×

Onda de calor | O mesmo calor para todos? A classe trabalhadora é quem mais sofre com as temperaturas recorde no Brasil

Entre os deslocamento nos já precários meios de transporte das grandes cidades e a dura realidade da moradia no Brasil, o calor queima ainda mais a classe trabalhadora

terça-feira 14 de novembro de 2023 | Edição do dia

O calor torna-se um grande desafio no dia-a-dia para os setores explorados e oprimidos: a indisposição, o esgotamento e outros sentimentos de exaustão florescem mesmo nas ações mais cotidianas. De fato há quem se blinde com ar-condicionados em casa ou em escritórios amenos dos prédios espelhados nas grandes avenidas do país, mas isso via de regra é um grande privilégio de um pequeno setor da elite brasileira. A grande realidade é que milhões de brasileiros saem ao trabalho em condições precárias pelas ruas a um sol de 40⁰C, muitas vezes sob reflexo dos raios de luz desses mesmos prédios espelhados!

Não só o conforto e a escapatória do calor possui um recorte de classe: a realidade também é de uma condição climática agressiva que se soma a tantas outras condições precárias de vida já presentes no cotidiano da classe trabalhadora brasileira. As condições de saúde, principalmente de PCDs e idosos pioram abruptamente, ainda mais se em moradias precárias. Isso também é um problema para muitos que não conseguem ter o mínimo de descanso após um dia de trabalho, sem um mero ventilador em casa. Leva-se em conta também as condições de trabalho e de transporte que pioram. "Trem que vira forno" como noticiou até mesmo a mídia burguesa em um texto ontem no jornal da Folha. O que o veículo não notícia e nem provoca, evidentemente, é que as condições dos trens nas cidades, por culpa da privatização, podendo-se nomear entre várias a ViaMobilidade, da Linha 9-Esmeralda de SP, já são desastrosas, e o calor apenas aquece ainda mais com a precarização desses serviços, vendido a um preço ridículo e mal administrado pelas empresas privadas, sem nenhuma perspectiva de atender as demandas do público de mais de 600 mil trabalhadores por dia.

O calor também afeta as crianças do Brasil. As escolas são muito atingidas por essa onda de calor, suas alunas e alunos, suas professoras e professores e tantos funcionários lá presentes. O berço da educação que já se encontra muito danificado pela negligência do Estado e dos governos liberais marcando sucessivos ataques no Brasil, e basta uma onda de calor para acentuar ainda mais as dificuldades de lecionar e aprender. Maíra Machado, professora do Estado de São Paulo e Coordenadora da APEOESP Santo André relatou nas redes a realidade de seu trabalho durante a onda de calor, que é a dura realidade da grande maioria das salas de aula no Brasil: "37⁰ em SA [Santo André]. Na sala de aula tá muito mais quente que isso. Somos mais de 40 apertados e sem ventilação, quando funciona o ventilador o vento sai quente. E é aluno e professor passando mal. No pátio não cabe a escola toda. Condição insalubre para ensinar e aprender nas escolas de SP."

Fato é de que essa condição é uma condição histórica: os séculos de exploração da natureza incessante do capitalismo (e dos capitalistas) criou uma crise climática em escala global hoje, mas nos sucessivos dias, meses e mesmo anos em que não são eles que pagam, e sim a classe trabalhadora. Não é só o calor, foram também as fortes chuvas e ventos em SP, que também escancarou a privatização dos serviços de luz com os apagões que demandou mais da ENEL do que a privatização poderia oferecer. Também são os tsunamis meteorológicos ocorrendo em Santa Catarina, invadindo as praias do estado.

A nível global a situação é a mesma, o fenômeno de explorar novos continentes há 500 anos e de jogar carvão e petróleo direto na atmosfera há 200 marca décadas de esgotamento do planeta, e isso afeta incondicionalmente os trabalhadores e os setores oprimidos em geral. Milhões refugiados climáticos já se movimentam e tendem a continuar a se movimentar para escapar da tão acelerada mudança nas condições de vida, marcadas pela exploração do planeta. Povos indígenas sem terra, quilombolas e tantas outras populações são forçadas a sair de suas terras, muitas vezes rumando às periferias das grandes cidades para trabalhos desumanos. Os sertanejos, os desclassificados da Terra também são historicamente despejados pela seca e pela propriedade privada, em um eterno retorno de Vidas Secas, como escreveu há quase um século Graciliano Ramos. Tudo culmina nas cidades, que em um dia como hoje, mostram-se incapazes de prover qualidade de vida sob o capitalismo.

Tudo isso nos alerta que é necessária uma saída anticapitalista para essa crise. E mais do que isso, uma saída imediata para os problemas que se apresentam hoje em nossa realidade, que são extremos, reais e acima de tudo, conectados. A exploração da natureza deve encerrar-se para conseguirmos encerrar essas situações extremas do clima, e com ela a exploração capitalista do trabalho e de nossas vidas.

No Brasil, o debate ambiental precisa passar superar a política petista de conciliação de classe que nesse último período é expressa pelo uso dos direitos dos povos indígenas como moeda de troca para aprovação da reforma tributária, abrindo mão do veto ao marco temporal. Não é possível conciliar os interesses das populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas, da terra, da fauna e dos biomas brasileiros com o agronegócio que os destrói. Só uma alternativa com independência de classe, que alie os trabalhadores aos setores oprimidos pode de fato dar uma resposta a essa crise ambiental. A luta contra a catástrofe ambiental deve estar alinhada com as reivindicações da classe trabalhadora, não cedendo aos discursos de “capitalismo sustentável” e “capitalismo verde”, que não escapam da lógica de exploração do capital e da natureza ao mesmo tempo que não fazem força contrária à secular exploração. O Governo Lula-Alckmin, que embandeira-se do discurso do capitalismo verde, muito representado pela ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima Marina Silva, possui posições conformistas politicamente em um mundo sem espaço para conformidades, o que na realidade não nos fornece respostas. Ademais, o governo se mostrou esclarecidamente aliado com a direita brasileira ligada à bancada ruralista, como expresso na campanha eleitoral do 2º turno das eleições de 2022 com a ruralista Simone Tebet, e que hoje é mais uma ministra do governo da Frente Ampla.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias