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São Paulo | Enel e a farsa das privatizações

Na propaganda utilizada para vender o peixe das privatizações o grande argumento levantado é o da eficiência. A crise da Enel dos últimos dias desmascarou a mentira

Thiago FlaméSão Paulo

sexta-feira 10 de novembro de 2023 | Edição do dia

A maior cidade da América do Sul viu milhões de pessoas ficarem sem energia eletrica nas suas residências e comércios. Desde sexta-feira momento em que a pane se iniciou, na quarta feira 11 mil residências ainda começaram o dia sem luz e protestos começaram a pipocar em algumas regiões. Eficiência para quem, é a pergunta que precisa ser feita o fala de privatizações

Enquanto um grave temporal atingia a cidade de São Paulo, vimos uma tempestade de areia cobrir a cidade de Manaus. Eventos aparentemente isolados, mas que são na verdade ambos expressão do agravamento da crise ambiental. No fundo, as causas da crise ambiental e do apagão em São Paulo são as mesmas e cada vez mais sofremos as consequências de eventos climáticos extremos. Já não se pode responder a esses problemas com uma atitude de surpresa cínica, como fizeram os administradores da Enel, problemas que monopólios como a Italiana Enel ajudaram a criar.

A eficiência da Enel, como de toda empresa capitalista, não se mede pela qualidade do serviço ou do produto vendido, mas pela sua capacidade de gerar lucro e distribuir dividendos aos acionistas. Medida por esses parâmetros que são o que realmente importa para os empresários, a Enel tem sido um caso de sucesso. Como o jornal Folha de São Paulo estampou em suas manchetes, desde que assumiu a antiga AES Eletropaulo, a Enel dobrou os lucros e reduziu 34% do quadro de funcionários. Os acionistas esfregam as mãos e elogiam: quanta eficiência! Bastou que se vivesse uma situação de emergência para ficar demonstrado que a eficiência na distribuição de dividendos não se traduz na eficiência em distribuir energia. Se, depois de tudo, a Enel SP fechar o ano de 2023 com lucro igual ou superior, ainda será apontada como um exemplo de superação.

Parte do problema, apontam os especialistas, está no contrato de privatização da Eletropaulo ainda durante o governo de Mário Covas na década de 90. Ali se estipulou que novos investimentos entrariam na tarifa cobrada ao consumidor, mas que os custos de manutenção da rede não. O resultado é que, buscando maximizar os lucros, os cuidados com manutenção da rede de distribuição foram negligenciados por décadas. E, cúmulo do cinismo, agora se discute que o investimento necessário para tornar a rede subterrânea teria que ser custeado com aumento de tarifas.

Além da Enel, a Eletrobras

Poucos hoje se lembram do apagão elétrico de 2001, quando o então presidente FHC anunciou que o país teria que cortar 20% do consumo de energia elétrica em função da seca que atingiu os reservatórios. Foram as consequências do início da privatização do setor elétrico brasileiro, que até então era um exemplo a nível internacional, baseado numa rede sustentada pelas hidrelétricas e integrado a nível nacional. Como não foi previsto que existia um gargalo da geração de energia? A questão não é de previsão, mas que os investimentos na área são custosos e de amortização no longuíssimo prazo. Nenhuma empresa privada tinha interesse - explicando a situação a grosso modo - em investir um grande capital que levaria décadas para ser amortizado.

A solução dada foi complementar o sistema hidroelétrico com a expansão das termelétricas operadas a gás natural ou diesel, produzindo uma energia muito mais cara e suja. Até hoje, sempre que os reservatórios atingem um determinado nível, as térmicas são acionadas e a nossa conta de luz aumenta. Muito mais lucrativo, o negócio de geração de energia termoelétrica tem sido o foco dos investimentos privados. Hoje se opera com dois mercados de energia, o por cotas fixas e o chamado mercado livre. O das térmicas, mais caras, são ofertados do mercado livre, enquanto nas cotas que são vendidas para as empresas de distribuição como a Enel se cobra a tarifa das hidrelétricas. Essa energia mais barata é a que abastece normalmente as residências. Com a privatização da Eletrobras a empresa poderá ofertar toda a energia gerada no mercado livre. Isso significa, basicamente, que nos próximos anos viveremos um sistemático aumento de tarifas.

Diga-se de passagem, os apagões tendem a se multiplicar. Num sistema complexo e integrado nacionalmente como o brasileiro, algum problema de geração de energia, ou de transmissão, tanto quanto picos de consumo inesperados, podem provocar panes e comprometer o conjunto. É preciso uma planificação de longo prazo para que o sistema funcione. O que ocorre cada vez menos com a sua subdivisão em fatias para aumentar a atratividade no mercado das privatizações, concessões e leilões de energia. O apagão deste ano, que atingiu vários estados, teve origem num problema nas redes de transmissão, que também em função dos seguidos processos de privatização passam por um grave problema de falta de investimentos, acarretando em manutenção e ampliação insuficientes. Como gafanhotos, os acionistas compram uma empresa, maximizam os lucros, embolsam gordos dividendos e pulam foram, deixando para trás o caos criado. Esse é o chamado modelo Lehman, importação para o Brasil do mais avançado que existe no mundo dos negócios financeiros, cuja “eficiência” pudemos ver no caso da Americanas. Como vai bem o setor privado, isto é, o capitalismo, não é mesmo?

