PSOL já dirigiu uma capital nos últimos anos: no espelho de Belém, vemos as esperanças de Boulos - depois da tragédia de Clecio Luís no Macapá, que enfrentou uma greve de professores, e de sua grande inspiração no Podemos espanhol, que também deixou seu legado abrindo espaço para a direita e se colocando contra a autodeterminação do povo catalão. Congelamento de salários, aumento da tarifa dos transportes, corte de ponto de grevistas e repressão à juventude: Edmílson Rodrigues veio demonstrando mais uma vez como é quando o PSOL assume uma prefeitura. Mas, em se tratando de São Paulo, Boulos precisa ir além, e não tem medido esforços para deixar para trás qualquer aura de “radical”, assumindo para si a defesa da “eficiência” das gestões capitalistas e inclusive com um discurso cada vez mais constante por uma São Paulo “segura” (orgulhando-se de seu diálogo com Doria e a PM de São Paulo, responsáveis pelo massacre de Paraisópolis).

Se a entrada de Marta na chapa pretende consolidar esse caminho, não foi o único gesto de Boulos. Pelo contrário, seus encontros com o ex-prefeito de Nova York, Bill De Blasio, figura de peso do imperialista Partido Democrata, e com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, não deixam de ser simbólicos. Hidalgo, com quem Boulos se reuniu há poucos dias, acaba de censurar um evento cujo mote seria “contra o anti-semitismo, sua instrumentalização e pela paz revolucionária na Palestina”, que contaria com a presença de Judith Butler. Seu autoritarismo teria se dado em nome de “evitar polêmicas”, em um país marcado pela colaboração com a opressão colonial de Israel. Talvez seguindo esse exemplo Boulos venha mantendo atroz silêncio sobre a situação do povo palestino, preocupado com “evitar polêmicas” com o sionismo burguês de São Paulo, bem representado na FIESP com a qual se reuniu.

O silêncio de Boulos, por sua vez, não se resume a esse tema e tem sido alvo de debates inclusive na grande mídia, em se tratando das recentes mobilizações no estado de São Paulo. Enquanto os metroviários de São Paulo protagonizaram três significativas greves contra as privatizações de Tarcísio e importantes ativistas estão enfrentando demissões e repressões (inclusive por não se calarem sobre a Palestina), Boulos manteve silêncio também sobre a luta de classes na cidade que pretende governar. É preciso lembrar que já em 2020 dizia que em seu governo não seriam necessárias lutas e que cumpriria mandados judiciais de repressão, em respeito à lei.

Aí também se mostra que o que está em jogo não é o “combate à extrema direita”, uma vez que, para se apresentar como “viável”, Boulos se cala sobre a única força social que está demonstrando disposição para enfrentar Tarcísio, e potencial para detê-lo ganhando apoio popular, que é a mobilização da classe trabalhadora em aliança com os movimentos sociais e a população de São Paulo. Já podemos esperar que, em ano eleitoral, a política de conciliação representada pela aliança com Marta só levará a aprofundar isso, e à contenção das lutas, que as burocracias sindicais já vieram fazendo.

A “viabilidade” capitalista do PSOL ao lado de golpistas e empresários está na contramão do caminho de fortalecer a classe trabalhadora em uma luta independente e auto-organizada contra todos os ataques, como Boulos demonstra em São Paulo. Essa luta terá de se enfrentar com todos os governos que defendem a Lei de Responsabilidade Fiscal e os mecanismos de exploração capitalista. O que fará Boulos, que hoje silencia sobre essas lutas para ser eleito, quando os trabalhadores se rebelarem em lutas selvagens contra a patronal para a qual hoje ele acena? Já está claro que não é do lado dos trabalhadores que ele estará, é do lado de Marta Suplicy, que até ontem estava com Ricardo Nunes e agradando os empresários.

Nesse cenário, nós do MRT viemos chamando diversas organizações e figuras, com as quais antes construímos o Polo Socialista Revolucionário, porque precisamos nessas eleições municipais de uma alternativa política de independência de classe, que apresente um programa da classe trabalhadora independente de qualquer setor da burguesia. Uma candidatura a serviço de impulsionar e fortalecer as lutas que a classe trabalhadora vem protagonizando em São Paulo, as lutas das mulheres, negras e negros, pessoas LGBTQIA+, da juventude, na perspectiva de batalhar por uma verdadeira frente-única operária, para colocar de pé a força que realmente pode enfrentar e derrotar os ataques da extrema-direita e o bolsonarismo representado por Nunes, através da luta de classes .




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