E a nossa água? A privatização da Sabesp

A Sabesp, que o Tarcísio quer terminar de privatizar a toque de caixa, talvez aproveitando que muitos paulistas estão sem energia em casa e não estão acompanhando as notícias, é um caso clássico, pode-se dizer. Um caso clássico porque demonstra o quão parasitário e destrutivo se tornou o capitalismo. Quanto mais capitalismo, mais destruição.

É preciso lembrar que a Sabesp já não é uma empresa completamente estatal. É uma sociedade com ações negociadas em bolsa, sobre a qual governo detém o controle majoritário. É esse controle que o governo quer vender, e para tanto precisa da aprovação da Alesp. Um passo que levará a uma desorganização ainda mais alarmante do sistema hídrico de São Paulo, com impactos regionais e nacionais no conjunto do sistema hídrico, e portanto, também na geração de energia. Já o início da privatização provocou a grande seca de 2014, ou melhor, foi o que agravou uma prolongada estiagem e a transformou em uma seca dramática.

A causa, sempre a mesma: a incessante busca do lucro. A Sabesp é das empresas da Bovespa que melhor remunera seus acionistas. Boa parte do lucro é distribuído em dividendos. E são fartos, porque a Sabesp distribui a água captada a um custo baixíssimo. Apenas penhora o nosso futuro, sem nenhuma contrapartida em termos de investimentos…

O sistema de tubulação está em um estado lastimável. Estima-se, segundos fontes oficiais, que mais de 30% da água tratada pela Sabesp se perde em vazamentos. Internamente, como apuramos em conversa com funcionários da Sabesp, trabalha-se com estimativas ainda maiores. O dado é de estarrecer, mesmo considerando somente as informações oficiais. É mais lucrativo para os acionistas minoritários da Sabesp desperdiçarem mais de um terço do produto que eles distribuem do que fazer a manutenção estrutural do sistema. A irracionalidade que leva ao desperdício do bem mais valioso para a preservação da vida no planeta é desesperadora. Em outubro as chuvas bateram o recorde histórico para o mês, no entanto toda essa riqueza que caiu do céu escorreu como sempre pelos esgotos, causando apenas morte e destruição. A Sabesp não tem nenhum sistema de captação e tratamento da água da chuva.

Ao mesmo tempo, opera-se a destruição dos mananciais, a devastação das matas ciliares que protegem rios e nascentes, como se a água não fosse um recurso finito. O desperdício em grande escala, ã falta de tratamento do esgoto, os resíduos industriais e dos agrotóxicos das grandes plantações reduzem cada vez mais as fontes de água potável, enquanto o processo acelerado de destruição das matas originárias compromete drasticamente a capacidade de regeneração dos diferentes biomas, como pudemos ver na recente seca amazônica.

Crise elétrica, hídrica e ambiental: reestatização sob controle dos trabalhadores e do povo da Enel e todas as empresas de energia, água e esgoto

O Brasil é detentor das maiores reservas de água potável do mundo. Além dos seus extensos rios, está em grande parte dentro do territorio brasileiro o portentoso aquífero Guarani. Toda essa riqueza hídrica sustenta também o sistema de geração de energia a um custo baixo.

A privatização e a desorganização deste sistema integrado agravam e intensificam os efeitos da crise ambiental que é um dos grandes problemas da nossa época.A água e energia precisam urgentemente passar para o controle da população e sair das mãos dos parasitas capitalistas enquanto ainda temos o que salvar.

A eficiência apontada nas empresas publicas não pode ser resolvida entregando um patrimônio que deveria ser de todos nas mãos de um punhado de capitalistas. A corrupção e ineficiência são provocadas pelos próprios empresários que a todo momento buscam as vias legais e ilegais para se apropriar dos recursos públicos.

O próprio sistema capitalista tem mostrado a cada dia que é ele o grande parasita que está destruindo o planeta e precarizado cada vez mais as condições de trabalho e a vida. Pois as privatizações apontam para mais do mesmo: exploração sem limites dos recursos naturais e exploração cada vez mais brutal da classe trabalhadora. Contra as privatizações, lutamos para que as empresas de água e energia sejam reestatizadas, sem qualquer indenização para aqueles que já lucraram milhões às custas da vida e dos diretos da polução. Que essas empresas reestatizadas estejam sob controle dos trabalhadores e do povo que saberão administra-las da mais racional, colocando no centro as necessidades da população e não o lucro.

Unificar as lutas no dia 28 de novembro

Neste dia, ainda que com atraso, está sendo organizado um dia de paralisação de todo o funcionalismo público de São Paulo contra as privatizações e contra as demissões dos metroviários.

Apesar da passividade dos sindicatos cutistas em organizar a luta unificada, ela caba sendo convocada pela própria crise dos serviços públicos em São Paulo. Frenta ao apagão, nossa resposta deve ser parar São Paulo contra as privatizações




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